quinta-feira, 10 de novembro de 2016

LUKE CAGE ( 2016) A série



Desde que lançou “Homem de Ferro” em 2008, a Marvel vem se tornando cada vez mais presente na vida de quem é fã de cinema. O universo da editora no áudio visual é um sucesso com seus filmes repletos de cores e piadas, mas faltava algo que o conectasse a realidade, algo que aprofundasse seus personagens a um contexto social e explorasse mais seus medos e motivações.
Então em 2015, em parceria com a Netflix, estreava “Demolidor” e essa carência de conexão com o mundo real começava a desaparecer com uma trama que apresentava as ruelas e becos escuros da periferia por onde transitava o submundo daquele universo, fato que foi aditivado quando meses depois “Jessica Jones” chegou, trazendo uma história de abuso e trauma pessoal que colocava em segundo plano o fato da protagonista possuir super-poderes e expunha suas fraquezas, vícios e erros. Mas a editora de Stan Lee ainda devia uma produção que abordasse um contexto social mais complexo, uma produção que falasse da realidade e história não apenas de um personagem, mas de um grupo de pessoas, o reflexo de uma sociedade que vive entre a marginalidade e a realização do sonho americano; então esse ano a Netflix nos brindou com a terceira série em parceria com a Marvel, prendendo essa última ponta solta que faltava e preenchendo essa lacuna ao nos entregar “Luke Cage”. 


O grande trunfo dessa produção, é que mais do que uma série de super-heróis baseada em quadrinhos, ela  traz um flerte muito maior com a sociedade verdadeira e a realidade enfrentada pelos negros americanos. A própria locação das filmagens (o Harlem), que é um gueto histórico e famoso símbolo de orgulho para a comunidade que lá vive, é apresentada quase como um personagem e tem papel essencial na tramar, emanando de si o terror e o poder desejado por tantos e o acolhimento e refugio sonhado por outros. Nesse microcosmo, alguns elementos são afirmados como sendo não apenas tradicionais entre as pessoas que ali vivem, mas também como as poucas esperanças de sucesso e mudança de vida, como, por exemplo, o basquete e a música, essa última, em especial, importantíssima e presente fortemente do início ao fim da série.
O momento vivido pela comunidade negra americana, também se faz presente na série, ao se introduzir na trama questões sobre excessos e violência policial que se assemelham aos ocorridos durante os últimos anos naquele país, isso atesta Luke Cage, como a serie mais pesada que a Marvel já produziu, fato que a qualifica e diferencia dramaticamente de quase tudo feito pela editora no audiovisual, mas a diminui frente a muitos fãs de Quadrinhos, que embora apreciem muito quando o imaginativo e fantástico das HQ’s se aproxima da realidade, ainda parecem ficar receosos quando o tema aborda drama social.

No entanto, a questão social é elemento intrinsecamente ligado ao personagem, empobrecendo-o, caso fosse ignorada. Até seus poderes parecem se conectar a toda essa questão, ou seja, um negro, que se impõem com força sobre humana aos problemas e dúvidas em seu caminho e é a prova de balas ou facas, mas prefere buscar o apoio e atuar como um exemplo no bairro onde mora é uma mensagem poderosa, que não sei se passava na cabeça de John Romita,sr. , Archie Goodwin e George Tsukas, quando esses criaram o personagem nos anos setenta, altamente inspirada pelos movimentos sociais e pelos filmes de blaxploitation. 
Falando em blaxploitation, esse estilo cinematográfico é o elemento que dá o tom da trama da série, onde, como em todo filme negro dos anos setenta, temos o protagonista badass, as mulheres fortes, os problemas sociais se agravando, os aproveitadores de dentro da própria sociedade, o traficante, o político corrupto e o tira branco traidor, sem falar na sensualidade, que obrigatoriamente passeia em meio à história.

