quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A CHEGADA (2016)

Comunicação com alienígenas tem sido um tema recorrente na minha cabeça já algum tempo. Falei um pouco disso quando escrevi sobre o filme "Oblivion", mas a questão já me perturbava muito tempo antes e parece me perseguir a cada dia mais; não sei se tudo deriva do fato de eu trabalhar em um ramo onde as pessoas tem muita dificuldade de se comunicar, ou pelo momento de extremismo no mundo que venho acompanhando, onde ninguém quer realmente ouvir o que o outro lado tem a dizer; só sei que a dificuldade sobre como entenderíamos uma língua pertencente a seres vindos do outro lado da galáxia, com cultura, conceitos e percepções inimagináveis para nós, já que não conseguimos entender nem mesmo nossos vizinhos, me fascina.
Foi para saciar essa minha fascinação sobre como seria nosso primeiro diálogo com alienígenas, que fui atrás de histórias que buscassem se aprofundar na questão de, tanto nós entendermos os visitantes, quanto eles nos entenderem; me deparando assim com livros como "Contato"de Carl Sagan e "estranho em uma terra estranha" de Robert A. Heinlein e, mais recentemente com um filme que considero como um dos melhores de 2016 e que me deu ainda mais conceitos e questões para refletir. Trata-se de "A chegada", filme dirigido por Denis Villeneuve e estrelado por Amy Adams e Jeremy Renner, que esperei com ansiedade desde o surgimento de seu primeiro trailer e que superou minhas expectativa com tudo que me trouxe.

O filme gira em torno da Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista de prestígio que, após a aparição de doze gigantescos Ovnis espalhados pelo mundo, é convocada pelo governo americano, assim como o físico Ian Donnely (Jeremy Renner), para traduzir a língua dos alienígenas e buscar compreender qual a intenção dos mesmos para com o nosso planeta. Correndo contra o tempo, Louise e Ian terão de superar o medo que se espalha na sociedade, a imposição por parte do governo e a desunião entre os países envolvidos, para assim desvendarem as reais intenções dos visitantes e com isso, descobrirem muito mais sobre si mesmos.

Humano
O filme é muito competente ao abordar o que o roteiro propõe, se aprofundando na questão da dificuldade de diálogo entre duas raças que não possuem absolutamente nada em comum, do mesmo modo que é uma produção bonita de se ver e que trás uma mensagem muito bacana e atual de união e tolerância. Os protagonistas são plenamente críveis, apresentados como cientistas racionais e brilhantes, mas antes de tudo muito humanos com seus medos, traumas e erros, sem, porém, perder o foco em suas pesquisas e estudos e, se colocando no outro extremo de personagens de ficção científica que não os habituais heróis que resolvem tudo com explosões e gritaria. O destaque entre as interpretações é Amay Adams, que consegue expressar todo melancolia e sentimento que circundam a trama principal do filme utilizando muito de breves silêncios e fortes olhares para passar ao expectador muito de sua personagem sem precisar utilizar uma única palavra; Jaremy Renner também não deixa nada a desejar, sendo carismático e natural, entregando um Ian Donnely leve e muito mais simpático que os personagens que ele vem interpretando ultimamente. A direção, que ficou nas mãos do diretor canadense Denis Villeneuve, o mesmo de "Sicário", é extremamente competente e precisa, dando um ritmo lento e cíclico, mas não chato, na trama, o que faz total sentido quando por fim compreendemos o que os alienígenas querem e como história é montada, cravando uma exclamação em nossa mente ao final do terceiro ato quando temos várias revelações que são apontadas desde o primeiro minuto por um roteiro primoroso.



O roteiro do filme é baseado no conto "A história de sua vida" do escritor Ted Chiang, outro jovem escritor, que assim como Andy Weir, que escreveu "Perdido em Marte", foca mais na atuação da ciência em casos extraordinários, do que em uma solução utilizando a ação como protagonista. Então, toda a situação sobre a dificuldade de manter contato se torna a missão central do filme e serve de base para abordar e criticar temas de nosso dia a dia, como a boa ficção cientifica sempre fez e, assim o filme traça um paralelo sobre a dificuldade de compreensão entre as pessoas e sobre a tolerância com o que (ou quem) é diferente.
O filme me lembrou muito o livro "estranho em uma terra estranha", onde o protagonista, criado por alienígenas, não conseguia entender os conceitos humanos e ficava em grande parte paralisado frente a ironia e violência, sendo visto como alguém de intelecto baixo ou incapaz, quando na verdade a realidade de seu pensamento era totalmente dispare do pensamento humano. Da mesma forma, conforme a trama vai se desenrolando, enxerguei muito do livro e filme "contato", de 1997, e do filme "Interstellar" de 2014, dirigido por Christopher Nolan; com o primeiro, a semelhança é que formas de vida alienígenas ensinam uma maneira da humanidade se comunicar com elas, apenas para informar-nos que esse é o primeiro passo e que temos de nos preparar para aceitar o diferente, com o segundo, a ideia de que "o amor é a única coisa que transcende o tempo e espaço" e responsabilidade de nossos atos, coisas que parecem piegas, mas que ao assistir o filme tornam-se doces e verdadeiras.


No entanto, para entender a sutileza e a magia desse filme, é preciso revelar algumas partes da trama, ou não será possível uma análise digna de um filme tão bom quanto esse. Então lá vai:



Zona de Spoiler

Esse filme foi vendido errado!! Não é um filme de invasão alienígena, como os trailers tentavam mostrar, é um filme de visita alienígena e mudança de paradigma e, o diretor, roteirista e o montador, souberam tratar disso tudo de forma brilhante usando uma meta linguagem que faz tudo parecer voltar sempre. Para começar, o início do filme é o final, não o final da trama, mas o final das consequências que a trama causou na vida dos personagens, dando a ideia de ciclo, ou história não linear. Isso é apresentado incessantemente na produção, seja pela linguagem dos alienígenas, que é apresentada formando círculos, em frases soltas dos personagens, como quando Ian (Renner) fala consigo mesmo dizendo "tudo morre um dia", com o fato de existirem doze naves, tais quais as horas em um relógio e nos informando que aquela parte da invasão é parte de um todo maior, dando uma visão holística da situação, que os próprios personagens não compreendem a principio e só vão enxergar, quando o presente, ou arma, trazida pelos visitantes é desvendada.

O grande conflito do filme acontece quando a Dra. Banks traduz a proposta dos extraterrestres justamente como "Oferta de arma", que desencadeia uma crise entre os países alvos das visitas e quase cria uma guerra, sendo que mais tarde a protagonista descobre que o conceito de "arma" e "ferramenta" para os visitantes é o mesmo e essa ferramente (ou presente) é a própria linguagem alienígena, que , mais do que uma linguagem unificada entre as raças, carrega em si o poder de consultar e perceber o tempo como aquela raça, que não vive o tempo de forma linear, mas sobreposta, ou seja, para eles não há um futuro, passado e presente separados, mas simultâneo e pode ser acessado por nós (humanos) como lembranças e os aliens vieram nos passar essa linguagem, porque sabem que precisarão da ajuda dos humanos daqui a três mil anos, mas que a falta de união e entendimento, quase certamente, irá colocar em risco nossa existência até lá.

Com isso, o filme ainda toca em questões filosóficas e teóricas. Como , se sabemos o que acontecerá, pois temos lembranças do nosso futuro, será que temos realmente livre arbítrio? E, utilizando essas lembranças do futuro, para proceder no passado não criamos um paradoxo temporal e apagamos uma linha de tempo possível? Mas isso é algo para ser pensado em outra ocasião, porque não ferem a trama central ou mitologia do filme, pois o mesmo parece utilizar a máxima do filosofo romano Boécio em um parentese na "consolação da filosofia", ao falar sobre previsões: "As coisas são previstas porque acontecem e não acontecem porque são previstas", sendo assim, o filme só possui uma linha temporal e as visões do futuro já estariam prevista, pois o tempo é influenciado e medido pela ótica dos aliens e não no jeito humano.

