quinta-feira, 18 de maio de 2017

O HOMEM DUPLO ou um reflexo na escuridão (A Scanner Darkly) - de Philip K. Dick


No decorrer da minha vida de leitor, alguns livros ficaram marcados nas minhas lembranças quase como um amigo que viveu uma história única à meu lado e que por vezes tenho vontade de visitar para conversar sobre aqueles bons momentos. Um desses livros, é o fantástico "O Homem duplo", de Philip K. Dick, que tinha lido a quase dez anos e que tive o prazer de reler recentemente, me deixando novamente maravilhado pela história fantástica, de um mundo totalmente monitorado e tomado pelas drogas, mas onde Dick consegue com sua genialidade, em sua obra mais atual e madura, dar vida a seus personagens de uma maneira original e extremamente humana.

Capa da edição da Rocco
"O Homem duplo", como citado acima, se passa em um futuro onde o tráfico de drogas venceu e grande parte da população é formada por traficantes e usuários; a polícia monitora a todos que quiser e seus agentes trabalham em tamanho sigilo, que nem ao menos se conhecem, utilizando, quando presentes na delegacia, uma roupa holográfica que não permite suas identificações. Nesse mundo, somos apresentados a Fred um policial disfarçado e viciado na perigosa substância D, que é infiltrado, com o nome de Bob Arctor, entre um grupo de drogados e acaba com a missão de investigar a si mesmo. Carregando o peso de seus papéis contraditórios e vítima de seu vício e solidão, Fred/Bob Arctor passa a ter seguidas alucinações e dúvidas sobre sua vida, vindo a esquecer se ele é na verdade o traficante Bob, que deve ser vigiado, ou o policial Fred que deve prende-lo.


Não sei dizer se esse é o melhor livro do autor, afinal Dick escreveu mais de cinquenta obras e eu não tive o prazer de ler mais que dez delas; mas, dos que eu li, essa parece ser sua história mais madura e sensível. O motivo disso parece passar pelo fato que, assim como o protagonista, Philip K.Dick, também viveu experiências com drogas e, conforme a homenagem que faz ao final do livro, perdeu diversos amigos em decorrência do vício, isso faz com que o livro pareça ser escrito com muito mais sentimento e carinho que as demais obras do autor, onde a especulação e a sociedade parecem tomar a frente dos indivíduos. Em "O homem duplo" os personagens se destacam muito mais que o mundo que os cerca, sendo que somos informados sobre essa realidade, do mesmo modo que os superiores de Fred/Bob Arctor, através dos olhos de outras pessoas e essa maneira de nos mostrar o universo onde a história se desenrola, retira da trama todo maniqueísmo possível, fazendo com que não sobre espaço para vítimas ou algozes, apenas para pessoas, que assim como o protagonista, vivem múltiplos papéis, com todos seus erros, dúvidas e acertos, e, essa complexabilidade, transforma o livro em algo único e especial.



Mas mesmo que a sociedade onde a história acontece fique relegada ao plano de fundo da trama, conseguimos sentir a opressão e o caos controlado que dela emana, podendo classifica-la como uma forma de distopia. Nesse mundo de "O Homem duplo", onde as ruas são tomadas de traficantes e usuários, nem os próprios agentes estão imunes a vigilância intensa e a corrupção, acabando por viverem muito mais na zona marginal onde foram infiltrados, e se acostumando com essa realidade, do que tendo acesso aos benefícios dos que pagam o seus salários e recompensas, que é o grupo apelidado de "caretas". Esse grupo, que é composto pelas pessoas mais abastadas (ou menos ferradas), vive distante das realidades das ruas, ainda seguindo o modelo americano de vida e usufruindo de todas as garantias que sua posição permite. Essa divisão da sociedade, tendo os caretas como grupo dominante, é apresentada de maneira sutil pelo autor, mas marca a cisão social que coloca um pequeno grupo sobre o restante da população e isso fica exemplificado quando o protagonista se vê obrigado, já no início do livro, a palestrar (utilizando seu traje holográfico) para um grupo desses indivíduos em um club fechado e contar para eles o que vê diariamente nas rua, fato que inimaginável para eles; assim como quando, conversando entre si, os amigos de Bob especulam o que existe dentro de um shopping, um lugar onde pessoas do tipo deles jamais entrariam; isso vem a se somar ao fato de que na história, os caretas são sempre mencionados e nunca abordados ou presentes diretamente na trama, tudo que vemos se passa nas ruas, longe da elite, que fica inatingível para aqueles para os quais sobrou apenas o vício e o descarte como alternativa.


