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sexta-feira, 10 de agosto de 2018

JACKIE BROWN (1997) - e os ciclos que regem nossas vidas.




 
    Somos prisioneiros de ciclos. Acreditamos que o tempo simplesmente se desloca em linha reta do passado para o futuro e que o presente é uma constante novidade, mas na verdade seguimos vivendo ciclos que se repetem e se repetem sem que muitas vezes nem percebamos.    
  
Então um dia você acorda com quarenta e poucos anos e as coisas ainda estão iguais a como eram quando tinha vinte, se frustrando em empregos que eram para ser temporários, cometendo os mesmos erros na vida amorosa, enfim, patinando em todas as áreas da vida por não conseguir quebrar essa prisão temporal que acreditamos se tratar apenas de rotina. Mas, se no meio desse caos você percebesse que a repetição ou não dependesse de uma atitude perigosa contra todas as ações que você insiste em aceitar, você estaria disposto a correr os riscos?
  
Pois disfarçado de filme de golpe, com todos os ares de blaxploitation, e abordando sobre o que a quebra ou aceitação dos ciclos da vida podem definir na vida das pessoas, estreava no Brasil em 1998, “Jackie Brown”, filme roteirizado e dirigido por Quentin Tarantino, estrelado pela estrela dos filmes negros dos anos 1970 Pam Grier e baseado no livro “Rum Punch” do escritor Elmore Leonard, que depois de vinte anos parece se firmar, para mim, como o melhor filme do diretor e conversar com momento de encruzilhada da minha própria vida.

   Para quem não conhece o filme, a história conta as desventuras de Jackie Brown (Grier) uma comissária de bordo de uma pequena companhia aérea Mexicana que, para conseguir ganhar alguma grana a mais, contrabandeia dinheiro para o traficante de armas Ornell Robbie (Samuel L. Jackson), No entanto, após ser descoberta e presa pelo agente da ATF Ray Nicollete (Michael Keaton), Jakye, começa a temer mais pelo seu futuro sem perspectiva do pelo risco de seu contratante a achar uma dedo-duro e concebe um perigoso plano para se livrar de Ornell, das acusações e alcançar certa estabilidade financeira, virando em 180° a vida que parecia ser seu destino. 

   Como eu disse acima, não percebemos que estamos presos a ciclos até que uma situação externa bata com força em nossa cara. Foi exatamente isso que aconteceu comigo, quando em uma tarde de domingo chuvosa resolvi reassisti ao terceiro filme de Tarantino e sentir como se alguém gritasse dentro da minha cabeça se eu estava entendendo a mensagem. Todos os personagens centrais da história estão às portas de repetir seus ciclos de vida ou quebra-los e a atitude que tomam frente a isso é o que define seus destinos.

  
Gara
Começamos com a protagonista, Jackie Brown, que durante a trama confessa que já foi presa anos antes também por contrabando e que depois de um tempo na cadeia, amargou anos de condicional, o que parece tê-la quebrado, fazendo-a se resignar com o pouco que conseguiu depois. Ela mesma confessa ao agente de fiança Max (Robert Forster) que parece estar sempre recomeçando e que se encontra cansada disso. Sua quebra de ciclo ocorre quando, após se ver pressionada pelo flagrante do agente da ATF, resolve ir de encontro as suas antigas decisões e tomar o protagonismo de sua própria vida, utilizando de sua esperteza e charme para se impor ao que parecia ser seu destino, o que resulta em sua libertação e o alcance do que esperava para si.

   O contrário ocorre para o restante dos personagens da trama; que por receio, medo ou costume sofrem as consequências de se manter presos à suas jornadas. Dois casos distintos são claros dentro da história, o do ex-presidiário Louis Gara (Robert De Niro) e o Agente de Fiança Max Cherry (Robert Forster).
   Louis Gara não consegue fugir de si mesmo, como se a prisão da qual foi liberto ainda o acompanhasse. A primeira coisa que vemos do personagem no filme é ele retornando ao mundo do crime sob a proteção de seu amigo Ornell e embora sempre transpareça confusão e por vezes apatia em relação aos assuntos do parceiro, não move um musculo para mudar sua perspectiva, o que com sua participação ao final da trama se pode encarar como medo, um medo tão grande que se transforma em violência e inconsequência, selando seu destino de forma definitiva.
Jakie & Max

   Por outro lado, Max Cherry está completamente fundido a sua rotina. Agente de fianças há mais de vinte anos, sem família e, aparentemente sem amigos, sua rotina é sua vida. Mas ele tem um vislumbre de que as coisas podem ser diferentes ao conhecer Jackie e se apaixonar pela mesma, tanto que após criar certa intimidade com a protagonista confessa a ela que irá se aposentar, pois não vê mais sentido nas repetições em sua vida profissional. Entretanto, a insegurança em sair de uma longa rotina o impede de seguir seu desejo e o que vemos dele ao final, quando vê Jackie partindo, é o semblante de quem levará consigo para sempre a dúvida do que poderia ter sido e nunca foi.
  