O filme ainda tem um toque de humor, quando nos questionamos se o nome da filha da protagonista é Hannah, por causa que a nave estava em Montana, sendo que o nome também é um palíndromo sendo falado do mesmo jeito de trás para a frente ou de frente para trás, outro exemplo de linguagem cíclica como a escrita alienígena.

A única parte caída do filme é que mesmo tendo uma mensagem otimista, o diretor se apega a questões onde países não alinhados com o pensamento americano, são representados como instáveis e extremistas em suas atitudes (china , Rússia, Paquistão e sudão), uma situação já apresentada anteriormente por Villeneuve em "Sicário", onde temos um EUA racional em um lado e um México selvagem do outro, assim como seus agentes da CIA, que tanto no filme de 2015, quanto nesse, são dois babacas.


Por tudo que o filme me apresentou, considero a grande surpresa boa de 2016. Conseguiu tratar de temas que são extremamente importantes e atuais com competência e inteligencia e, de quebra, nos contou uma história que envolve amor, responsabilidade e união. Jogo minhas fichas que Amy Adams terá seu nome indicado ao Oscar pelo papel na obra, assim como o roteiro estará presente como melhor roteiro adaptado. A produção me trouxe orgulho, por tratar a ficção científica com respeito e me fez sentir muito mais tranquilo ao pensar que a sequência de "Blade Runner" está nas mão do diretor Denis Villeneuve, que vem se mostrando um grande nome dessa nova geração.
"A chegada" é um filmaço, que vai muito além dos filmes clichê de invasão alienígena, Então faça como os visitantes e não perca tempo, porque "A chegada" ainda está no cinema esperando para ser prestigiada, pois se conseguiu me compreender e entendeu esse texto como uma ferramenta ou presente, compre seu ingresso e parta para o cinema o quanto antes para surpreender-se.




domingo, 18 de dezembro de 2016

EX-MACHINA (2015)

"Westworld" finalizou sua primeira temporada a duas semanas atrás e a segunda foi anunciada só para o longínquo 2018; um pouco mais próxima está a estréia da quarta temporada de "Black Mirror", que deve aparecer pela Netflix no segundo semestre do ano que vem; o que é menos ruim, mas não chega a ser bom, pois ambas ausências deixaram um vácuo no coração dos fãs de ficção científica e dos novos apreciadores, que se espantaram com os conceitos apresentados e com a qualidade dos roteiros das duas produções. Mas não há motivo para desespero jovem, porque o cinema, em sua infinita quantidade de possibilidades, é a salvação para você, que assim como eu ficou carente de um sci-fi de qualidade que lhe traga aquelas mesmas sensações em sua vida, e, é justamente sobre um filme, que mais parece um conto de "Black Mirror" abordando os mesmos dilemas de "Westworld", que vim indicar no dia de hoje, trata-se de "Ex-Machina" de 2015, escrito, roteirizado e dirigido por Alex Garland e estrelado por Domhnall Gleeson , Alicia Vikander e Oscar Isaac, que vai colocar um sorriso no rosto de quem é apaixonado pelo estilo e uma pulga atrás da orelha de quem trabalha com inteligência artificial.

O filme conta a história de Caleb Smith (Gleeson), um programador que trabalha na empresa de Nathan Bateman (Isaac), a Bluebook (o maior motor de busca da web) e, é sorteado para passar uma semana nas montanhas do Alasca na companhia de seu patrão participando de um projeto secreto, o qual ele descobre mais tarde se tratar da finalização da construção de um androide, sendo que a ele ficou reservada a aplicação do teste de Turing na inteligência artificial. Assim ele conhece Ava, o androide de aparência feminina e jeito frágil o qual deve testar; mas, efetuando os testes Caleb acaba se afeiçoando a ela e sendo instigado a duvidar dos verdadeiros propósitos de Nathan, questionando seus próprios sentimentos quanto a Ava e caindo em um jogo de manipulação e traição que poderá lhe ensinar a derradeira lição de sua vida.

Ex-Machina ganhou o Oscar de melhores efeitos especiais e o Critic's choise awards nesse ano, além de ganhar o prêmio de melhor filme inglês independente de 2015 e ser indicado para o Bafta e o globo de ouro nas categorias referentes ao elenco e roteiro, fatos que exemplificam a qualidade do filme. Mas longe de medi-lo pelas premiações, podemos apreciar "Ex-Machina" por todas suas qualidade facilmente observáveis e que se sustentam na produção, ao mesmo tempo que conseguem fazer referências a o universo gigantesco da ficção científica, assim como a aposta do diretor/roteirista em colocar suas fichas em uma história instigante e bem contada, que usa os efeitos especiais como coadjuvantes e o elemento humano como protagonista.


O primeiro grande trunfo do filme é seu elenco. Domhnall Gleeson realmente convence como o solitário e inseguro programador Caleb Smith, com seus sorrisos amarelos e aparente desconforto que faz lembrar o maravilhoso episódio da segunda temporada de black Mirror, onde o próprio ator interpreta uma inteligência artificial que é feita para "substituir" pessoas amadas que morreram, mas que não consegue ser autentico, sua interação com Ava e a química que surge entre os dois é plenamente crível e isso também é mérito da atriz Alicia Vikander, que está extremamente charmosa e misteriosa na trama, fazendo com que a torcida pela liberdade da inteligência artificial seja algo natural e nos colocando ao mesmo tempo contra os propósitos do misterioso Nathan, que surge na pele de Oscar Isaaac e que nos é mostrado sempre treinando artes marciais ou bebendo, focando, através do roteiro, na violência e vicio do personagem e nos manipulando assim sem percebermos.

A trama é muito bem construída e orquestrada por Alex Garland em seu primeiro trabalho como diretor. O escritor de "A Praia", livro que se tornou filme protagonizado por Leonardo Dicaprio e, roteirista que transformou o livro "Não me abandone Jamais" de Kazuo Ishiguro em filme, além de escrever sucessos como "Extermínio", mostra que conhece os seus limites, mas que sabe a que veio focando em um conto que possui poucos personagens, mas que usa isso como trunfo para se aprofundar em conceitos e situações instigantes, como as questões sobre a inteligência artificial, vida, amor, solidão e traição, tudo isso sem perder a linha para nenhum caso especifico durante a uma hora e meia de filme.  

O filme tem referências bem claras e muitas são gritantes aos olhos, como a influência da série inglesa "Black Mirror" e as ideias compartilhadas com as obras de Phillip K. Dick. Com a série "Black Mirror", o fato de focar em uma situação de problema humano, mas derivada da tecnologia já mostra bem a ligação que o filme possui com a criação de Charlie Brooker, fora isso, como mencionado anteriormente a produção conta com a participação de Domhnall Gleeson, que além da série inglesa, também teve uma papel de destaque no filme "Star Wars VII", assim como Oscar Isaac, que interpreta Nathan nesse filme e o piloto de Ti-figther Poe Dameron no filme do universo dos Jedi. A própria firma pertencente ao personagem de Isaac é, de certa forma, uma referência a ficção cientítica; A "BlueBook" é um buscador no estilo google, que o misterioso CEO usa para capturar informações e "ensinar" sua inteligência artificial a compreender os humanos, criando assim uma espécie de singularidade bem parecida com a que ocorre no clássico da animação japonesa "Gohst in the Shell" e dando vida e consciência a uma mente construída. Por último temos então as ideias de Phillip K. Dick, que tratou em suas obras sobre a ética de considerar algo criado em laboratório, mas com consciência de si e do mundo, um ser vivo e merecedor de respeito e direitos, fato que o roteiro nos faz apoiar desde o primeiro minuto quando somos apresentado a Ava e que, mesmo com a grande virada do final, não consegue fazer com que pensemos diferente.