poster do filme
No entanto, tanto os personagens marcantes, quanto o universo onde eles existem, não passariam apenas de uma boa ideia, caso não fosse a maneira primorosa como o autor resolveu contar a história. Munido de uma narrativa que oscila entre o trágico e o cômico, Philip K. Dick, consegue ir além da sensação de estranheza e reflexão de seus textos, mas sem fugir da base de sua obra, construída em cima do "O que é real?", o que nunca foi tão bem abordado quanto nesse livro, onde nem mesmo o protagonista sabe quem realmente é. E essa confusão na mente de Bob Actor vai surgindo de forma quase imperceptível com a inclusão de frases em alemão no meio do texto, que são a manifestação dos sintomas do abuso de drogas no personagem, em que Dick utiliza trechos de "Fausto" de Goethe, uma história onde o herói busca enganar o diabo, para descrever, tanto o início da confusão mental do protagonista, como para indicar suas intenções e questionamentos subconscientes, pois afinal quem seria o diabo de Arctor? Os drogados e traficantes com quem ele convive? A sociedade policial que ele representa? Ou ele mesmo que transita entre esses dois mundos?

O livro ainda é repleto diálogos brilhantes e muito engraçados por parte dos amigos de Bob Arctor, que assim como os pequenos e fantásticos contos, que aparecem como "trips" devido ao uso de drogas pelos personagens, dão o tom de insanidade da trama e coroam o talento do autor. Dentre esses diálogos e contos, o que é mais marcante para mim é o da tentativa de suicídio de Charles Freck, onde desiludido com o mundo, um dos amigos de Arctor resolve tomar uma overdose regada a vinho barato e transformar seu sacrifício em um ato de protesto. Assim ele planeja ser encontrado em sua cama com um exemplar de "A nascente" de Ayn Rand, para demonstrar que era um super-homem incompreendido pelas massas e, uma carta de reclamação devido ao cancelamento de seu cartão de crédito, para culpar o sistema por sua morte; mas no último minuto ele resolve tomar a overdose com um vinho bom, compra um mondavi cabernet sauvignon e toma as pílulas com o vinho, fica esperando deitado e percebe depois que não se tratavam de barbitúricos, mas um psicodélico vagabundo, minutos depois ele vê ao lado de sua cama uma criatura extra dimensional cheia de olhos trazendo consigo um pergaminho com todos seus pecados, em sua trip, mil anos depois a criatura ainda lia seus pecados do jardim de infância, dez mil anos depois os da sexta série, Freck olha para criatura, meditando sobre o que estava acontecendo e pensa..."Pelo menos bebi vinho do bom!".

Freck em seu "Suicídio" no filme de 2006

Aliás, esse trecho de "O homem duplo" citado acima, que exemplifica o humor e talento do autor, foi o que me levou a procurar esse livro a dez anos atrás. Tudo devido a adaptação da história para o cinema em 2006, roteirizada e dirigida por Richard Linklater (diretor de Escola de Rock e Boyhood) onde a cena de Charles Freck é apresentada de forma idêntica a no livro e ainda com a vantagem de ser narrada com uma gravação do próprio Philip K. Dick, que quando assisti e me deixou boquiaberto. O filme, que é a adaptação mais fiel dentre as inúmeras histórias do autor que foram levadas para o cinema, contou com um elenco de peso, que além de Keanu Reeves, como Bob Arctor/Fred, tinha Robert Downey Jr, como Jim Barris, Woody Harrelson, como Luckman e Winona Ryder, como Donna e, se tornou famoso, ao utilizar uma técnica de pós produção que aplica uma pintura ao filme, dando a ele a aparência de animação, fato que o diretor afirmou ter inserido para causar uma sensação, a quem assistisse ao filme, semelhante a de como um usuário de LSD percebe o mundo durante uma viagem de drogas.