   O que difere Jackie Brown dos demais personagens do filme é ter entendido que só se pode seguir em frente quando destruímos o caminho antigo e criamos um novo; Gara, Cherry, Ornell e os outros personagens parecem não compreender esse fato e fecham o filme ou ruminando os mesmos problemas ou simplesmente mortos, enquanto Jackie termina a história protagonista tanto da trama quanto de sua própria vida.

   Me identifiquei no ato ao reassistir “Jackie Brown”. Com trinta e sete anos, doze destes no mesmo emprego, relacionamento cheio de idas e vindas e ainda pensando o que querer da vida me fez pensar em como acabamos tranquilamente aprisionados nos ciclos que criamos para nós e isso me fez voltar a escrever, o que é um pequeno passo, mas já me tirou da inércia. Meu convite é para que todos revisitem o terceiro filme de Tarantino sob este ponto de vista de recomeços e fugas dentro das vidas dos personagens, mas isso não interessar, assista assim mesmo, focado no charme de Pam Grier, na trama cheia de reviravoltas ou nos diálogos extremamente humanos, quebrando pelo menos o ciclo da mesmice dos blockbusters atuais.

                            

terça-feira, 19 de junho de 2018

BALA DE PRATA (1985) #Zerocult 7





Fiquei empolgado com o filme brazuca “As boas maneiras” e seu ponto de vista original da maldição do lobisomem. Tanto que queria transformar o mês de junho no mês da licantropia aqui no blogger e para isso resolvi assistir aos filmes que abordassem a mesma temática e que marcaram minha juventude. No entanto, revisitar o cinema dos anos oitenta pode ser tão perigoso quanto sair para passear pelos bosques do Maine em noite de lua cheia, principalmente se o primeiro filme a ser revisitado for baseado em um livro de Stephen King e roteirizado pelo mesmo.  
linda capa do VHS
Sim! Hoje falaremos sobre um clássico do extinto “Cinema em casa” do SBT, “Bala de prata” de 1985, baseado no livro “A hora do lobisomem” do Rei do terror e “estrelado” pelo eterno, mas já falecido, ator mirim Corey Haim; que, após ser reassitido substituiu em mim todo terror de quando eu tinha doze anos por momentos de humor e até de certa vergonha alheia, mas sem com isso destruir a gostosa sensação de nostalgia.

O filme acompanha Marty Coslaw (Haim), um menino paraplégico de doze anos, que junto com sua irmã Jane (Megan Follows), após perderem um amigo, a descobrem que a série de assassinatos que vem acontecendo na cidade onde moram, a pequena e pacata cidade de Tarker’s Mill no Maine, é obra de um lobisomem. Os irmãos agora terão de encontrar um adulto que acredite neles e buscar descobrir quem é a pessoa que carrega a maldição.

Lembro quando assisti “Bala de prata” pela primeira vez! Eu devia ter um pouco menos que idade do protagonista e mesmo o filme passando às duas horas da tarde, não nego que a ideia da trama trazer um guri paraplégico fugindo de um lobisomem em uma cadeira de rodas motorizada no meio dos bosques de uma cidade no interior do interior dos EUA, me assustou bastante. No entanto, rever esse filme mais de vinte cinco anos depois, impressiona como muitos dos filmes oitentistas, diferente de alguns clássicos, mas muito parecidos comigo envelheceram mal, embora continuem divertidos.

O lado divertido do filme é a já mencionada nostalgia no melhor estilo “Stranger Things”, que faz quem tem mais de trinta anos, olhar com carinho todas as extravagâncias da história e relembrar um tempo mais ingênuo e sem o bombardeio de informações que sofremos hoje, onde ainda era possível soltar pipa na rua até de madrugada, ou sair à noite para detonar fogos de artificio ou coisas que o valham. Sem contar que o filme tem uma vantagem sobre as produções modernosas, que é o simples fato de que, diferente da série do streaming mais famoso de todos os tempos, toda aquela breguisse não é emulada, mas real! O filme desenhava um retrato do momento onde foi produzido, o que serve para os jovens matar a curiosidade de como era um mundo sem internet, TV a cabo, celulares e videogames.