Além das referências na literatura e cinema de ficção científica, o filme ainda traz certas referencias bíblicas que guiam o caminho de seus personagens, sendo as principais os nomes dos mesmos. O protagonista se chama Caleb, que vem do hebraico e significa Cão, tendo como significado do nome a ideia de lealdade e proteção, ambos atributos procurados (e abusados) pelos outros personagens; no antigo testamento, Caleb é um dos dois únicos espiões a voltarem com vida de Canaã e um dos poucos judeus a fugir do Egito a chegar na terra prometida, tal qual o personagem do filme que é o único, junto com seu patrão, a sair da Bluebook e partir para as montanhas do Alasca para participar do projeto secreto. Nathan segue essa referência bíblica sendo o significado de seu nome algo como dádiva ou dom, algo que é dado por uma inteligência superior, o conceitos que representam a criação, é o que é fornecido por ele a Ava, sendo que seu nome também aponta para sua percepção distorcida de que ele próprio é quase um deus. Por fim, temos Ava, que faz uma referência a avatar, que seria a humanização de uma entidade superior, na religião Hindu, assim como também remete a Eva, a primeira mulher e portadora do pecado origina, sendo a criação do conflito que surge entre seu criador e seu "interesse romântico" ( com muitas aspas) o caminho que Ava aponta e que resulta no que vemos ao final do filme.

Fato que também chama a atenção são os sobrenomes do personagens. Caleb tem o sobrenome de Smith, que é muito comum na língua inglesa, sendo comparado a Silva na portuguesa, esse fato parece buscar simplificar o personagem, torna-lo só mais um na multidão, um peão e assim justificar o uso que é feito dele por parte dos outros personagens. Já Nathan, atende pelo sobrenome de Batemam, tal qual o personagem de Christian Bale no filme Psicopata americano, que só pensa em seus objetivos e que busca saciar seus desejos e aspirações independente de quem se mostre contra; curiosidades que enriquecem mais ainda o roteiro.

"Ex-Machina" é um filmaço, consegue instigar e fascinar quem assiste com suas ótimas atuações e roteiro brilhante, mostrando que se pode fazer cinema de qualidade com pouco dinheiro, basta ter uma boa história e talento para saber conta-la. Um show de referências que não são entregues de forma gratuita e conceitos que nos fazem parar e pensar com o que o futuro nos espera. "Ex-machina" é exemplo de qualidade de ficção científica e história bem contada que com certeza vai matar a saudade de "Black Mirror" e "Westworld", trazendo de novo a cabeça do expectador todos os conceitos e dúvidas que a tecnologia e o futuro nos reservam em nossos sonhos ou pesadelos.

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segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NEM TUDO É O QUE PARECE (2004)

Resolvi dar uma freada nos filmes, séries e livros de Ficção científica e fugir para o outro extremo, me atirando nas produções sobre o submundo e criminalidade. Não! Eu não dei as costas para as distopias e viagens espaciais para fazer maratona de “Cidade dos homens” ou ver de novo “Cidade de Deus”, fui atrás de algo mais real, mas não tão real assim e acabei encontrando um filme de 2004, muito pouco comentado, mas com um elenco de respeito, um diretor que eu gosto muito e uma história fantástica. Estou falando de “Nem tudo é o que parece”, dirigido por Matthew Vaughn e estrelado por Daniel Craig, que me entregou uma trama tensa que me deixou preso no sofá até que o último ponto nos créditos finais fosse apagado da tela.

O filme conta a história do senhor X (Daniel Graig) um traficante Londrino, que seguindo seu plano de negócios, resolve se aposentar antes que seja tarde e fique muito envolvido com o submundo. Às vésperas de largar a criminalidade, ele recebe uma missão de seu principal fornecedor: encontrar a filha desaparecida  de um grande amigo; ao mesmo tempo que seus associado lhe convocam para avaliar e procurar compradores para poderosas pílulas de esctasy vindas do leste Europeu trazidas por um conhecido nada confiável. O que o senhor X não sabe é que está entrando em uma trama de traição, ganância e violência muito além dos aceitos dentro de sua ideia de negócios, que pode ser uma viagem sem volta dentro do buraco negro mafioso do submundo de Londres.

O Nome do filme em Inglês é “Layer Cake” (Bolo em camadas), traduzir esse título ao pé da letra para o português ficaria estranho, mas dentro do próprio filme esse título é explicado e acaba por fazer sentido, já a opção de colocar o nome da produção de “Nem tudo é o que parece”, não ajudou em nada como chamariz, acabando por dar pouca credibilidade a história por parecer que se trata de uma comédia para “toda família” protagonizada pelo Leandro Hassum e isso foi o pior desserviço que uma tradução poderia fazer com um filme, pois apesar de (sem trocadilho com o bolo) seguir uma receita conhecida e, por muitas vezes, deixar o expectador tonto devido ao número de personagens e as conexões que eles tem entre si, “Nem tudo é o que parece” é um filme bem inteligente e divertido que não merece ser esquecido.



Falei que o filme segue uma receita, porque ele vem na onda dos primeiros sucessos do diretor Guy Ritchie, “Snatch-porcos e diamantes” e “Jogos trapaças e dois canos fumegantes”, abordando o universo do submundo de Londres, utilizando diversos personagens, com mortes bizarras, tramas que se dividem em dezenas de pequenas sub-tramas e um final surpreendente, sendo a direção tendo ficado, não por acaso, nas mãos de Matthew Vaughn, que já havia produzido “Snatch” em 2000 e emula a direção de Rirchie nesse filme, mas já mostrando muito do diretor que viria a se tornar mais a diante, com suas sequências rápidas, as trocas de cenário para explicar as consequências dos fatos, as cores fortes e a iluminação bem clara sempre presente.

A história tem pelo menos vinte personagens com relevância. Isso pode acabar deixando quem assiste bastante confuso, pois no filme, que possui apenas uma hora e meia, muitos desses personagens são, muitas vezes, apenas citados pelos que estão em cena e, se lembrar dos nomes e apelidos de quatro ou cinco pessoas que conhecemos em um dia não é fácil, imagina o de duas dezenas de personagens de um filme curto? Mas isso acaba por dar mais tensão ao filme, pois somos obrigados a assisti-lo com toda atenção do mundo, ou acabamos por perder o fio que conduz a trama, já que ali nem tudo é o que parece (Pá-bum- Tss).

O roteiro do filme é muito bem escrito por J.J Connolly, sendo baseado em uma novela do próprio roteirista e a história prende porque, penso eu,  os filmes sobre o submundo são fascinantes para a grande maioria das pessoas. Talvez por apresentar um universo secreto, um lugar marginal ao cotidiano e a rotina, que nos faz lembrar que somos animais, refreados muitas vezes, apenas pelas correntes da opinião da sociedade que nos cerca, ou talvez, simplesmente, por exaltar a força e a liberdade que possui quem não segue todas as regras. Seja pelo motivo que for histórias sobre o mundo do crime são quase certeza de sucesso, principalmente se a mesma possuir uma trama complexa, que além de bandido, mostrar o protagonista como um homem de negócios e classe, se aprofundar em suas relações profissionais e nos entregar cenas pontuais de violência e diálogos inteligentes e, justamente isso, é o que a trama apresentada por Connolly nos mostra durante o tempo de tela.

Além do roteiro e direção competente, o filme ainda traz personagens fortes, como Gene, interpretado por Colm Meaney, o segundo no comando da quadrilha para quem o senhor x trabalha e que se impõe como cara durão mesmo não tendo o perfil físico  para isso; do mesmo modo temos o responsável pela segurança do protagonista, Morty (George Harris), sempre sério e impassível e que explode em uma cena que faz quem está assistindo perguntar o que está acontecendo. Também é legal ver alguns atores que hoje são estrelas, começando suas carreiras, como o mirrado Daniel Craig, que estava longe de ser o James Bond dos últimos filmes da franquia 007, ou um Jovem Tom Hardy, grande nome depois de Mad Max, que ali se apresenta como um inexpressivo coadjuvante aliado do senhor X que pouco influencia a trama.