Capa da edição da aleph
Assim como o sua adaptação cinematográfica, o livo, apresenta muito pouca tecnologia futurista envolvida na trama, tendo em vista que é uma história de ficção científica e escrita por PKD, o mestre em criar aparelhos malucos com nomes estranhos. Claro que ainda existem os "Scanners em cubo 3D" e os "Cefscópios", mas esses equipamentos estão ali só para lembrar que a trama se passa no futuro e, a decisão de deixar mais essa questão como pano de fundo, contribui para a maturidade do livro, que citei no inicio do texto e acaba por coroar o autor, que tanto se empenhou em imaginar o futuro, com a visão de futuro bem mais próxima da real, do que em qualquer outro de seus livros e isso acontece justamente na história onde ele decide olhar mais para trás em sua própria vida, do que pensar trinta anos na frente para a sociedade, o que torna "O homem duplo" sua obra, dentro do possível, mais pé no chão.


"O Homem duplo" de Philip K. Dick passou novamente pela minha vida como um amigo que mora longe, mas que com quem sei que sempre posso contar. Uma história fantástica, vivida em meio as drogas e repressão, mas que deixa de lado o coletivo e a especulação futurista e, vai mais a fundo no indivíduo, abordando a ignorância, o medo, a solidão e até o vício como conceitos que nos tornam humanos. O livro mais maduro e pé no chão desse grande nome da ficção científica e meu escritor preferido (como eu não canso de lembrar) e leitura obrigatória não apenas para quem é fã de PKD ou ficção científica, mas para quem aprecia uma boa história. A editora ALEPH relançou o livro recentemente com o título "um reflexo na Escuridão" (título bem mais próximo do original em inglês).  Minha dica é, pegue o livro, sente-se em um lugar bacana, abra um bom vinho e deixe sua mente viajar nessa trip distópica futurista e caso, por algum motivo, o livro não lhe agradar, relaxe...pelo menos você terá tomado um vinho do bom!!



                                           Trailer do filme de 2006

sábado, 13 de maio de 2017

A vigilante do amanhã: Ghost in the Shell (2017)


Em 1995, a Bandai, trazia para o cinema, com a direção de Mamoru Oshii e baseado no mangá de Shirow Masamune, "Ghost in the Shell" (ou o Fantasma do futuro, no Brasil), a animação que se tornaria tanto um ícone do estilo japonês de produzir desenhos animados, quanto um clássico da ficção científica cyberpunk, influenciando, acima de tudo, as irmãs Wachowski a escrever, produzir e dirigir "Matrix" o filme que revolucionou o cinema no início desse século. Pois, vinte e dois anos depois da estréia do anime japonês, chegou aos cinemas mundiais, cercada de polêmica, dúvida e crítica, o live action dessa aclamada obra, agora produzida pelos estúdios americanos da Paramount e DreamWorks, com direção de Rupert Sanders e estrelada por Scarllet Johansson e Takeshi Kitano; e eu, que sempre sonhei em ver uma superprodução baseada em um dos clássicos dos animes, me despi de meu sobre-tudo de "ouvi dizer", coloquei meus óculos-scanners de curiosidade, liguei minha camuflagem holo-térmica e me joguei de cabeça para assistir "A vigilante do amanhã" disposto a tirar minhas próprias conclusões.