De zero a cem em 5.8 segundos!
Mas o que me fez assistir a esse “clássico” até o fim com um sorriso no rosto foi seu lado ruim, que é o roteiro.  Se há uma coisa que eu adoro, são filmes “ruins bons”, aqueles filmes que são produzidos de maneira séria, mas que devido aos cacoetes de seus diretores ou deslize de seus roteiristas agregam certos absurdos que o destacam em meio a tantas outras obras. “Bala de prata” não é diferente, além de trazer todos os estereótipos de filmes de adolescente dos anos oitenta, como o protagonista sendo visto como diferentão (nesse caso deficiente), a irmã que quer ser popular, O tio perdedor e bêbado que é o único que acredita nas crianças e os pais ausentes, nenhuma situação ocorrida no filme parece ter um porque e o questionamento que isso gera rendem bons momentos.

Exemplos dessas situações, que são o tempero da trama, estão todas ligadas ao próprio Lobisomem, em especial a sua aparição na cidade. (SPOILER À FRENTE) O Lobisomem é o reverendo da cidade (pronto falei) e após algumas mortes em seu currículo, o vemos tendo um pesadelo onde todos de sua paróquia (que toda noite se reúnem para cantar “Amazing grace” ) se transformam em lobisomens e partem para cima dele e ele acorda pedindo a Deus para que a maldição acabe, o que nos induz a pensar que a maldição é , de alguma forma, divina; eu mesmo cheguei a achar que a transformação tinha algo a ver com os pecados de alguns habitantes, pois a primeira vítima é um alcoólatra que batia na mulher e a segunda uma suicida, mas todas as teorias caem por terra, após a irmã do protagonista expor a ideia de que talvez nem o próprio reverendo saiba o porquê das transformações, o que confirma com o mesmo, logo depois, tomando para si a postura de vilão e deixando qualquer resposta apenas na especulação.

"alguém sabe onde encontro um Chapel XXXL?"
Outra coisa maluca que se soma as excentricidades do roteiro é a decisão genial do casal de irmão de chantagear o reverendo/lobisomem via cartas com letras recortadas de revistas, pedindo educadamente para que ele se retirasse da cidade, o que não dá muito certo. Mas esse “deslize” dos irmãos é pinto perto da ideia fantástica de um grupo de cidadãos indignados que decide caçar o “maníaco do bosque” à noite no meio da floresta, portando espingardas e bastões de baseball e a cena que se segue com o lobisomem batendo em um deles com um bastão até a morte (Sim! O lobisomem mata um cara com um bastão de baseball!), fato que gerou a capa do VHS do filme com uma mão peluda e com garras segurando um bastão para duas crianças amedrontadas. E nem vou comentar sobre a piadinha do protagonista ao final sobre sua própria deficiência. Isso, meus amigos, são os anos oitenta!

Apesar das loucuras, ou melhor, graças a mesmas, adorei ter revisitado “Bala de prata”, fez lembrar um tempo mais leve da minha vida, onde os monstros eram pessoas com uma roupa de pelúcia e uma cabeça enorme de lobo, quando não um cara grande com um facão e uma máscara de hóquei e não frustrações que se acumulam e boletos que se empilham. Um clássico do cinema em casa capaz de trazer a nostalgia com força e arrancar gargalhadas de doer a barriga, mas não sem conseguir dar os sustos que promete.

Então, se tiver mais de trinta e cinco anos e quiser assistir a algo que lembre a infância, procure por “Bala de prata” e deixe sua mente passear livre pelos anos oitenta por noventa minutos e aproveite o mês do Lobisomem.

Só tome cuidado com a Lua.

             

sexta-feira, 5 de maio de 2017

THE WARRIORS - os selvagens da noite (1979) #Zerocult 6


Nova York, 1979. Antes da Máfia ser esmagada, antes da economia americana voltar a crescer, antes do talco sem cheiro dominar os embalos de sábado e, principalmente, antes de proibirem crianças com menos de seis anos de escreverem um roteiro para cinema, um grupo de nove membros de uma turma da pesada parte em uma fuga alucinante depois de serem acusados de um crime que não cometeram. Sim meus amigos! hoje falaremos sobre "The Warriors", ou como foi chamado em nossas terras tupiniquins, "Guerreiros, os selvagens da noite", a maior Ode já feita ao tosto mundo das gangues novaiorquinas e que, além de comprovar que entre os anos setenta e oitenta o mundo entrou em outra dimensão, foi a produção responsável pela uma frase que me persegue por décadas:

"Guerreiiiroosss... Venham aqui Brigaaarrrr!"