Seja pelo motivo que for, “Nem tudo é o que parece” é um filme muito bacana e merece ser assistido, principalmente para quem, assim como eu, gosta daquele estilo característico inglês fundado por Guy Ritchie. Para se ter uma ideia o filme, mesmo parecendo imitar o estilo do ex-marido da Madona, me parece ter influenciado o mesmo no último filme do diretor  nesse estilo, “Rock n Rolla”, de 2008 e isso por si só mostra a qualidade da produção. Mas o grande trunfo de “Nem tudo é o que parece” é se sustentar sozinho, mesmo fazendo referência a outras produções e nos dias de hoje, onde tudo parece uma repetição de uma repetição de roteiros, um filme que tenta lembrar outros e mesmo assim consegue surpreender é uma joia rara, então não perca tempo, assista, “Nem tudo é o que parece” e preste bem a atenção na trama, pois embora a história se apresente em diversos níveis, como um bolo em camadas, nem tudo é o que parece e o final  vai te deixar com um amargo na boca por um bom tempo.



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

GALVESTON - O livro de Nic Pizzolatto


Conheci o trabalho e Nic Pizzolatto com a primeira temporada da série "True Detective" e assim como quase todo mundo fiquei impressionado. A produção da HBO trazia, além de um grande elenco, um roteiro interessante e com personagens de extrema profundidade e carisma, o que me fez procurar mais sobre o trabalho do criador daquele universo, que conseguiu misturar com sucesso o clima Noir com o dos weird tales.

No entanto, não encontrei nenhum trabalho de Pizzolatto publicado no Brasil logo após o termino da temporada estrelada por Mattwel McConaughey e Woody Harrelson então segui na expectativa pela temporada seguinte, que contaria uma história diferente e com novos personagens e me satisfiz lendo o livro que inspirou o roteirista a flertar com o místico e o estranho junto a suas histórias de detetive, o clássico "O rei de Amarelo" de de Robert W. Chambers .

Então Junho de 2015 chegou e a segunda temporada de "True Detective" estreou. No entanto, a nova temporada, embora também tivesse um grande elenco, não possuía o mesmo carisma e fracassou em tentar repetir o sucesso da primeira, mas sua estreia serviu como publicidade para que a editora intrínseca lançasse em nosso país um livro de Pizzolatto, que nos entregaria um pouco mais sobre aquele mundo corrupto e cínico, em que transitam em ruas escuras detetives e gângster e, onde a linha que separa o bem do mal é mais fina do que um fio de cabelo, foi assim que chegou em minhas mãos " Galveston".

"Galveston" conta a história de Roy Cady, um assassino da máfia de Nova Orleans, que, após descobrir que está com câncer e depois que seu chefe se torna amante de sua namorada, é vítima de uma armadilha armada por seus próprios companheiros, de onde escapa muito mais devido a seu sangue frio do que pela sua sorte. Na fuga , ele conhece Rocky, uma jovem prostituta e com ela resolve fugir para a cidade de Galveston, um lugar de boas lembranças do passado, onde ele pretende passar seus últimos dias aproveitando o mar e sendo tudo o que não foi, ignorando que o passado ainda o espreita e o seguirá aonde for.

O livro começou me empolgando. Em seus primeiros capítulos ele lembra um pouco a tensão e clima presentes na obra de James Ellroy, "Los Ageles - cidade proibida", onde os homens são violentos e frios e, as mulheres sexys e manipuladoras, a narrativa é rápida e expressa em frases e parágrafos curtos, nos arremessando para dentro da história sem explicação prévia, nos fazendo agarrar à visão do protagonista para aos poucos vislumbrarmos o que está acontecendo naquele mundo que estamos adentrando de maneira tão brusca e isso é bem bacana. Somado a esse clima, temos ainda a descrição de cenas cruas de ação e violência, que te fazem franzir as sobrancelhas e trincar os dentes, principalmente quando o autor detalha as torturas praticadas pelo submundo.



Mas apesar desse início empolgante, o livro se perde em si. Tal qual a segunda temporada da série roteirizada por Pizzolatto, da segunda parte do livro até o final , a história parece entrar em um looping que não leva a nada a não ser destruir todo o clima criado por suas primeiras páginas. O próprio protagonista, que no início é mostrado como um cara durão, que beira ao niilismo, aos poucos vai amolecendo, chegando a constranger o leitor com um capítulo de auto-piedade onde vai procurar uma ex-namorada para tentar relembrar seus bons momentos, mas conseguindo apenas páginas e mais páginas de desprezo e conversa mole que não representam nada para a trama. Por falar em trama, a partir da segunda metade do livro é que percebemos que o autor não possuía uma trama para nos apresentar, apenas uma ideia e a caracterização de alguns personagens bem parecidos com os que ele apresentou na TV, são páginas e mais páginas ambientadas em hotéis na beira de estradas, com seus hospedes solitários e marginais, que pouco, ou nada contribuem no crescimento do protagonista ou da história e que se, pelo menos, fossem alvos de uma chacina , faria sentido com a ideia inicial que parecia surgir nas primeiras páginas, de um thriller de ação e perseguição maquiado de roadtrip, mas que ao invés disso, ao final, lembra mais o roteiro de uma novela da Glória Perez só que (por incrível que pareça) mais açucarado.

"Galveston" foi uma decepção! Um livro que tenta flertar com o submundo, mas tropeça em seus personagens fracos e trama rasa, não consegue manter um ritmo ou apresentar motivos para que nos importemos com os problemas de seus personagens, chegando a nos fazer questionar por que o câncer do protagonista é tão lento. Traz todos os defeitos de roteiro que fizeram a série escrita por Nic Pizzolato ser cancelada da grade da HBO, após a decepção da segunda temporada, sem trazer as qualidades presentes no sucesso da primeira e levam o leitor do nada a lugar nenhum em chatas 235 páginas, surpreendendo quem descobre, assim como eu, que os direitos do livro já foram comprados e que o mesmo deve virar filme muito em breve, para azar da sétima arte, que parece estar com um câncer em sua criatividade e sorte de Pizzolatto que deve lucrar alguns milhõezinhos por mais um roteiro ruim e essa história sim é digna de um Weird Tale.



domingo, 13 de novembro de 2016

BONE TOMAHAWK (2015) quando o terror e o Western dão as mãos

2016 está quase no final e, embora tenha trazido alguns filmes legais, trouxe tantas decepções com os títulos que vinham a anos sendo aguardados, que o jeito de equilibrar essa frustração é recorrer ao underground e ir voltando no tempo para achar algo que valha a pena ser assistido. Foi assim, retrocedendo até 2015 e procurando filmes pouco divulgados, que encontrei algo que colocou minha cabeça entre o "porque não?" e "Que porra é essa?!", uma trama que fica oscilando entre o cinema minimalista e o visceral, com um grande elenco, mas sem grande produção, escrito e dirigido por um cara totalmente desconhecido, mas não por isso pouco talentoso; estou falando de "Bone Tomahawk", em Western de terror (se é que este estilo existe) roteirizado e dirigido por S. Craig Zahler e estrelado por Kurt Russel, Patrick Wilson, Matthew Fox e Richard Jenkins (fora os reféns), que me surpreendeu em uma dessas noites sem sono.