"A vigilante do amanhã: Ghost in the shell", se passa em um futuro onde o aperfeiçoamento dos cérebros e corpos humanos através de próteses biônicas já é possível, nesse mundo conhecemos a Major Mira Kilian ( Johansson), a primeira pessoa a ter seu cérebro transferido para um casco totalmente biônico. Mira, trabalha para o setor 9, uma força do governo especializada em terrorismo cibernéticos e, após uma missão de rotina, se depara com Kuze, um perigoso hacker, que está utilizando os robôs e pessoas com implantes cerebrais para assassinar diversos membros da cúpula e cientistas ligados à Hanka Robotics, a empresa que criou o corpo de Mira e efetuou o seu transplante; junto a isso, ela passa a ter visões e possíveis lembranças que a fazem se perguntar quem e o que realmente ela é, Resta agora à major, encontrar Kuze e investigá-lo tanto quanto a Hanka, para descobrir não só as intenções desse terrorista, como as da empresa que a criou, assim como seu próprio passado.


Como disse na introdução, fui assistir ao filme despido de meus preconceitos e do peso das opiniões dos outros, tentando acompanhar a produção sem compara-la ao anime de 1995, de forma a avaliar se o filme se sustenta sozinho, se é bom, divertido ou se realmente merecia as críticas que ouvi falar por aí. Então, o que eu poderia dizer sobre "Ghost in the shell (2017)"?

setor 9
O principal elemento do filme (como não poderia deixar de ser para um blockbuster de ficção científica) são os efeitos especiais. Achei muito bacana o designer futurista da cidade onde a trama se desenrola, com hologramas interagindo com as pessoas no meio da rua, outdoors 3-d em toda parte, assim como todos envolvidos na história (mesmo os figurantes) possuírem alguma parte biônica em seus corpos (exceto Togusa), a utilização dos efeitos para expor a situação dessa sociedade quase pós humana, ainda é somada a pluralidade étnica presente e seu modelo e cultura de rua, que embora tenda a nos dizer que é uma cidade asiática, não nos é permitido confirmar, por desconhecer qual sua língua oficial ou localização, nos passando um ar de superlotação e esmagamento do indivíduo, elementos típicos de obras cyberpunks e que automaticamente nos remete, pela semelhança, ao clássico "Blade Runner" de Ridley Scott.
Mas apesar de os conceitos e ferramentos estarem presentes e serem utilizados de maneira visual, o pouco tempo do filme e as decisões de roteiro os deixam muito em segundo plano no tocante a influência dessa solidão e do peso dos rumos dessa sociedade em cada cidadão, não sendo possível identificar seus reflexos nem na vida dos protagonistas, com exceção da Major (quando descobrimos um pouco de seu passado). Essa descoberta, e mais do que isso, sua busca, são um problema no enredo do filme, pois diminuem o peso dos vilões e torna necessário a diminuição do papel dos coadjuvantes para que protagonista se torne ainda mais forte e isso é uma falha que vem se repetindo de mais em adaptações, e , nesse filme não é diferente.


Falando dessas escolhas de roteiro para engrandecer o protagonista (fato que reclamo desde que o primeiro filme dos x-men, saiu em 2000) enxergo toda a seção 9 como vítima. O filme ganharia muito mais, se, embora a protagonista puxasse a história, todos seus companheiros tivessem relevância no desenrolar da trama, um ajudando a hakear o terrorista, outro investigando a Hanka, outro coordenando investigação sobre os assassinatos, de modo a montarem o quebra-cabeça no final, como em um bom filme policial. Nesse erro, penso que quem mais sofre é o parceiro da major, o Sargento Batou, que fora um conselho ou outro e algumas cenas de combate, pouco faz na trama além de ter seus olhos trocados por lentes biônicas.
Sempre Brava!

Junto a isso, também vem a somar a atuação da Scarllet Johansson. Eu sou fã da atriz e acho que ela tem um grande potencial, mas parece que depois de "os vingadores" de 2012, a atriz está revivendo o papel da Viúva Negra o tempo todo! Sua expressão é sempre carrancuda ou apática, não diferente da apresentada nos filmes "Lucy" e "Sob a pele" e seus movimentos parecem de quem não se sente confortável ou confiante. Entendo que isso é mais culpa da direção, que deve ter pedido que ela passasse a quem vê o filme que a Major Mira Kilian é mais que uma pessoa, é uma arma e então andasse como se estivesse entrando em um octógono, mas quem desempenhou o papel foi ela e esses pequenos detalhes parecem se sobrepor a trama, que talvez ganhasse um pouco mais de simpatia e destaque, se tanto sua protagonista, quanto seus coadjuvantes transparecem o mínimo de humor ou sarcasmo em algumas situações.


