segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NEM TUDO É O QUE PARECE (2004)

Resolvi dar uma freada nos filmes, séries e livros de Ficção científica e fugir para o outro extremo, me atirando nas produções sobre o submundo e criminalidade. Não! Eu não dei as costas para as distopias e viagens espaciais para fazer maratona de “Cidade dos homens” ou ver de novo “Cidade de Deus”, fui atrás de algo mais real, mas não tão real assim e acabei encontrando um filme de 2004, muito pouco comentado, mas com um elenco de respeito, um diretor que eu gosto muito e uma história fantástica. Estou falando de “Nem tudo é o que parece”, dirigido por Matthew Vaughn e estrelado por Daniel Craig, que me entregou uma trama tensa que me deixou preso no sofá até que o último ponto nos créditos finais fosse apagado da tela.

O filme conta a história do senhor X (Daniel Graig) um traficante Londrino, que seguindo seu plano de negócios, resolve se aposentar antes que seja tarde e fique muito envolvido com o submundo. Às vésperas de largar a criminalidade, ele recebe uma missão de seu principal fornecedor: encontrar a filha desaparecida  de um grande amigo; ao mesmo tempo que seus associado lhe convocam para avaliar e procurar compradores para poderosas pílulas de esctasy vindas do leste Europeu trazidas por um conhecido nada confiável. O que o senhor X não sabe é que está entrando em uma trama de traição, ganância e violência muito além dos aceitos dentro de sua ideia de negócios, que pode ser uma viagem sem volta dentro do buraco negro mafioso do submundo de Londres.

O Nome do filme em Inglês é “Layer Cake” (Bolo em camadas), traduzir esse título ao pé da letra para o português ficaria estranho, mas dentro do próprio filme esse título é explicado e acaba por fazer sentido, já a opção de colocar o nome da produção de “Nem tudo é o que parece”, não ajudou em nada como chamariz, acabando por dar pouca credibilidade a história por parecer que se trata de uma comédia para “toda família” protagonizada pelo Leandro Hassum e isso foi o pior desserviço que uma tradução poderia fazer com um filme, pois apesar de (sem trocadilho com o bolo) seguir uma receita conhecida e, por muitas vezes, deixar o expectador tonto devido ao número de personagens e as conexões que eles tem entre si, “Nem tudo é o que parece” é um filme bem inteligente e divertido que não merece ser esquecido.



Falei que o filme segue uma receita, porque ele vem na onda dos primeiros sucessos do diretor Guy Ritchie, “Snatch-porcos e diamantes” e “Jogos trapaças e dois canos fumegantes”, abordando o universo do submundo de Londres, utilizando diversos personagens, com mortes bizarras, tramas que se dividem em dezenas de pequenas sub-tramas e um final surpreendente, sendo a direção tendo ficado, não por acaso, nas mãos de Matthew Vaughn, que já havia produzido “Snatch” em 2000 e emula a direção de Rirchie nesse filme, mas já mostrando muito do diretor que viria a se tornar mais a diante, com suas sequências rápidas, as trocas de cenário para explicar as consequências dos fatos, as cores fortes e a iluminação bem clara sempre presente.

A história tem pelo menos vinte personagens com relevância. Isso pode acabar deixando quem assiste bastante confuso, pois no filme, que possui apenas uma hora e meia, muitos desses personagens são, muitas vezes, apenas citados pelos que estão em cena e, se lembrar dos nomes e apelidos de quatro ou cinco pessoas que conhecemos em um dia não é fácil, imagina o de duas dezenas de personagens de um filme curto? Mas isso acaba por dar mais tensão ao filme, pois somos obrigados a assisti-lo com toda atenção do mundo, ou acabamos por perder o fio que conduz a trama, já que ali nem tudo é o que parece (Pá-bum- Tss).