Em "Bone Tomahawk" somos apresentados a pequena cidade de Brigth Hope, no bom e velho Oeste Americano, um lugar cuja economia gira em torno da criação de gado de corte e onde algumas vezes no ano os peões levam o rebanho até os grandes matadouros no outro canto do estado, deixando a cidade praticamente vazia. É em um desses períodos, que surge na cidade um desconhecido (David Arquette) que as autoridades da cidade acreditam se tratar de um fugitivo após encontrarem roupas sujas de sangue próximas a cidade pouco depois deste chegar. Após uma discussão em um saloon, o misterioso forasteiro acaba baleado e preso pelo xerife (Kurt Russel) e como o médico da cidade não estava presente, para tratar do detento baleado, o xerife chama a enfermeira Samantha, que deixa seu marido Arthur (Patrick Wilson) na cama, com sua perna quebrada e vai cuidar do prisioneiro.
No entanto, o que ninguém poderia imaginar é que o forasteiro vem fugindo a dias de uma misteriosa e selvagem tribo de Canibais, que deseja seu sangue por ter maculado um terreno sagrado e, entrando na cidade sorrateiramente, esses canibais sequestram o forasteiro levando junto o jovem auxiliar do xerife e a enfermeira Samantha, não restando nada as poucas autoridades restantes na cidade (compostas pelo Xerife Hunt e seu idoso e lento auxiliar Chicory (jenkins)) partir em resgate dos desaparecidos, contando com a ajuda do Dandi e arrogante John Brooder (Fox) e do debilitado marido da enfermeira, em uma viagem que testará mais do que a fé do grupo na humanidade e a confiança em si próprios, mas a própria sanidade de cada um.



Esse filme é atípico, pelo menos pra mim, que procuro títulos que foquem mais na diversão ou em tramas que tentam se equilibrar em um roteiro que busque conversar com o expectador sem necessariamente choca-lo desde o primeiro momento. "Bone Tomahawk", pelo contrário, é um tapa na cara desde o primeiro minuto de cena, quando vemos um homem tendo sua garganta cortada por ladrões com uma faca cega, isso mostra, mesmo antes do nome do filme ser anunciado em uma tela preta e sonorizada só com o som de estouro, a que o filme veio e deixa claro aos de estômago fraco, assistam outra coisa.

Chicory & Brooder
Mas apesar de ser um filme surpreendente, ele se mostra atípico até mesmo em seus adjetivos, pois possui extremos de tensão e ação que te deixam hipnotizados e momentos de total marasmo, que te fazem ter vontade de acelerar os acontecimentos ou reeditar a película cortando, pelo menos, quarenta minutos do filme.

No que tange a parte positiva, se pode falar sobre o início instigante que já mencionamos, com os ladrões executando alguns pobres viajantes azarados e os personagens sendo apresentados em todos os seus esteriótipos e , com certeza, o fechamento do filme, onde o resgate se dá (não com o sucesso esperado) onde o filme dá uma guinada de terror e crueza na ação e que assistir, sem fazer uma carteirinha que seja, não é tarefa muito fácil; destaque para como o personagem do Patrick Wilson descobre como chamar os Canibais e como ele realiza essa tarefa e o destino do pobre coitado do mais jovem assistente do Xerife.

O ponto ruim é que o filme, por se tratar de uma viagem de resgate, contem muitas cenas que parecem desnecessárias e diálogos que não casam com a situação de um grupo que parte em um resgate, tornando quase todo o segundo arco da trama, onde eles estão no rastro dos selvagens, uma quebra com o ritmo que era prometido no inicio e aditivado quando acontecem os sequestros. É cavalo que é roubado, é perna que infecciona, é confissão de matador de índio, é Xerife que quer se aposentar; são muitos pequenos plots que rodeiam todo o universo de Westerm que o autor praticamente lista sem aprofundar nenhum de verdade e os colocando ali mais como enxerto da trama, do que para falar mais sobre o passado dos personagens.

Hunt & Arthur
Falando sobre os personagens, o roteiro usa e abusa de esteriótipos e arquétipos dos filmes de westerm para nos entregar quatro personagem marcantes. Primeiro temos Kurt Russel, no papel do Xerife Hunt, um velho homem da lei, habituado com ladrões de cavalos e pistoleiros, é o tipo que atira primeiro e pergunta depois, está próximo da aposentadoria e pretende viver o resto de sua vida tranquilamente com sua esposa, a participação de Russel nesse filme é tão bacana, que lhe rendeu um papel no último filme de Quentin Tarantino, " os Oito Odiados" lançado também em 2015. Nas pegadas do xerife, segue seu velho assistente chamado Chicory, que é vivido por Richard Jenkins, ele é um velho viúvo, ingenuo e de inteligência limitada, que parece estar mais sob a proteção do personagem de Russel, do que sendo útil a justiça, servido como alívio cômico e responsável pelas perguntas mais constrangedoras aos demais personagens; Temos também o arrogante e cínico John Brooder, um rico e Dândi fazendeiro veterano da conquista do Oeste, que nutre um ódio secreto por índios por um fato ocorrido em seu passado, de personalidade difícil e pessimista, o personagem do antigo protagonista de "Lost", Mathew Fox, é o responsável por mostrar com clareza como o mundo real pode ser mau e hostil aos desinformados membros da comitiva de resgate; Para fechar o quarteto, temos Patrick O'Dwyer, o vaqueiro marido da enfermeira sequestrada, só não foi viajar semanas antes para levar o gado, por ter quebrado a perna quando consertava o telhado e mesmo debilitado parte com a comitiva para salvar sua mulher e é responsável por nos transmitir toda dificuldade, sofrimento e sacrifício para realizar sua missão.

Mas mesmo explorando bem os protagonistas, o filme parece ficar devendo um pouco sobre o universo que eles fazem parte. Pouco é falado ou presentado sobre a cidade de Brigth Hope ou sobre as famílias dos protagonistas e a falta que os mesmos podem causar naquela sociedade. O pouco que temos são personagens periféricos que dão uma ideia sobre a sociedade de origem dos protagonistas e algumas lembranças, que são contadas na volta da fogueira mas não mostradas, assim como a própria cidade, que só é mostrada como uma pequena rua empoeirada e casas de madeira perfiladas.


Apesar da Oscilação de ritmo e extremos nas qualidades do filme, "Bone TomaHawk" é um filme surpreendente e muito corajoso. Repleto de tensão e crueza, é uma história para quem tem estomago forte e paciência apurada, mas acima de tudo uma boa opção em um ano com tantas decepções no cinema. Com um elenco de respeito e um roteiro visceral e sanguinolento, o filme comprova que muitas vezes o underground e o mais antigo, valem muito mais a pena do que o fruto da publicidade e do Marketing, então já sabem, em caso de insônia, dia de chuva ou falta de opção e estiver sentindo o estômago forte, assista "Bone Tomahowalk" e assista esse filme que vai te surpreender, mesmo te deixando entre o "porque não?!" e o "Que porra é essa?"




quinta-feira, 10 de novembro de 2016

LUKE CAGE ( 2016) A série



Desde que lançou “Homem de Ferro” em 2008, a Marvel vem se tornando cada vez mais presente na vida de quem é fã de cinema. O universo da editora no áudio visual é um sucesso com seus filmes repletos de cores e piadas, mas faltava algo que o conectasse a realidade, algo que aprofundasse seus personagens a um contexto social e explorasse mais seus medos e motivações.
Então em 2015, em parceria com a Netflix, estreava “Demolidor” e essa carência de conexão com o mundo real começava a desaparecer com uma trama que apresentava as ruelas e becos escuros da periferia por onde transitava o submundo daquele universo, fato que foi aditivado quando meses depois “Jessica Jones” chegou, trazendo uma história de abuso e trauma pessoal que colocava em segundo plano o fato da protagonista possuir super-poderes e expunha suas fraquezas, vícios e erros. Mas a editora de Stan Lee ainda devia uma produção que abordasse um contexto social mais complexo, uma produção que falasse da realidade e história não apenas de um personagem, mas de um grupo de pessoas, o reflexo de uma sociedade que vive entre a marginalidade e a realização do sonho americano; então esse ano a Netflix nos brindou com a terceira série em parceria com a Marvel, prendendo essa última ponta solta que faltava e preenchendo essa lacuna ao nos entregar “Luke Cage”. 