E por falar em trama, as motivações de alguns personagens e algumas respostas me deixaram um pouco confuso. Para começar, no que se refere ao pretenso vilão da história, o "Hacker" Kuze, ele mata, hackeia, manipula e chega a criar uma rede cerebral utilizando humanos para tentar descobrir quem realmente ele é, mas mesmo antes disso, ele parece perder a relevância na história e se transforma em um motivador vazio da major em busca de seu passado, sem contar que ele mesmo diz que foi um experimento "desmembrado e descartado", mas em nenhum lugar fica exposto que o montou novamente e como ele conseguiu se tornar relevante e uma ameaça para a Hanka. Dúvida semelhante eu tenho no tocante a própria indústria Hanka, um gigante da robótica e que além de contato e poder dentro da política daquela sociedade, fornece armas e equipamentos para o setor de segurança, mas que não consegue se livrar das investigações do setor 9 e ainda resolve utilizar um grupo obscuro de hippies de DCE de humanas como cobaias em seus experimentos, só porque estes protestavam contra o avanço da tecnologia na vida das pessoas; ora, se é um universo Cyberpunk, onde os grandes conglomerados dominam a sociedade e tem poder maior do que o próprio estado, qual a ameaça de um grupo de adolescentes rebeldes? E, qual a necessidade de tamanha maldade e força por parte da Hanka? É quase como se a Coca-cola se revoltasse e caçasse toda pessoa que fala mal de seu produto (e resolvesse lhes dar corpos biônicos), ao invés de apenas os ignorar e focar no mercado, o que parece pouco crível na realidade ou no cinema e essa motivação, tal qual a do suposto vilão, acabam por tirar um pouco do crédito da história do filme.

E.U.A x Japão

No entanto, mesmo eu tentando, é impossível evitar alguma comparação em relação a obra japonesa, em parte porque muito do que é bacana nesse filme de 2017 é apenas uma transposição para olive action do que já foi apresentado no anime de 1995, sem o mesmo aprofundamento e clima. O maior exemplo é a cena da perseguição até a lamina d'água, onde um bandido é perseguido pela Major, que se encontra invisível e ela o ataca o arremessando para um lado e para o outro e mais tarde se descobre que a mente do sujeito foi apagada e nela colocadas memórias falsas. No filme, é bem legal, mas no anime, toda situação e o desespero que toma conta do bandido ao descobrir que não possui filha nenhuma dão um exemplo ainda maior da solidão e exposição que as pessoas que vivem nesse mundo sofrem. O anime também é superior como trama policial, porque ele contém exatamente o que eu citei anteriormente sobre acompanhar uma equipe policial que se divide em grupos para investigar e monta uma situação ao final, dando destaque a todos na medida do possível; sem falar que todo o universo que cerca a trama no anime é um pano de fundo simplesmente aceito por quem vive lá e não contestado o tempo todo como apresentado no live action.
Cidade do Futuro

O aprofundamento filosófico que a trama japonesa tem, o filme americano também ficou devendo. No anime de 1995, somos expostos a muitas cenas de reflexão e silêncio, onde percebemos que os personagens estão se questionando, quando não apavorados com a situação, sem contar nos shots contendo frases bíblicas para buscar explicar a tomada de consciência do programa "mestre do fantoches" (vilão do anime) e até mesmo a utilização do nome original da Major, que seria Motoko Kusanagi e que faz referência a espada Kusanagi, uma lendária arma japonesa que foi tirada de dentro de um demônio, tudo a ver com a personagem, que é uma arma criada por um conglomerado gigantesco que se revela mal intencionado e onipresente. Certo, dirão que esse aprofundamento iria quebrar o ritmo do filme, mas se "Matrix", que é baseado em "Ghost in the Shell" conseguiu fazer, porque "A vigilante do amanhã" não seria capaz quase vinte anos depois de "Matrix"?