O roteiro do filme é muito bem escrito por J.J Connolly, sendo baseado em uma novela do próprio roteirista e a história prende porque, penso eu,  os filmes sobre o submundo são fascinantes para a grande maioria das pessoas. Talvez por apresentar um universo secreto, um lugar marginal ao cotidiano e a rotina, que nos faz lembrar que somos animais, refreados muitas vezes, apenas pelas correntes da opinião da sociedade que nos cerca, ou talvez, simplesmente, por exaltar a força e a liberdade que possui quem não segue todas as regras. Seja pelo motivo que for histórias sobre o mundo do crime são quase certeza de sucesso, principalmente se a mesma possuir uma trama complexa, que além de bandido, mostrar o protagonista como um homem de negócios e classe, se aprofundar em suas relações profissionais e nos entregar cenas pontuais de violência e diálogos inteligentes e, justamente isso, é o que a trama apresentada por Connolly nos mostra durante o tempo de tela.

Além do roteiro e direção competente, o filme ainda traz personagens fortes, como Gene, interpretado por Colm Meaney, o segundo no comando da quadrilha para quem o senhor x trabalha e que se impõe como cara durão mesmo não tendo o perfil físico  para isso; do mesmo modo temos o responsável pela segurança do protagonista, Morty (George Harris), sempre sério e impassível e que explode em uma cena que faz quem está assistindo perguntar o que está acontecendo. Também é legal ver alguns atores que hoje são estrelas, começando suas carreiras, como o mirrado Daniel Craig, que estava longe de ser o James Bond dos últimos filmes da franquia 007, ou um Jovem Tom Hardy, grande nome depois de Mad Max, que ali se apresenta como um inexpressivo coadjuvante aliado do senhor X que pouco influencia a trama.


Seja pelo motivo que for, “Nem tudo é o que parece” é um filme muito bacana e merece ser assistido, principalmente para quem, assim como eu, gosta daquele estilo característico inglês fundado por Guy Ritchie. Para se ter uma ideia o filme, mesmo parecendo imitar o estilo do ex-marido da Madona, me parece ter influenciado o mesmo no último filme do diretor  nesse estilo, “Rock n Rolla”, de 2008 e isso por si só mostra a qualidade da produção. Mas o grande trunfo de “Nem tudo é o que parece” é se sustentar sozinho, mesmo fazendo referência a outras produções e nos dias de hoje, onde tudo parece uma repetição de uma repetição de roteiros, um filme que tenta lembrar outros e mesmo assim consegue surpreender é uma joia rara, então não perca tempo, assista, “Nem tudo é o que parece” e preste bem a atenção na trama, pois embora a história se apresente em diversos níveis, como um bolo em camadas, nem tudo é o que parece e o final  vai te deixar com um amargo na boca por um bom tempo.



segunda-feira, 21 de novembro de 2016

GALVESTON - O livro de Nic Pizzolatto


Conheci o trabalho e Nic Pizzolatto com a primeira temporada da série "True Detective" e assim como quase todo mundo fiquei impressionado. A produção da HBO trazia, além de um grande elenco, um roteiro interessante e com personagens de extrema profundidade e carisma, o que me fez procurar mais sobre o trabalho do criador daquele universo, que conseguiu misturar com sucesso o clima Noir com o dos weird tales.

No entanto, não encontrei nenhum trabalho de Pizzolatto publicado no Brasil logo após o termino da temporada estrelada por Mattwel McConaughey e Woody Harrelson então segui na expectativa pela temporada seguinte, que contaria uma história diferente e com novos personagens e me satisfiz lendo o livro que inspirou o roteirista a flertar com o místico e o estranho junto a suas histórias de detetive, o clássico "O rei de Amarelo" de de Robert W. Chambers .

Então Junho de 2015 chegou e a segunda temporada de "True Detective" estreou. No entanto, a nova temporada, embora também tivesse um grande elenco, não possuía o mesmo carisma e fracassou em tentar repetir o sucesso da primeira, mas sua estreia serviu como publicidade para que a editora intrínseca lançasse em nosso país um livro de Pizzolatto, que nos entregaria um pouco mais sobre aquele mundo corrupto e cínico, em que transitam em ruas escuras detetives e gângster e, onde a linha que separa o bem do mal é mais fina do que um fio de cabelo, foi assim que chegou em minhas mãos " Galveston".