O grande trunfo dessa produção, é que mais do que uma série de super-heróis baseada em quadrinhos, ela  traz um flerte muito maior com a sociedade verdadeira e a realidade enfrentada pelos negros americanos. A própria locação das filmagens (o Harlem), que é um gueto histórico e famoso símbolo de orgulho para a comunidade que lá vive, é apresentada quase como um personagem e tem papel essencial na tramar, emanando de si o terror e o poder desejado por tantos e o acolhimento e refugio sonhado por outros. Nesse microcosmo, alguns elementos são afirmados como sendo não apenas tradicionais entre as pessoas que ali vivem, mas também como as poucas esperanças de sucesso e mudança de vida, como, por exemplo, o basquete e a música, essa última, em especial, importantíssima e presente fortemente do início ao fim da série.
O momento vivido pela comunidade negra americana, também se faz presente na série, ao se introduzir na trama questões sobre excessos e violência policial que se assemelham aos ocorridos durante os últimos anos naquele país, isso atesta Luke Cage, como a serie mais pesada que a Marvel já produziu, fato que a qualifica e diferencia dramaticamente de quase tudo feito pela editora no audiovisual, mas a diminui frente a muitos fãs de Quadrinhos, que embora apreciem muito quando o imaginativo e fantástico das HQ’s se aproxima da realidade, ainda parecem ficar receosos quando o tema aborda drama social.

No entanto, a questão social é elemento intrinsecamente ligado ao personagem, empobrecendo-o, caso fosse ignorada. Até seus poderes parecem se conectar a toda essa questão, ou seja, um negro, que se impõem com força sobre humana aos problemas e dúvidas em seu caminho e é a prova de balas ou facas, mas prefere buscar o apoio e atuar como um exemplo no bairro onde mora é uma mensagem poderosa, que não sei se passava na cabeça de John Romita,sr. , Archie Goodwin e George Tsukas, quando esses criaram o personagem nos anos setenta, altamente inspirada pelos movimentos sociais e pelos filmes de blaxploitation. 
Falando em blaxploitation, esse estilo cinematográfico é o elemento que dá o tom da trama da série, onde, como em todo filme negro dos anos setenta, temos o protagonista badass, as mulheres fortes, os problemas sociais se agravando, os aproveitadores de dentro da própria sociedade, o traficante, o político corrupto e o tira branco traidor, sem falar na sensualidade, que obrigatoriamente passeia em meio à história.

Mas embora Luke Cage seja uma série repleta de qualidades, ela chamou minha atenção de forma negativa pela “barriga” que apresenta em seu roteiro, que poderia ser muito mais enxuto e, pelas escolhas repetidas que a Netflix vem tomando ao desenvolver a história dos  personagens Marvel. Quanto a essa sobra no roteiro, podemos culpar o fato de o personagem ser o super-herói mais poderoso apresentado pelo estúdio no universo da TV ( o cara tem Super-força, invulnerabilidade e fator de cura) e não possuir um opositor no mesmo nível em sua galeria de vilões, o que força o roteiro a encontrar uma maior quantidade de problemas para serem solucionados, ao invés de nos entregar um problema de qualidade, como no caso dos vilões de Jessica Jones e Demolidor, KillGrave e Rei do Crime respectivamente, ambos tão fortemente reconhecidos a aplaudidos por quem assistiu essas outras séries; assim temos o que parece ser duas temporadas de Luke Cage, comprimidas em uma, em que vemos a troca de bastão dos vilões passar em três mãos diferentes durante treze capítulos, sem no entanto parecer uma ameaça que preocupe profundamente o protagonista por mais do que um terço da trama e para apresentar, desenvolver e resolver isso, não seriam necessários mais do que dez episódios.
A Netflix  parece  ter se tornado preguiçosa ou acomodada ao desenvolver a maneira de como a história é contada e os elementos que devem estar presentes na trama. Notei com Luke Cage que as três séries Marvel possuem uma luta em um corredor, um episódio para mostrar a origem do Herói e nos aprofundar em seus motivos e outro para apresentar a origem do vilão, sendo que nas três séries, todos os vilões tem a desculpa de que são vítimas do meio onde foram criados (TODOS!!) nenhum antagonista principal é mau porque simplesmente é, todos tem uma desculpa e isso depois de um tempo começa a incomodar, principalmente em Luke Cage, onde existem três vilões principais, todos assombrados com traumas do passado, embora em níveis diferentes.

Mas fora os pequenos problemas apresentados que ainda são somados a uma trama que se desenrola muito lentamente devido, penso, à densidade social que permeia a história e um protagonista que não tem o mesmo impacto inicial de um Demolidor, Luke Cage é muito bacana e, embora não tenha me empolgado para que eu fizesse uma maratona, me prendeu durante dias na cadeira, me fazendo voltar um pouco atrás para pegar pequenos detalhes, homenagens e referências, degustando cada momento e imaginando onde uma possível segunda temporada pode levar o personagem, principalmente após o que as cenas finais mostram.

Luke Cage fecha um ciclo nas produções Marvel, conectando uma das últimas pontas soltas não abordadas pela editora anteriormente no audio-visual, a questão social. Com uma trama que fala sobre origem, orgulho, recomeço e destino, Luke Cage sai do mais do mesmo das séries de Super-heróis da TV e cinema com uma história que aborda problemas reais, como preconceito, violência policial e criminalidade, se destacando como uma produção única. Uma série forte (sem trocadilho) que merece ser mais do que vista, ser degustada,  no ritmo que os diretores e roteiristas deram a ela, apreciando suas referências e estilo sem a menor pressa.


Ficamos agora na expectativa de “Punho de ferro”, a quarta série da parceria Netflix / Marvel e de “Defensores” onde os quatro heróis se reunirão em um grupo para realizar uma missão em comum, ambas as produções previstas para o ano que vem. Vamos esperar como será a recepção de ambas as séries e torcer que uma segunda temporada de Luke Cage seja confirmada e , quem sabe, uma dos “heróis de aluguel” juntando os inseparáveis amigos de HQ “Punho de Ferro e Luke” em  uma história onde mais do que heroísmo, os Business entram em jogo. Fico no aguardo do sinal verde da Netflix para gritar “Sweet Christmas”, enquanto isso, digo e repito, assista “Luke Cage”.




terça-feira, 25 de outubro de 2016

LOGAN (2017) A expectativa & VELHO LOGAN (2008) A HQ



Quando eu era adolescente, meu super-herói preferido era o Wolverine! O mutante canadense era tudo que um guri de quinze anos gostaria de ser, durão, pegador, rebelde e, ainda por cima, imortal. Mas os anos noventa passaram e os filmes dos X-Men chegaram ao cinema apresentando uma versão do personagem que me incomodou, pois não conseguia me trazer o que o mutante tinha nos quadrinhos, que se impunha e destacava não só pelos adjetivos listados acima, mas também por uma profundidade que foi trabalhada por anos com a ajuda de diversos roteiristas e que me mostrava o peso e o amargor que Logan carregava por ser quem ele era, o que nuca conseguiu ser alcançado com os filmes da Franquia X, em especial com as produções solo do personagem, que reduziram aquele simbolo de rebeldia e força, a um esteriótipo de ação que para ganhar destaque obrigava o roteiro a diminuir os coadjuvantes.

Mas eis que nesse mês de Outubro, a Fox lançou o trailer de "Logan", terceiro filme do Wolverine e último tendo o ator Hulg Jackman interpretando no cinema o mutante mais famoso da Marvel, e pela primeira vez em muito tempo, meu coração bateu mais forte e comecei a acreditar que dessa vez vou ver no cinema tudo aquilo que quando era Jovem me empolgava ao ler suas histórias.

O terceiro filme do Wolverine, terá o discreto título de "Logan" e se passará em 2024. Nele encontraremos um Wolverine mais velho e começando a perder seu fator de cura (mutação que o torna virtualmente imortal); ele cuida de um idoso e debilitado Charles Xavier e os mutantes estão desaparecendo (mas nada ainda foi revelado sobre isso). É quando surge uma misteriosa menina (que, de acordo com o estúdio será a X-23, uma clone de Wolverine) que traz em seu encalço um grupo militar conhecido como Os carniceiros e, a pedido de Xavier, Wolverine irá se tornar tutor da menina e defende-la desse grupo de caçadores de mutantes com todas as forças que ainda lhe restam.