Apesar de todos esses problemas, "A vigilante do amanhã" não é um desastre, na verdade ele está muito a frente de filmes como "esquadrão suicida" e "Transformers". O universo da trama, embora confuso, pois mesmo imerso em um futuro onde a tecnologia e aperfeiçoamento dos corpos se faz presente, ainda possui cidadãos adolescentes que contestam essas mudanças; é apresentado de maneira razoavelmente satisfatório e encanta, como citado acima, pelo uso competente dos efeitos especiais e, embora não haja um aprofundamento nos personagens periféricos, a presença e as poucas falas que eles possuem, dão o ar (embora leve) de distrito policial e somando isso ainda as cenas de ação, que são legais, embora que muitas sejam bem escuras, posso dizer que o filme se sustenta sozinho ( se bem que as vezes se segurando na parede), podendo ser visto como um filme mediano, esses que passam na TV aberta e ser assistido tranquilamente por quem viu ou não os animes, pois diverte bastante para quem quer apenas desligar a mente e ver um bom filme de ação.


sexta-feira, 5 de maio de 2017

THE WARRIORS - os selvagens da noite (1979) #Zerocult 6


Nova York, 1979. Antes da Máfia ser esmagada, antes da economia americana voltar a crescer, antes do talco sem cheiro dominar os embalos de sábado e, principalmente, antes de proibirem crianças com menos de seis anos de escreverem um roteiro para cinema, um grupo de nove membros de uma turma da pesada parte em uma fuga alucinante depois de serem acusados de um crime que não cometeram. Sim meus amigos! hoje falaremos sobre "The Warriors", ou como foi chamado em nossas terras tupiniquins, "Guerreiros, os selvagens da noite", a maior Ode já feita ao tosto mundo das gangues novaiorquinas e que, além de comprovar que entre os anos setenta e oitenta o mundo entrou em outra dimensão, foi a produção responsável pela uma frase que me persegue por décadas:

"Guerreiiiroosss... Venham aqui Brigaaarrrr!"


"The Warriors", conta a história de nove representantes da Gangue dos Guerreiros, originária de Coney Island, que, assim como outras cem gangues da cidade, é convidada a participar de uma "assembleia" organizada por Cyrus, o líder da maior gangue de Nova York, "Os Riffs", com a intenção de organizar e unir os grupos divergentes e assim dominar a cidade. A reunião, que ocorre no território dos Riffs, no Bronx, começa a empolgar os representantes das Gangues, mas no meio do discurso, Cyrus é assassinado por Luther, o líder do "Rogues", que percebendo, em meio a confusão, que um dos membros dos Guerreiros viu quem atirou, os incrimina, fazendo com que a turma de Coney Island passe a ser alvo da perseguição de todas as outras gangues em uma fuga do Bronx até o seu território, a mais de trinta e cinco quilometros de distância. Restará agora aos Guerreiros, provarem que realmente são uma "Turma da pesada".


O filme é um clássico, não tem como não falar isso. Sua trama, mesmo datada, ainda hoje consegue prender o expectador, mesmo que seja para arrancar dele umas boas gargalhadas. Baseado no livro homônimo de Sol Yurick (que no Brasil se encontra a venda pela Darkside Books), com uma forte inspiração no musical clássico "West side story", o filme foi roteirizado e dirigido por Walter Hill, que além dessa pérola das madrugadas, dirigiu "Ruas de Fogo", que é outro clássico do corujão, "inferno vermelho", com Schwarzenegger e Jim Belushi e o "Lutador de Rua", com o mito Charles Bronson, além de produzir "Alien - o oitavo passageiro", e trouxe no elenco uma galerinha jovem que, fora dois ou três não tiveram uma vida muito produtiva e extensa no meio do cinema. Mas quem se importa com a vida profissional dos atores, quando temos diante de nós uma obra de tal magnitude, cheio de personagens marcantes e , acima de tudo, abençoada pela maravilhosa dublagem brasileira do início dos anos oitenta?