"Galveston" conta a história de Roy Cady, um assassino da máfia de Nova Orleans, que, após descobrir que está com câncer e depois que seu chefe se torna amante de sua namorada, é vítima de uma armadilha armada por seus próprios companheiros, de onde escapa muito mais devido a seu sangue frio do que pela sua sorte. Na fuga , ele conhece Rocky, uma jovem prostituta e com ela resolve fugir para a cidade de Galveston, um lugar de boas lembranças do passado, onde ele pretende passar seus últimos dias aproveitando o mar e sendo tudo o que não foi, ignorando que o passado ainda o espreita e o seguirá aonde for.

O livro começou me empolgando. Em seus primeiros capítulos ele lembra um pouco a tensão e clima presentes na obra de James Ellroy, "Los Ageles - cidade proibida", onde os homens são violentos e frios e, as mulheres sexys e manipuladoras, a narrativa é rápida e expressa em frases e parágrafos curtos, nos arremessando para dentro da história sem explicação prévia, nos fazendo agarrar à visão do protagonista para aos poucos vislumbrarmos o que está acontecendo naquele mundo que estamos adentrando de maneira tão brusca e isso é bem bacana. Somado a esse clima, temos ainda a descrição de cenas cruas de ação e violência, que te fazem franzir as sobrancelhas e trincar os dentes, principalmente quando o autor detalha as torturas praticadas pelo submundo.



Mas apesar desse início empolgante, o livro se perde em si. Tal qual a segunda temporada da série roteirizada por Pizzolatto, da segunda parte do livro até o final , a história parece entrar em um looping que não leva a nada a não ser destruir todo o clima criado por suas primeiras páginas. O próprio protagonista, que no início é mostrado como um cara durão, que beira ao niilismo, aos poucos vai amolecendo, chegando a constranger o leitor com um capítulo de auto-piedade onde vai procurar uma ex-namorada para tentar relembrar seus bons momentos, mas conseguindo apenas páginas e mais páginas de desprezo e conversa mole que não representam nada para a trama. Por falar em trama, a partir da segunda metade do livro é que percebemos que o autor não possuía uma trama para nos apresentar, apenas uma ideia e a caracterização de alguns personagens bem parecidos com os que ele apresentou na TV, são páginas e mais páginas ambientadas em hotéis na beira de estradas, com seus hospedes solitários e marginais, que pouco, ou nada contribuem no crescimento do protagonista ou da história e que se, pelo menos, fossem alvos de uma chacina , faria sentido com a ideia inicial que parecia surgir nas primeiras páginas, de um thriller de ação e perseguição maquiado de roadtrip, mas que ao invés disso, ao final, lembra mais o roteiro de uma novela da Glória Perez só que (por incrível que pareça) mais açucarado.

"Galveston" foi uma decepção! Um livro que tenta flertar com o submundo, mas tropeça em seus personagens fracos e trama rasa, não consegue manter um ritmo ou apresentar motivos para que nos importemos com os problemas de seus personagens, chegando a nos fazer questionar por que o câncer do protagonista é tão lento. Traz todos os defeitos de roteiro que fizeram a série escrita por Nic Pizzolato ser cancelada da grade da HBO, após a decepção da segunda temporada, sem trazer as qualidades presentes no sucesso da primeira e levam o leitor do nada a lugar nenhum em chatas 235 páginas, surpreendendo quem descobre, assim como eu, que os direitos do livro já foram comprados e que o mesmo deve virar filme muito em breve, para azar da sétima arte, que parece estar com um câncer em sua criatividade e sorte de Pizzolatto que deve lucrar alguns milhõezinhos por mais um roteiro ruim e essa história sim é digna de um Weird Tale.