"The Warriors", conta a história de nove representantes da Gangue dos Guerreiros, originária de Coney Island, que, assim como outras cem gangues da cidade, é convidada a participar de uma "assembleia" organizada por Cyrus, o líder da maior gangue de Nova York, "Os Riffs", com a intenção de organizar e unir os grupos divergentes e assim dominar a cidade. A reunião, que ocorre no território dos Riffs, no Bronx, começa a empolgar os representantes das Gangues, mas no meio do discurso, Cyrus é assassinado por Luther, o líder do "Rogues", que percebendo, em meio a confusão, que um dos membros dos Guerreiros viu quem atirou, os incrimina, fazendo com que a turma de Coney Island passe a ser alvo da perseguição de todas as outras gangues em uma fuga do Bronx até o seu território, a mais de trinta e cinco quilometros de distância. Restará agora aos Guerreiros, provarem que realmente são uma "Turma da pesada".


O filme é um clássico, não tem como não falar isso. Sua trama, mesmo datada, ainda hoje consegue prender o expectador, mesmo que seja para arrancar dele umas boas gargalhadas. Baseado no livro homônimo de Sol Yurick (que no Brasil se encontra a venda pela Darkside Books), com uma forte inspiração no musical clássico "West side story", o filme foi roteirizado e dirigido por Walter Hill, que além dessa pérola das madrugadas, dirigiu "Ruas de Fogo", que é outro clássico do corujão, "inferno vermelho", com Schwarzenegger e Jim Belushi e o "Lutador de Rua", com o mito Charles Bronson, além de produzir "Alien - o oitavo passageiro", e trouxe no elenco uma galerinha jovem que, fora dois ou três não tiveram uma vida muito produtiva e extensa no meio do cinema. Mas quem se importa com a vida profissional dos atores, quando temos diante de nós uma obra de tal magnitude, cheio de personagens marcantes e , acima de tudo, abençoada pela maravilhosa dublagem brasileira do início dos anos oitenta?



Os personagens são fantásticos e tem muito para falar ao mundo de hoje sobre personalidade. Para começar, os protagonistas se deslocam pela noite Novaiorquina, ostentando apenas um colete de couro vermelho, suas calças jeans e tênis, dentre eles, temos Cleon, que usa uma bandana tigrada na cabeça e Snow, que possui um black power aerodinâmico, mas nenhum dos outros oito protagonistas, chega aos pés de Cochise, o guerreiro, que além de ser dublado pelo mesmo dublador do Eddy Murphy, é um cidadão afro-americano, que além do blackpower da moda daqueles dias, utiliza adornos indígenas, um tapa na cara de quem hoje em dia vem falar de moda étnicas ou apropriação cultural. Cochise é o meu personagem preferido, sendo seguido de perto por Luther, o líder assassino dos Rogues, que do alto de seus um metro e sessenta, com sua cara quadrada e voz de taquara rachada, é o emissor da frase que me atormenta e a qual já cite acima, mas que além de tudo, ainda traz em si o mais clássico talento para agente do Caos, sendo o responsável por toda confusão e azar, que os guerreiros e os Riffs acabam vivenciando.

Guerreiiiroossssss
Falando da Voz de taquara de Luther, é impossível assistir ao filme dublado e não ficar completamente hipnotizado pela dublagem brasileira. Com vozes consagradas como a do ator Nizo Neto (filho de Chico Anísio (que dublou Ferris Bueller e o Presto de "a caverna do Dragão)) no papel de Vermim; Mário Jorge de Andrade ( Eddy Murphy) como Cochise e o dublador clássico do Stallone (que esqueci o nome) dando o sotaque malandro brasileiro ao Luther. Nesse show de dublagem, temos o prazer de ver traduzidas para nossa língua as gírias americanas do final dos anos setenta e o resultado é maravilhosamente bizarro, não faltam "Aê meu cumpadi", "acho que cês tão tudo virando a mão" e até a frase de ouro do filme, que é proferida quando o líder dos fugitivos, forjado no calor da fuga, fica a sós com a "mocinha" e no meio de uma conversa filosófica sobre a vida e perspectivas, fala para a jovem: " Vem cá, tu é chegada em uma horizontal, heim! Já pensou em amarrar um colchão nas costas pra facilitar?!". Pura elegância!