O Trailer de "Logan" deixou muita gente, assim como eu, boquiaberta. O clima de solidão, tristeza e a necessidade do personagem voltar a ser quem era, dão a medida exata de tensão e angustia que um filme precisa para se tornar acima da média em seu gênero. Os elementos presentes no trailer o transformaram em um sucesso instantâneo, lhe dando status de viral, que foi compartilhado não só por sites de cultura pop, mas por jornais e até revistas especializadas em carreira (sério, eu vi na minha time line!), fomentando a expectativa pela estreia do terceiro filme do mutante canadense, que estreará no verão de 2017. No entanto, nem todos os fãs do herói são leitores de quadrinhos e sabem que a produção vindoura foi baseada em uma série de histórias lançadas pela Marvel em 2008, escrita por Mark Millar e desenhada por Steve McNiven; trata-se de "Velho Logan" que, com certeza, para quem, assim como eu, está ansioso para assistir ao mais novo filme do Carcaju, pode ser uma ótima maneira de aplacar essa ansiedade e se aprofundar na angustia do personagem em uma trama muito bem elaborada e maravilhosamente desenhada.

A história de "Velho Logan" se passa em um futuro distópico que ocorre depois que todos os vilões do universo Marvel, se uniram e atacaram todos heróis de surpresa, matando quase todos e tornando os Estados unidos um grande território dividido entre quatro dos mais fortes, Magneto (depois conquistada pelo Rei do Crime), Dr Destino, Caveira vermelha e Abominável, mais tarde conquistada pelo maligno, (imaginem só) Dr Bruce "Hulk" Banner.
É no território do Hulk, que encontramos um Logan velho, casado, pai de dois filhos e vivendo como fazendeiro; pagando proteção para a Gang do Hulk para manter sua fazenda e tocar a vida como pode. Mas problemas surgem e as dívidas começam a se acumular, colocando em risco a segurança da família do velho mutante, é nessa que um antigo amigo surge com uma oportunidade, O Gavião arqueiro, um dos poucos heróis a sobreviverem aos planos dos vilões, que agora é um contrabandista cego, pede que Logan o ajude a levar um misterioso carregamento até a costa Leste dos Estados unidos, prometendo o dinheiro suficiente para quitar a dívida com a família de Banner. Assim começa a história em um clima de Road trip, onde aos poucos a história vai nos mostrando o que de fato aconteceu com os heróis, com seus descendentes, com a sociedade, com os vilões e principalmente, o que traumatizou tanto o velho Logan a ponto de torna-lo um recluso e cabisbaixo fazendeiro no interior.



Lembro que quando terminei de ler a série, pensei que aquilo tudo tinha um potencial gigantesco para se tornar filme, mas tendo o fato de os diretos de uso dos personagens no cinema o grande empecilho, situação que foi adaptada pelos roteiristas de "Logan" no vindouro filme do Wolverine, que, seguindo algumas dicas do criador a história, Mark Millar, atrelaram a trama apenas ao universo X-men, pertencente a Fox.
A trama do filme que estreará em 2017, trás como principais antagonistas o grupo, que nas HQ's são um bando de ciborgues caçadores de mutantes, conhecidos como Carniceiros, sem, aparentemente, perder a atmosfera de repressão, frustração e angustia que vemos na HQ original. No entanto, a forma como Millar cria um mundo distópico nas HQ's, por onde um Wolverine que desistiu de ser quem era se arrasta, é de uma riqueza brilhante que faz quem começa a ler, devorar edição atrás de edição sem pensar no tempo que está gastando para tal; eu mesmo li a obra em um dia e passei o resto da semana relendo e analisando cada pequena questão sobre o que ocorreu com aquele mundo.

O mais rico de "Velho Logan" são os personagens que habitam na história e o que a situação os levou a se transformarem, com destaque para o grande vilão da trama, que é o Hulk e sua Gang. Bruce Banner se transformou em um patriarca de uma família de rednecks, que vive em um acampamento trailers, seus filhos e netos são apresentados como truculentos e deformados caipiras, que espalham o terror contra quem não seguir seus ditames. Banner, que chega a explicar que teve de "casar" com sua prima (a mulher-hulk) pois só ela "aguentava o tranco, age com selvageria cometendo atrocidades contra seus protegidos e chegando a comer seus inimigos vivos. Também somos apresentados a versão idosa de um lunático caveira vermelha, que se veste como Capitão-América, mora na casa Branca e coleciona peças de super-heróis mortos, como a armadura do Homem-de-ferro, o capacete do Nova e a mão do Coisa; também nos é apresentado o paradeiro de alguns sobreviventes que não são mais heróis, tais como Raio-Negro (ex-rei do Inumanos) e a Rainha Branca, que vivem um refúgio para pessoas especiais, como os poucos mutantes que sobreviveram.

Mas o mais bacana na história, ainda é a busca pela resposta sobre o que aconteceu com o Wolverine e isso é revelado quando sua viagem com o gavião Arqueiro está quase para acabar. Temos um diálogo que parece prever exatamente o sentimento do gavião Arqueiro do cinema, que sempre foi menosprezado e, que nessa história de 2008, abre o coração para Wolverine, ao dizer que acha que só não foi morto porque acredita que os vilões o achavam insignificante e , um Logan, deixando claro, mais tarde, que a única forma de destruir alguém que não pode ser morto é quebra-lo de dentro para fora e, quando a verdade vem a tona e descobrimos porque ele desistiu, vemos que a morte teria sido melhor para o mutante.

A história ainda termina com um arco esmagadoramente triste e empolgante pelo desejo de vingança, quando temos o bom e velho Carcaju cobrando o mal que lhe fizeram, aí quem achou que era mais do que realmente era paga caro pela prepotência e , sem querer dar spoilers, sangra verde...e muito !

"Velho Logan" é uma das melhores histórias em quadrinhos que li, depois que voltei para o mundo das HQ's e o personagem dessa trama, foi tão bem aceito, que acabou virando uma série mensal da Marvel e jogado no universo 616 (o das revistas mensais) logo após a morte do Wolverine, ocorrida em 2014, não mais escrita por Mark Millar, mas mantendo a mesma pegada, contando a história de como esse Wolverine velho, acaba vindo parar em nosso tempo, onde busca acabar com os vilões antes que estes se organizem contra os heróis.

Recomendo que, quem gostar de quadrinhos e estiver na expectativa do filme "Logan" leia o quanto antes, tanto a série "Velho Logan", quanto a revista mensal, que está bem acima da média. Enquanto isso, vamos acompanhando as notícias sobre "Wolverine 3" e torcendo para que o filme consiga ser melhor que o trailer e tão bom quanto a história apresentada por Mark Millar. Que venha 2017 de uma vez !







quinta-feira, 20 de outubro de 2016

CAÇA FANTASMAS (2016)



Estava conversando com um colega de trabalho sobre as séries novas que estrearam esse mês e em um determinado momento ele disse que odiava o mais conhecido serviço de streaming disponível no mercado (não vamos fazer propaganda de graça hoje), segui conversando, mas uma dúvida foi plantada na minha cabeça: “Por que alguém odiaria algo voltado para o entretenimento?”, pensei e pensei, mas não encontrei uma resposta adequada, a não ser que as vezes as pessoas são babacas e precisam odiar algo, seja a editora de quadrinhos que rivaliza com a da sua preferência, seja um pintor ou escritor de destaque, ou, o canal de TV aberto que disponibilizou a todos aquela série que na sua cabeça era só sua e assim por diante. O pior é que, infelizmente, esse comportamento faz parte da característica humana, ajudando algumas pessoas a se autoafirmarem, sem que elas percebam que a mesma atitude as impossibilita de se surpreender positivamente com algo que se opuseram antes de conhecer.

