sábado, 13 de maio de 2017

A vigilante do amanhã: Ghost in the Shell (2017)


Em 1995, a Bandai, trazia para o cinema, com a direção de Mamoru Oshii e baseado no mangá de Shirow Masamune, "Ghost in the Shell" (ou o Fantasma do futuro, no Brasil), a animação que se tornaria tanto um ícone do estilo japonês de produzir desenhos animados, quanto um clássico da ficção científica cyberpunk, influenciando, acima de tudo, as irmãs Wachowski a escrever, produzir e dirigir "Matrix" o filme que revolucionou o cinema no início desse século. Pois, vinte e dois anos depois da estréia do anime japonês, chegou aos cinemas mundiais, cercada de polêmica, dúvida e crítica, o live action dessa aclamada obra, agora produzida pelos estúdios americanos da Paramount e DreamWorks, com direção de Rupert Sanders e estrelada por Scarllet Johansson e Takeshi Kitano; e eu, que sempre sonhei em ver uma superprodução baseada em um dos clássicos dos animes, me despi de meu sobre-tudo de "ouvi dizer", coloquei meus óculos-scanners de curiosidade, liguei minha camuflagem holo-térmica e me joguei de cabeça para assistir "A vigilante do amanhã" disposto a tirar minhas próprias conclusões.


"A vigilante do amanhã: Ghost in the shell", se passa em um futuro onde o aperfeiçoamento dos cérebros e corpos humanos através de próteses biônicas já é possível, nesse mundo conhecemos a Major Mira Kilian ( Johansson), a primeira pessoa a ter seu cérebro transferido para um casco totalmente biônico. Mira, trabalha para o setor 9, uma força do governo especializada em terrorismo cibernéticos e, após uma missão de rotina, se depara com Kuze, um perigoso hacker, que está utilizando os robôs e pessoas com implantes cerebrais para assassinar diversos membros da cúpula e cientistas ligados à Hanka Robotics, a empresa que criou o corpo de Mira e efetuou o seu transplante; junto a isso, ela passa a ter visões e possíveis lembranças que a fazem se perguntar quem e o que realmente ela é, Resta agora à major, encontrar Kuze e investigá-lo tanto quanto a Hanka, para descobrir não só as intenções desse terrorista, como as da empresa que a criou, assim como seu próprio passado.


Como disse na introdução, fui assistir ao filme despido de meus preconceitos e do peso das opiniões dos outros, tentando acompanhar a produção sem compara-la ao anime de 1995, de forma a avaliar se o filme se sustenta sozinho, se é bom, divertido ou se realmente merecia as críticas que ouvi falar por aí. Então, o que eu poderia dizer sobre "Ghost in the shell (2017)"?

setor 9
O principal elemento do filme (como não poderia deixar de ser para um blockbuster de ficção científica) são os efeitos especiais. Achei muito bacana o designer futurista da cidade onde a trama se desenrola, com hologramas interagindo com as pessoas no meio da rua, outdoors 3-d em toda parte, assim como todos envolvidos na história (mesmo os figurantes) possuírem alguma parte biônica em seus corpos (exceto Togusa), a utilização dos efeitos para expor a situação dessa sociedade quase pós humana, ainda é somada a pluralidade étnica presente e seu modelo e cultura de rua, que embora tenda a nos dizer que é uma cidade asiática, não nos é permitido confirmar, por desconhecer qual sua língua oficial ou localização, nos passando um ar de superlotação e esmagamento do indivíduo, elementos típicos de obras cyberpunks e que automaticamente nos remete, pela semelhança, ao clássico "Blade Runner" de Ridley Scott.
Mas apesar de os conceitos e ferramentos estarem presentes e serem utilizados de maneira visual, o pouco tempo do filme e as decisões de roteiro os deixam muito em segundo plano no tocante a influência dessa solidão e do peso dos rumos dessa sociedade em cada cidadão, não sendo possível identificar seus reflexos nem na vida dos protagonistas, com exceção da Major (quando descobrimos um pouco de seu passado). Essa descoberta, e mais do que isso, sua busca, são um problema no enredo do filme, pois diminuem o peso dos vilões e torna necessário a diminuição do papel dos coadjuvantes para que protagonista se torne ainda mais forte e isso é uma falha que vem se repetindo de mais em adaptações, e , nesse filme não é diferente.


Falando dessas escolhas de roteiro para engrandecer o protagonista (fato que reclamo desde que o primeiro filme dos x-men, saiu em 2000) enxergo toda a seção 9 como vítima. O filme ganharia muito mais, se, embora a protagonista puxasse a história, todos seus companheiros tivessem relevância no desenrolar da trama, um ajudando a hakear o terrorista, outro investigando a Hanka, outro coordenando investigação sobre os assassinatos, de modo a montarem o quebra-cabeça no final, como em um bom filme policial. Nesse erro, penso que quem mais sofre é o parceiro da major, o Sargento Batou, que fora um conselho ou outro e algumas cenas de combate, pouco faz na trama além de ter seus olhos trocados por lentes biônicas.
Sempre Brava!

Junto a isso, também vem a somar a atuação da Scarllet Johansson. Eu sou fã da atriz e acho que ela tem um grande potencial, mas parece que depois de "os vingadores" de 2012, a atriz está revivendo o papel da Viúva Negra o tempo todo! Sua expressão é sempre carrancuda ou apática, não diferente da apresentada nos filmes "Lucy" e "Sob a pele" e seus movimentos parecem de quem não se sente confortável ou confiante. Entendo que isso é mais culpa da direção, que deve ter pedido que ela passasse a quem vê o filme que a Major Mira Kilian é mais que uma pessoa, é uma arma e então andasse como se estivesse entrando em um octógono, mas quem desempenhou o papel foi ela e esses pequenos detalhes parecem se sobrepor a trama, que talvez ganhasse um pouco mais de simpatia e destaque, se tanto sua protagonista, quanto seus coadjuvantes transparecem o mínimo de humor ou sarcasmo em algumas situações.