domingo, 13 de novembro de 2016

BONE TOMAHAWK (2015) quando o terror e o Western dão as mãos

2016 está quase no final e, embora tenha trazido alguns filmes legais, trouxe tantas decepções com os títulos que vinham a anos sendo aguardados, que o jeito de equilibrar essa frustração é recorrer ao underground e ir voltando no tempo para achar algo que valha a pena ser assistido. Foi assim, retrocedendo até 2015 e procurando filmes pouco divulgados, que encontrei algo que colocou minha cabeça entre o "porque não?" e "Que porra é essa?!", uma trama que fica oscilando entre o cinema minimalista e o visceral, com um grande elenco, mas sem grande produção, escrito e dirigido por um cara totalmente desconhecido, mas não por isso pouco talentoso; estou falando de "Bone Tomahawk", em Western de terror (se é que este estilo existe) roteirizado e dirigido por S. Craig Zahler e estrelado por Kurt Russel, Patrick Wilson, Matthew Fox e Richard Jenkins (fora os reféns), que me surpreendeu em uma dessas noites sem sono.

Em "Bone Tomahawk" somos apresentados a pequena cidade de Brigth Hope, no bom e velho Oeste Americano, um lugar cuja economia gira em torno da criação de gado de corte e onde algumas vezes no ano os peões levam o rebanho até os grandes matadouros no outro canto do estado, deixando a cidade praticamente vazia. É em um desses períodos, que surge na cidade um desconhecido (David Arquette) que as autoridades da cidade acreditam se tratar de um fugitivo após encontrarem roupas sujas de sangue próximas a cidade pouco depois deste chegar. Após uma discussão em um saloon, o misterioso forasteiro acaba baleado e preso pelo xerife (Kurt Russel) e como o médico da cidade não estava presente, para tratar do detento baleado, o xerife chama a enfermeira Samantha, que deixa seu marido Arthur (Patrick Wilson) na cama, com sua perna quebrada e vai cuidar do prisioneiro.
No entanto, o que ninguém poderia imaginar é que o forasteiro vem fugindo a dias de uma misteriosa e selvagem tribo de Canibais, que deseja seu sangue por ter maculado um terreno sagrado e, entrando na cidade sorrateiramente, esses canibais sequestram o forasteiro levando junto o jovem auxiliar do xerife e a enfermeira Samantha, não restando nada as poucas autoridades restantes na cidade (compostas pelo Xerife Hunt e seu idoso e lento auxiliar Chicory (jenkins)) partir em resgate dos desaparecidos, contando com a ajuda do Dandi e arrogante John Brooder (Fox) e do debilitado marido da enfermeira, em uma viagem que testará mais do que a fé do grupo na humanidade e a confiança em si próprios, mas a própria sanidade de cada um.



Esse filme é atípico, pelo menos pra mim, que procuro títulos que foquem mais na diversão ou em tramas que tentam se equilibrar em um roteiro que busque conversar com o expectador sem necessariamente choca-lo desde o primeiro momento. "Bone Tomahawk", pelo contrário, é um tapa na cara desde o primeiro minuto de cena, quando vemos um homem tendo sua garganta cortada por ladrões com uma faca cega, isso mostra, mesmo antes do nome do filme ser anunciado em uma tela preta e sonorizada só com o som de estouro, a que o filme veio e deixa claro aos de estômago fraco, assistam outra coisa.

Chicory & Brooder
Mas apesar de ser um filme surpreendente, ele se mostra atípico até mesmo em seus adjetivos, pois possui extremos de tensão e ação que te deixam hipnotizados e momentos de total marasmo, que te fazem ter vontade de acelerar os acontecimentos ou reeditar a película cortando, pelo menos, quarenta minutos do filme.