Os personagens são fantásticos e tem muito para falar ao mundo de hoje sobre personalidade. Para começar, os protagonistas se deslocam pela noite Novaiorquina, ostentando apenas um colete de couro vermelho, suas calças jeans e tênis, dentre eles, temos Cleon, que usa uma bandana tigrada na cabeça e Snow, que possui um black power aerodinâmico, mas nenhum dos outros oito protagonistas, chega aos pés de Cochise, o guerreiro, que além de ser dublado pelo mesmo dublador do Eddy Murphy, é um cidadão afro-americano, que além do blackpower da moda daqueles dias, utiliza adornos indígenas, um tapa na cara de quem hoje em dia vem falar de moda étnicas ou apropriação cultural. Cochise é o meu personagem preferido, sendo seguido de perto por Luther, o líder assassino dos Rogues, que do alto de seus um metro e sessenta, com sua cara quadrada e voz de taquara rachada, é o emissor da frase que me atormenta e a qual já cite acima, mas que além de tudo, ainda traz em si o mais clássico talento para agente do Caos, sendo o responsável por toda confusão e azar, que os guerreiros e os Riffs acabam vivenciando.

Guerreiiiroossssss
Falando da Voz de taquara de Luther, é impossível assistir ao filme dublado e não ficar completamente hipnotizado pela dublagem brasileira. Com vozes consagradas como a do ator Nizo Neto (filho de Chico Anísio (que dublou Ferris Bueller e o Presto de "a caverna do Dragão)) no papel de Vermim; Mário Jorge de Andrade ( Eddy Murphy) como Cochise e o dublador clássico do Stallone (que esqueci o nome) dando o sotaque malandro brasileiro ao Luther. Nesse show de dublagem, temos o prazer de ver traduzidas para nossa língua as gírias americanas do final dos anos setenta e o resultado é maravilhosamente bizarro, não faltam "Aê meu cumpadi", "acho que cês tão tudo virando a mão" e até a frase de ouro do filme, que é proferida quando o líder dos fugitivos, forjado no calor da fuga, fica a sós com a "mocinha" e no meio de uma conversa filosófica sobre a vida e perspectivas, fala para a jovem: " Vem cá, tu é chegada em uma horizontal, heim! Já pensou em amarrar um colchão nas costas pra facilitar?!". Pura elegância!

Vocês sacarammm??
Fora suas falas, muitas vezes sem sentido ou seus tropeços de roteiro (como: de onde o Snow tirou aquele coquetel molotov?) , a produção traz cenas bem legais de luta. Como quando Cyrus é assassinado e o Líder Guerreiro Cleon, vai conferir o que houve e tem que se defender da multidão na mão, ou quando Cisne ( que passa ser o líder) bola uma armadilha em um banheiro contra a gangue dos patinadores e a porrada come solta, com direito a taco de basebol quebrado em barriga e porta quebrada com a cabeça.


Além disso, não me ocorre nenhum outro filme de fuga nesse mesmo estilo antes de "the Warriors", me passando a sensação de que Apocalypto", filme de Mel Gibson de 2006, que é basicamente uma fuga de um território inimigo até o seu, tem muito de inspiração na obra de Walter Hill de 1979, assim como o último "Mad Max"e isso não é pouco.
Para Complementar sobre a influência e carinho que o filme cativa, os irmãos Russo, que dirigiram Capitão América 2 e 3, anunciaram a produção de uma série baseada no livro/filme "The Warriors" e que deve chegar para nós nos próximos anos, mostrando que muita gente ainda guarda esse filme no coração e sonha em usar aquele colete de couro vermelho.