E por falar em trama, as motivações de alguns personagens e algumas respostas me deixaram um pouco confuso. Para começar, no que se refere ao pretenso vilão da história, o "Hacker" Kuze, ele mata, hackeia, manipula e chega a criar uma rede cerebral utilizando humanos para tentar descobrir quem realmente ele é, mas mesmo antes disso, ele parece perder a relevância na história e se transforma em um motivador vazio da major em busca de seu passado, sem contar que ele mesmo diz que foi um experimento "desmembrado e descartado", mas em nenhum lugar fica exposto que o montou novamente e como ele conseguiu se tornar relevante e uma ameaça para a Hanka. Dúvida semelhante eu tenho no tocante a própria indústria Hanka, um gigante da robótica e que além de contato e poder dentro da política daquela sociedade, fornece armas e equipamentos para o setor de segurança, mas que não consegue se livrar das investigações do setor 9 e ainda resolve utilizar um grupo obscuro de hippies de DCE de humanas como cobaias em seus experimentos, só porque estes protestavam contra o avanço da tecnologia na vida das pessoas; ora, se é um universo Cyberpunk, onde os grandes conglomerados dominam a sociedade e tem poder maior do que o próprio estado, qual a ameaça de um grupo de adolescentes rebeldes? E, qual a necessidade de tamanha maldade e força por parte da Hanka? É quase como se a Coca-cola se revoltasse e caçasse toda pessoa que fala mal de seu produto (e resolvesse lhes dar corpos biônicos), ao invés de apenas os ignorar e focar no mercado, o que parece pouco crível na realidade ou no cinema e essa motivação, tal qual a do suposto vilão, acabam por tirar um pouco do crédito da história do filme.

E.U.A x Japão

No entanto, mesmo eu tentando, é impossível evitar alguma comparação em relação a obra japonesa, em parte porque muito do que é bacana nesse filme de 2017 é apenas uma transposição para olive action do que já foi apresentado no anime de 1995, sem o mesmo aprofundamento e clima. O maior exemplo é a cena da perseguição até a lamina d'água, onde um bandido é perseguido pela Major, que se encontra invisível e ela o ataca o arremessando para um lado e para o outro e mais tarde se descobre que a mente do sujeito foi apagada e nela colocadas memórias falsas. No filme, é bem legal, mas no anime, toda situação e o desespero que toma conta do bandido ao descobrir que não possui filha nenhuma dão um exemplo ainda maior da solidão e exposição que as pessoas que vivem nesse mundo sofrem. O anime também é superior como trama policial, porque ele contém exatamente o que eu citei anteriormente sobre acompanhar uma equipe policial que se divide em grupos para investigar e monta uma situação ao final, dando destaque a todos na medida do possível; sem falar que todo o universo que cerca a trama no anime é um pano de fundo simplesmente aceito por quem vive lá e não contestado o tempo todo como apresentado no live action.
Cidade do Futuro

O aprofundamento filosófico que a trama japonesa tem, o filme americano também ficou devendo. No anime de 1995, somos expostos a muitas cenas de reflexão e silêncio, onde percebemos que os personagens estão se questionando, quando não apavorados com a situação, sem contar nos shots contendo frases bíblicas para buscar explicar a tomada de consciência do programa "mestre do fantoches" (vilão do anime) e até mesmo a utilização do nome original da Major, que seria Motoko Kusanagi e que faz referência a espada Kusanagi, uma lendária arma japonesa que foi tirada de dentro de um demônio, tudo a ver com a personagem, que é uma arma criada por um conglomerado gigantesco que se revela mal intencionado e onipresente. Certo, dirão que esse aprofundamento iria quebrar o ritmo do filme, mas se "Matrix", que é baseado em "Ghost in the Shell" conseguiu fazer, porque "A vigilante do amanhã" não seria capaz quase vinte anos depois de "Matrix"?


Apesar de todos esses problemas, "A vigilante do amanhã" não é um desastre, na verdade ele está muito a frente de filmes como "esquadrão suicida" e "Transformers". O universo da trama, embora confuso, pois mesmo imerso em um futuro onde a tecnologia e aperfeiçoamento dos corpos se faz presente, ainda possui cidadãos adolescentes que contestam essas mudanças; é apresentado de maneira razoavelmente satisfatório e encanta, como citado acima, pelo uso competente dos efeitos especiais e, embora não haja um aprofundamento nos personagens periféricos, a presença e as poucas falas que eles possuem, dão o ar (embora leve) de distrito policial e somando isso ainda as cenas de ação, que são legais, embora que muitas sejam bem escuras, posso dizer que o filme se sustenta sozinho ( se bem que as vezes se segurando na parede), podendo ser visto como um filme mediano, esses que passam na TV aberta e ser assistido tranquilamente por quem viu ou não os animes, pois diverte bastante para quem quer apenas desligar a mente e ver um bom filme de ação.


Um comentário:

  1. O anime é bem filosófico mesmo. Vai fundo no que chamam de dualismo cartesiano e dialética. Eu também escrevi um pouco sobre esse filme, mas uma análise menos aprofundada que a sua. Cara, adorando seu blog!
    http://filmes-e-livros-como-eu-vejo.blogspot.com.br/2017/04/ghost-in-shell-e-blade-runner.html?m=1

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