No que tange a parte positiva, se pode falar sobre o início instigante que já mencionamos, com os ladrões executando alguns pobres viajantes azarados e os personagens sendo apresentados em todos os seus esteriótipos e , com certeza, o fechamento do filme, onde o resgate se dá (não com o sucesso esperado) onde o filme dá uma guinada de terror e crueza na ação e que assistir, sem fazer uma carteirinha que seja, não é tarefa muito fácil; destaque para como o personagem do Patrick Wilson descobre como chamar os Canibais e como ele realiza essa tarefa e o destino do pobre coitado do mais jovem assistente do Xerife.

O ponto ruim é que o filme, por se tratar de uma viagem de resgate, contem muitas cenas que parecem desnecessárias e diálogos que não casam com a situação de um grupo que parte em um resgate, tornando quase todo o segundo arco da trama, onde eles estão no rastro dos selvagens, uma quebra com o ritmo que era prometido no inicio e aditivado quando acontecem os sequestros. É cavalo que é roubado, é perna que infecciona, é confissão de matador de índio, é Xerife que quer se aposentar; são muitos pequenos plots que rodeiam todo o universo de Westerm que o autor praticamente lista sem aprofundar nenhum de verdade e os colocando ali mais como enxerto da trama, do que para falar mais sobre o passado dos personagens.

Hunt & Arthur
Falando sobre os personagens, o roteiro usa e abusa de esteriótipos e arquétipos dos filmes de westerm para nos entregar quatro personagem marcantes. Primeiro temos Kurt Russel, no papel do Xerife Hunt, um velho homem da lei, habituado com ladrões de cavalos e pistoleiros, é o tipo que atira primeiro e pergunta depois, está próximo da aposentadoria e pretende viver o resto de sua vida tranquilamente com sua esposa, a participação de Russel nesse filme é tão bacana, que lhe rendeu um papel no último filme de Quentin Tarantino, " os Oito Odiados" lançado também em 2015. Nas pegadas do xerife, segue seu velho assistente chamado Chicory, que é vivido por Richard Jenkins, ele é um velho viúvo, ingenuo e de inteligência limitada, que parece estar mais sob a proteção do personagem de Russel, do que sendo útil a justiça, servido como alívio cômico e responsável pelas perguntas mais constrangedoras aos demais personagens; Temos também o arrogante e cínico John Brooder, um rico e Dândi fazendeiro veterano da conquista do Oeste, que nutre um ódio secreto por índios por um fato ocorrido em seu passado, de personalidade difícil e pessimista, o personagem do antigo protagonista de "Lost", Mathew Fox, é o responsável por mostrar com clareza como o mundo real pode ser mau e hostil aos desinformados membros da comitiva de resgate; Para fechar o quarteto, temos Patrick O'Dwyer, o vaqueiro marido da enfermeira sequestrada, só não foi viajar semanas antes para levar o gado, por ter quebrado a perna quando consertava o telhado e mesmo debilitado parte com a comitiva para salvar sua mulher e é responsável por nos transmitir toda dificuldade, sofrimento e sacrifício para realizar sua missão.

Mas mesmo explorando bem os protagonistas, o filme parece ficar devendo um pouco sobre o universo que eles fazem parte. Pouco é falado ou presentado sobre a cidade de Brigth Hope ou sobre as famílias dos protagonistas e a falta que os mesmos podem causar naquela sociedade. O pouco que temos são personagens periféricos que dão uma ideia sobre a sociedade de origem dos protagonistas e algumas lembranças, que são contadas na volta da fogueira mas não mostradas, assim como a própria cidade, que só é mostrada como uma pequena rua empoeirada e casas de madeira perfiladas.