Mas embora Luke Cage seja uma série repleta de qualidades, ela chamou minha atenção de forma negativa pela “barriga” que apresenta em seu roteiro, que poderia ser muito mais enxuto e, pelas escolhas repetidas que a Netflix vem tomando ao desenvolver a história dos  personagens Marvel. Quanto a essa sobra no roteiro, podemos culpar o fato de o personagem ser o super-herói mais poderoso apresentado pelo estúdio no universo da TV ( o cara tem Super-força, invulnerabilidade e fator de cura) e não possuir um opositor no mesmo nível em sua galeria de vilões, o que força o roteiro a encontrar uma maior quantidade de problemas para serem solucionados, ao invés de nos entregar um problema de qualidade, como no caso dos vilões de Jessica Jones e Demolidor, KillGrave e Rei do Crime respectivamente, ambos tão fortemente reconhecidos a aplaudidos por quem assistiu essas outras séries; assim temos o que parece ser duas temporadas de Luke Cage, comprimidas em uma, em que vemos a troca de bastão dos vilões passar em três mãos diferentes durante treze capítulos, sem no entanto parecer uma ameaça que preocupe profundamente o protagonista por mais do que um terço da trama e para apresentar, desenvolver e resolver isso, não seriam necessários mais do que dez episódios.
A Netflix  parece  ter se tornado preguiçosa ou acomodada ao desenvolver a maneira de como a história é contada e os elementos que devem estar presentes na trama. Notei com Luke Cage que as três séries Marvel possuem uma luta em um corredor, um episódio para mostrar a origem do Herói e nos aprofundar em seus motivos e outro para apresentar a origem do vilão, sendo que nas três séries, todos os vilões tem a desculpa de que são vítimas do meio onde foram criados (TODOS!!) nenhum antagonista principal é mau porque simplesmente é, todos tem uma desculpa e isso depois de um tempo começa a incomodar, principalmente em Luke Cage, onde existem três vilões principais, todos assombrados com traumas do passado, embora em níveis diferentes.

Mas fora os pequenos problemas apresentados que ainda são somados a uma trama que se desenrola muito lentamente devido, penso, à densidade social que permeia a história e um protagonista que não tem o mesmo impacto inicial de um Demolidor, Luke Cage é muito bacana e, embora não tenha me empolgado para que eu fizesse uma maratona, me prendeu durante dias na cadeira, me fazendo voltar um pouco atrás para pegar pequenos detalhes, homenagens e referências, degustando cada momento e imaginando onde uma possível segunda temporada pode levar o personagem, principalmente após o que as cenas finais mostram.

Luke Cage fecha um ciclo nas produções Marvel, conectando uma das últimas pontas soltas não abordadas pela editora anteriormente no audio-visual, a questão social. Com uma trama que fala sobre origem, orgulho, recomeço e destino, Luke Cage sai do mais do mesmo das séries de Super-heróis da TV e cinema com uma história que aborda problemas reais, como preconceito, violência policial e criminalidade, se destacando como uma produção única. Uma série forte (sem trocadilho) que merece ser mais do que vista, ser degustada,  no ritmo que os diretores e roteiristas deram a ela, apreciando suas referências e estilo sem a menor pressa.


Ficamos agora na expectativa de “Punho de ferro”, a quarta série da parceria Netflix / Marvel e de “Defensores” onde os quatro heróis se reunirão em um grupo para realizar uma missão em comum, ambas as produções previstas para o ano que vem. Vamos esperar como será a recepção de ambas as séries e torcer que uma segunda temporada de Luke Cage seja confirmada e , quem sabe, uma dos “heróis de aluguel” juntando os inseparáveis amigos de HQ “Punho de Ferro e Luke” em  uma história onde mais do que heroísmo, os Business entram em jogo. Fico no aguardo do sinal verde da Netflix para gritar “Sweet Christmas”, enquanto isso, digo e repito, assista “Luke Cage”.




Nenhum comentário:

Postar um comentário