Pois bem, "Guerreiros - Os selvagens da noite" é um desses clássicos cults, que por muito tempo habitaram as madrugadas dos canais abertos e que todo mundo conhece ou já ouviu falar. É a representação máxima, embora muito caricata, de um período histórico americano onde a falta de perspectiva é o que norteava a vida de muitos jovens e que até hoje encanta pela melancolia ou pelo tosco carismático, suas falas são datadas, o roteiro quase não existe, a estética é brega, mas mesmo assim o filme é extremamente divertido, o típico filme que é tão ruim, que dá a volta e fica ótimo, que tanto merece, como deve ser assistido, entendeu bem aê ô meu chegado?!

Da esquerda para direita: Snow, Ajax, Vermim, Cowboy, Cochise, Rembrant, Foxy, Cisne ( The Warriors)



terça-feira, 2 de maio de 2017

DEUSES AMERICANOS - Que a guerra comece !!



Um homem abre um manuscrito e segue uma história, ele fala sobre a vinda de Vikings à América, antes das cogitadas vindas dos mesmos Vikings para o novo mundo. Descreve suas péssimas condições e as dificuldades de vencer um mar que não quer ser vencido e de desembarcar em uma terra que não os aceita, esclarecendo que a hostilidade presente naquele lugar era fruto da força dos Deuses. Para atrair ventos favoráveis e voltar para casa, os homens resolvem chamar a atenção de seu deus através de sacrifícios, que vão desde mutilações a completa carnificina entre eles mesmos e assim, logo após pintarem com sangue e violência as praias daquele lugar desconhecido, são abençoados com a permissão de partir.

Wednesday
Assim começa o primeiro episódio da tão aguardada série "Deuses americanos", que estreou no Brasil, nesse último primeiro de Maio. A Série, baseada no cultuado livro Homônimo do escritor Neil Gaiman e que conta a História de Shadow Moon, um ex-presidiário contratado como segurança pelo misterioso Wednesday, para o acompanhar por uma viagem pelos Estados Unidos que testará os limites de suas crenças e sanidade, chegou metendo o pé na porta e saciando a expectativa de quem é fã do Autor e reivindicando seu lugar entre o panteão das grandes produções do ano.

Essa reivindicação se torna válida desde o momento do prólogo, onde vemos o tom violento que deve se seguir na trama, com cabeças sendo esmagadas e braços arrancados, até ao banho de sangue do último minuto do episódio, passando por cenas picantes e assustadoras, sem falar da apresentação de alguns desses deuses, que dão um ar de mistério a história, principalmente a quem não leu o livro e assim como Shadow, fica sem saber direito onde acabou se metendo.


Eu, que de forma sacrílega, nunca li o livro, também fiquei entorpecido com esse ar de mistério, como se existisse muita coisa além do que é visto e que as respostas devam ser descobertas lentamente. Uma sensação com a qual posso comparar ao assistir o primeiro episódio de "Deuses americanos", foi a que tive ao descobrir o universo de "Game of Thrones" na TV e que também nunca tinha lido nada e que só pretendo ler após o termino da série, pois o que a o universo no áudio-visual oferece é tão consistente e denso, que não parece precisar de complementos ou aditivos para se sustentar, embora eu imagine que os livros referentes dessas duas franquias, devam ser ainda melhores que as obras televisivas que delas se originaram.

Shadow
Falo em "Game of Thrones", pois parece que o maior sucesso do canal HBO ganhou mais um rival e talvez um substituto no coração dos fãs, mas para isso, a Starz , canal que veícula a série, tem que conseguir manter o fôlego no mesmo nível de seu episódio piloto e não cair na mesma levada de produções como "Black Sails", que com perdão do trocadilho, foi afundando com o tempo.


Pois bem, agora é só esperar para ver o que "Deuses americanos" irá nos trazer nesses próximos dois meses e meio e nos regozijar com o sangue e sacrifício feitos em honra desesperada aos velhos e novos Deuses. Se ainda não viu o piloto, o mesmo já está disponível no Amazon prime vídeo, esperando apenas que você sele o acordo com três copos de vinho de mel e um aperto de mão escarrado. Então não perca tempo, louve a seu deus assistindo a "Deuses Americanos" e aguarde as bençãos e maldições que a produção baseada na obra de Gaiman irão te proporcionar.