Apesar da Oscilação de ritmo e extremos nas qualidades do filme, "Bone TomaHawk" é um filme surpreendente e muito corajoso. Repleto de tensão e crueza, é uma história para quem tem estomago forte e paciência apurada, mas acima de tudo uma boa opção em um ano com tantas decepções no cinema. Com um elenco de respeito e um roteiro visceral e sanguinolento, o filme comprova que muitas vezes o underground e o mais antigo, valem muito mais a pena do que o fruto da publicidade e do Marketing, então já sabem, em caso de insônia, dia de chuva ou falta de opção e estiver sentindo o estômago forte, assista "Bone Tomahowalk" e assista esse filme que vai te surpreender, mesmo te deixando entre o "porque não?!" e o "Que porra é essa?"




quinta-feira, 10 de novembro de 2016

LUKE CAGE ( 2016) A série



Desde que lançou “Homem de Ferro” em 2008, a Marvel vem se tornando cada vez mais presente na vida de quem é fã de cinema. O universo da editora no áudio visual é um sucesso com seus filmes repletos de cores e piadas, mas faltava algo que o conectasse a realidade, algo que aprofundasse seus personagens a um contexto social e explorasse mais seus medos e motivações.
Então em 2015, em parceria com a Netflix, estreava “Demolidor” e essa carência de conexão com o mundo real começava a desaparecer com uma trama que apresentava as ruelas e becos escuros da periferia por onde transitava o submundo daquele universo, fato que foi aditivado quando meses depois “Jessica Jones” chegou, trazendo uma história de abuso e trauma pessoal que colocava em segundo plano o fato da protagonista possuir super-poderes e expunha suas fraquezas, vícios e erros. Mas a editora de Stan Lee ainda devia uma produção que abordasse um contexto social mais complexo, uma produção que falasse da realidade e história não apenas de um personagem, mas de um grupo de pessoas, o reflexo de uma sociedade que vive entre a marginalidade e a realização do sonho americano; então esse ano a Netflix nos brindou com a terceira série em parceria com a Marvel, prendendo essa última ponta solta que faltava e preenchendo essa lacuna ao nos entregar “Luke Cage”. 


O grande trunfo dessa produção, é que mais do que uma série de super-heróis baseada em quadrinhos, ela  traz um flerte muito maior com a sociedade verdadeira e a realidade enfrentada pelos negros americanos. A própria locação das filmagens (o Harlem), que é um gueto histórico e famoso símbolo de orgulho para a comunidade que lá vive, é apresentada quase como um personagem e tem papel essencial na tramar, emanando de si o terror e o poder desejado por tantos e o acolhimento e refugio sonhado por outros. Nesse microcosmo, alguns elementos são afirmados como sendo não apenas tradicionais entre as pessoas que ali vivem, mas também como as poucas esperanças de sucesso e mudança de vida, como, por exemplo, o basquete e a música, essa última, em especial, importantíssima e presente fortemente do início ao fim da série.
O momento vivido pela comunidade negra americana, também se faz presente na série, ao se introduzir na trama questões sobre excessos e violência policial que se assemelham aos ocorridos durante os últimos anos naquele país, isso atesta Luke Cage, como a serie mais pesada que a Marvel já produziu, fato que a qualifica e diferencia dramaticamente de quase tudo feito pela editora no audiovisual, mas a diminui frente a muitos fãs de Quadrinhos, que embora apreciem muito quando o imaginativo e fantástico das HQ’s se aproxima da realidade, ainda parecem ficar receosos quando o tema aborda drama social.

No entanto, a questão social é elemento intrinsecamente ligado ao personagem, empobrecendo-o, caso fosse ignorada. Até seus poderes parecem se conectar a toda essa questão, ou seja, um negro, que se impõem com força sobre humana aos problemas e dúvidas em seu caminho e é a prova de balas ou facas, mas prefere buscar o apoio e atuar como um exemplo no bairro onde mora é uma mensagem poderosa, que não sei se passava na cabeça de John Romita,sr. , Archie Goodwin e George Tsukas, quando esses criaram o personagem nos anos setenta, altamente inspirada pelos movimentos sociais e pelos filmes de blaxploitation. 
Falando em blaxploitation, esse estilo cinematográfico é o elemento que dá o tom da trama da série, onde, como em todo filme negro dos anos setenta, temos o protagonista badass, as mulheres fortes, os problemas sociais se agravando, os aproveitadores de dentro da própria sociedade, o traficante, o político corrupto e o tira branco traidor, sem falar na sensualidade, que obrigatoriamente passeia em meio à história.