Uma produção que é o exemplo máximo dessa intolerância baseada apenas na vontade de ser contra algo, é o filme que ganhou o amargo título de trailer mais odiado do Youtube e que, até hoje, quando eu o menciono, ouço aquela frasezinha, “esse filme é um lixo”, mesmo que após, a mesma pessoa complemente “mas eu nunca assisti!”. Estou falando de “CAÇA FANTASMAS” de 2016, reboot da clássica comédia dos anos oitenta, escrito e dirigido por Paul Feig e estrelado por Melissa McCarthy, Kristen Wiig, Kate McKinnon, Leslie Jones e grande elenco, que estreou nos cinemas brazucas em Julho deste ano e que mantendo a minha tradição, só conseguir ver recentemente, mas que foi uma agradável surpresa, mostrando que, quem busca algo para odiar, principalmente algo que só tem a intenção de divertir (e ganhar dinheiro), tem mais a perder do que a ganhar.

Ecto-1
Caça Fantasmas”, conta a história de um grupo de cientistas que se unem para capturar fantasmas (ou melhor dizendo, manifestações ectoplásmicas), que começam a aparecer na cidade de Nova York. Tais fenômenos se intensificam logo após o livro que duas delas publicaram, onde admitiam a existência de assombrações, voltar a ser vendido, o que acaba por destruir a reputação de uma das autoras (Erin (Kristen Wiig)) na faculdade onde lecionava e a força a um reencontro com sua ex-amiga e co-autora da famigerada publicação, Abby (Melissa McCarthy), que trabalha em uma instituição menos respeitada com sua nova amiga Jilian (Kate McKinnon), as três começam a investigar os fatos na busca de reconhecimento de suas teorias e assim acabam por conhecer Patty (Leslie Jones) uma funcionária do metrô e de grande conhecimento da história da cidade, que vê um fantasma em seu local de trabalho e aos poucos começa a ficar fascinada pelos eventos e acaba se unindo ao grupo. Juntas, essas quatro mulheres descobrirão um terrível plano para quebrar a barreira que separa o nosso mundo, do mundo dos mortos e buscarão superar toda falta de confiança e crédito que recai sobre elas, para assim salvar o dia.

Meu amigo, vou te dizer, achei “Caça Fantasmas” um filme bem legal! Paul Feig é um competente roteirista e diretor e quando foi anunciado que ele era o responsável pelo reboot eu fiquei mais tranquilo, pois algo que eu não poderia engolir seria um caça Fantasmas cheio de explosões e gritaria, como fizeram com “tartarugas Ninja” e sabendo que não é o estilo dele apresentar comédias exageradas e ação forçada, se atendo no estilo parecido com o dos filmes originais, sabia que o que eu veria, embora não fosse revolucionário, não seria pretensioso ou deprimente, qualidade que ainda foi aditivado com o talento para comédia das atrizes que protagonizam a produção e das diversas homenagens que a história faz ao clássico de 1984.



O filme é uma comédia “sessão da tarde”. Não depreciando a produção, mas exaltando aquele tempo onde filmes divertidos passavam a tarde na rede plim-plim e nos prendiam na frente da TV durante um bom tempo, ou seja, é um filme para a família sentar na frente da televisão, com um balde de pipocas e dar boas risadas juntos, sem a intenção de se tornar um clássico ou fazer alguém refletir sobre um assunto sério. Desse modo, as atuações não são e nem precisam ser brilhantes, o que por outro lado não impede de serem engraçadas e caprichadas, começando por Kate McKinnon, que interpreta a engenheira mecânica Jillian, roubando a cena com sua estranha personalidade e aparente indiferença, tudo isso somado a um sorriso meio insano que a acompanha em todos os momentos; outro destaque é o retorno de Kristen Wiig as comédias mais frouxas, relembrando muito seu tempo de Saturday Night Live, assim como Melissa McCarthy e Leslie Jones, que embora não fujam de seus papéis habituais, não decepcionam ou desaparecem frente ao destaque das outras duas. Mas, para mim o maior destaque, além da química que as atrizes têm entre si, é a participação de Chris Hemsworth ( O Thor da Marvel) como o telefonista Kevin, o cara está muito engraçado e bem diferente dos papéis habituais que está acostumado a fazer, sendo a cena onde as protagonistas saem dançando e comemorando, após capturarem seu primeiro fantasma e, Hemsworth entra dançando com Leslie Jones, uma das que me fez rir mais.



Harold Ramis (O Egon de 1984)
O filme também traz diversas referências e homenagens ao original dirigido por Ivan Reitman. A Mais marcante é a presença de um busto do falecido ator Harold Ramis, que, com Dan Aykroyd, foi o roteirista do filme de 1984 e ainda interpretou o personagem Egon e, o mais bacana é que essas homenagens povoam a história do início ao fim, contando com a participação de quase todo elenco do filme original, assim temos Bill Murray como um cético caçador de fraudes sobrenaturais, que paga caro por sua arrogância, Dan Aykroyd, como um taxista que parece saber bem mais sobre fantasmas do que o normal, Ernie Hudson como o tio da personagem da Leslie Jones, Anie Potts, como a recepcionista de um hotel e Sigoumey Weaver como a mentora da personagem de Kate McKinnon, além de menções ao fantasma Geléia e ao monstro de Marshmallow, só faltou o Rick Moranis.

Junto com as homenagens e menções, temos as releituras de algumas cenas e explicações sobre algumas questões que não eram abordadas nos outros filmes, que ficaram bem bacanas. A principal questão da trama, penso eu, é como as personagens se transformam em uma prestadora de serviço, pois no filme original, parece que o plano dos protagonistas é abrir uma empresa desde o princípio, já no novo filme, tudo ocorre de maneira acidental e a ideia surge como interesse científico, que acaba, ao final, se tornando uma fonte de renda quando passa a ser um prestador de serviço para a prefeitura da cidade. O fato de os raios de prótons não poderem se cruzar fica mais claro nessa versão, se explicando que a soma de energia com o cruzamento pode deixar o equipamento instável (ou algo assim). Além disso, temos uma releitura da cena onde as três cientistas filmam o primeiro fantasma, que no filme de 1984 está empilhando livros em uma biblioteca e nesse é o fantasma de uma assassina que morreu encarcerada pelo pai em sua própria casa, as cenas são muito semelhantes, com o fantasma lívido observando os personagens, quando de repente se torna assustador, atirando gosma para todos os lados; Também temos um embate final parecido, com as Caça Fantasmas se defrontando com um monstro gigantesco, onde o buscar mandá-lo de volta através da barreira, me parece mais coerente do que tentar explodi-lo, até porque se ele não está vivo, do que adiantaria?

Por tudo isso, achei “Caça Fantasmas”, de Paul Feig, um divertido filme, que apesar de utilizar o original como base, se sustenta sozinho e não pretende nunca ofuscar ou superar o primeiro, mas que nem por isso, parece ser inferior. Um filme para se divertir, mas que consegue ter aquela dose certa de acidez e ironia, para debochar até mesmo dos haters do youtube que elegeram seu trailer como o mais odiado de todos os tempos e que para o amargor dessa gente, ainda termina com uma cena pós créditos onde a personagem da Leslie Jones, após ouvir uma fita com um áudio gravado em um suposto prédio assombrado questiona “Quem é zuul?” (Eu sei!) indicando uma possível sequência.


Caça Fantasmas é o exemplo de que até mesmo algo que é totalmente diferente do que nós queremos, pode ser muito divertido e surpreendente. Não há a necessidade de procurar defeitos ou levantar bandeiras de ódio contra coisas que não representam a gente, basta não assistir, ou assistir e mudar de ideia. As pessoas estão se tornando extremistas demais, defendendo com unhas e dentes apenas o que lhes agrada por retratar traços de suas personalidades ou a representação de seus aspectos físicos e isso não é certo, pois há e sempre haverá espaço para todos, principalmente nas artes e se você não consegue enxergar isso, talvez seja a hora de cruzar os raios de prótons e banir esse monstro gigante que existe dentro de você para outra dimensão, antes que ele cause danos a você mesmo. Então, relaxe, faça um balde de pipoca, assista Caça Fantasmas e dê uma chance ao novo e a você mesmo.