Mas embora Luke Cage seja uma série repleta de qualidades, ela chamou minha atenção de forma negativa pela “barriga” que apresenta em seu roteiro, que poderia ser muito mais enxuto e, pelas escolhas repetidas que a Netflix vem tomando ao desenvolver a história dos  personagens Marvel. Quanto a essa sobra no roteiro, podemos culpar o fato de o personagem ser o super-herói mais poderoso apresentado pelo estúdio no universo da TV ( o cara tem Super-força, invulnerabilidade e fator de cura) e não possuir um opositor no mesmo nível em sua galeria de vilões, o que força o roteiro a encontrar uma maior quantidade de problemas para serem solucionados, ao invés de nos entregar um problema de qualidade, como no caso dos vilões de Jessica Jones e Demolidor, KillGrave e Rei do Crime respectivamente, ambos tão fortemente reconhecidos a aplaudidos por quem assistiu essas outras séries; assim temos o que parece ser duas temporadas de Luke Cage, comprimidas em uma, em que vemos a troca de bastão dos vilões passar em três mãos diferentes durante treze capítulos, sem no entanto parecer uma ameaça que preocupe profundamente o protagonista por mais do que um terço da trama e para apresentar, desenvolver e resolver isso, não seriam necessários mais do que dez episódios.
A Netflix  parece  ter se tornado preguiçosa ou acomodada ao desenvolver a maneira de como a história é contada e os elementos que devem estar presentes na trama. Notei com Luke Cage que as três séries Marvel possuem uma luta em um corredor, um episódio para mostrar a origem do Herói e nos aprofundar em seus motivos e outro para apresentar a origem do vilão, sendo que nas três séries, todos os vilões tem a desculpa de que são vítimas do meio onde foram criados (TODOS!!) nenhum antagonista principal é mau porque simplesmente é, todos tem uma desculpa e isso depois de um tempo começa a incomodar, principalmente em Luke Cage, onde existem três vilões principais, todos assombrados com traumas do passado, embora em níveis diferentes.

Mas fora os pequenos problemas apresentados que ainda são somados a uma trama que se desenrola muito lentamente devido, penso, à densidade social que permeia a história e um protagonista que não tem o mesmo impacto inicial de um Demolidor, Luke Cage é muito bacana e, embora não tenha me empolgado para que eu fizesse uma maratona, me prendeu durante dias na cadeira, me fazendo voltar um pouco atrás para pegar pequenos detalhes, homenagens e referências, degustando cada momento e imaginando onde uma possível segunda temporada pode levar o personagem, principalmente após o que as cenas finais mostram.

Luke Cage fecha um ciclo nas produções Marvel, conectando uma das últimas pontas soltas não abordadas pela editora anteriormente no audio-visual, a questão social. Com uma trama que fala sobre origem, orgulho, recomeço e destino, Luke Cage sai do mais do mesmo das séries de Super-heróis da TV e cinema com uma história que aborda problemas reais, como preconceito, violência policial e criminalidade, se destacando como uma produção única. Uma série forte (sem trocadilho) que merece ser mais do que vista, ser degustada,  no ritmo que os diretores e roteiristas deram a ela, apreciando suas referências e estilo sem a menor pressa.


Ficamos agora na expectativa de “Punho de ferro”, a quarta série da parceria Netflix / Marvel e de “Defensores” onde os quatro heróis se reunirão em um grupo para realizar uma missão em comum, ambas as produções previstas para o ano que vem. Vamos esperar como será a recepção de ambas as séries e torcer que uma segunda temporada de Luke Cage seja confirmada e , quem sabe, uma dos “heróis de aluguel” juntando os inseparáveis amigos de HQ “Punho de Ferro e Luke” em  uma história onde mais do que heroísmo, os Business entram em jogo. Fico no aguardo do sinal verde da Netflix para gritar “Sweet Christmas”, enquanto isso, digo e repito, assista “Luke Cage”.