Vocês sacarammm??
Fora suas falas, muitas vezes sem sentido ou seus tropeços de roteiro (como: de onde o Snow tirou aquele coquetel molotov?) , a produção traz cenas bem legais de luta. Como quando Cyrus é assassinado e o Líder Guerreiro Cleon, vai conferir o que houve e tem que se defender da multidão na mão, ou quando Cisne ( que passa ser o líder) bola uma armadilha em um banheiro contra a gangue dos patinadores e a porrada come solta, com direito a taco de basebol quebrado em barriga e porta quebrada com a cabeça.


Além disso, não me ocorre nenhum outro filme de fuga nesse mesmo estilo antes de "the Warriors", me passando a sensação de que Apocalypto", filme de Mel Gibson de 2006, que é basicamente uma fuga de um território inimigo até o seu, tem muito de inspiração na obra de Walter Hill de 1979, assim como o último "Mad Max"e isso não é pouco.
Para Complementar sobre a influência e carinho que o filme cativa, os irmãos Russo, que dirigiram Capitão América 2 e 3, anunciaram a produção de uma série baseada no livro/filme "The Warriors" e que deve chegar para nós nos próximos anos, mostrando que muita gente ainda guarda esse filme no coração e sonha em usar aquele colete de couro vermelho.

Pois bem, "Guerreiros - Os selvagens da noite" é um desses clássicos cults, que por muito tempo habitaram as madrugadas dos canais abertos e que todo mundo conhece ou já ouviu falar. É a representação máxima, embora muito caricata, de um período histórico americano onde a falta de perspectiva é o que norteava a vida de muitos jovens e que até hoje encanta pela melancolia ou pelo tosco carismático, suas falas são datadas, o roteiro quase não existe, a estética é brega, mas mesmo assim o filme é extremamente divertido, o típico filme que é tão ruim, que dá a volta e fica ótimo, que tanto merece, como deve ser assistido, entendeu bem aê ô meu chegado?!

Da esquerda para direita: Snow, Ajax, Vermim, Cowboy, Cochise, Rembrant, Foxy, Cisne ( The Warriors)



quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

"THEY LIVE" (Eles Vivem) - 1988 #zerocult 5




O ano de 2017 vem sendo marcado por uma constatação fantástica: Voltamos no tempo! É só olhar o noticiário ou correr os olhos pelas timelines das rede sociais e as provas vão ser atiradas em nossas caras; é caça aos comunistas, ultra nacionalismo ganhando força, luta contra os direitos humanos, inflação, desemprego, extremismo religioso, em fim, parece que retrocedemos, pelo menos, trinta anos e vivemos agora em uma realidade focada na ignorância, onde a maioria serve de massa de manobra para um pequeno grupo.

Talvez eu esteja sendo pessimista com o ano, afinal ele apenas começou e nem passamos do carnaval, mas eu, que sou fã de distopias, penso que estamos as portas de uma e tenho plena convicção de que tudo que anda acontecendo no mundo, daria uma boa base para o roteiro de um filme de ficção científica. Só que tem um problema, esse filme já foi feito e para se somar as estranhezas desse ano, foi filmado a exatos trinta anos. Trata-se de "They Live" (ou, "Eles vivem"), um dos clássicos dirigido pelo mestre do terror e ficção científica oitentista John Carpenter e que revendo hoje, me parece estar mais para um documentário do que para um filme.

Obedeça
"They live" conta a história de George Nada, um andarilho que transita pelos Estados unidos a procura de uma vida melhor. Em uma dessas viagens ele desembarca em uma grande cidade onde se emprega na construção civil e consegue abrigo em uma comunidade apoiada por uma igreja. Desconfiado dos movimentos noturnos dessa igreja, Nada, resolve investigar e se depara com uma misteriosa reunião e com um laboratório e, vendo diversas caixas fechadas, resolve furtar uma, descobrindo depois que se tratavam de óculo escuros. Sem saber como conseguir lucro com o que pegou na igreja, ele pega um óculos para si, fato que mudará para sempre seu ponto de vista em relação ao mundo.

Os óculos fabricados na igreja, mostram ao protagonista uma verdade que ele não tinha acesso a olhos nus, onde propagandas em outdoors e matérias inteiras de revistas são substituídas por simples ordens que mandam "reproduzir", "consumir" e "obedecer", no dinheiro se vê a frase "esse é seu Deus" e até o semáforo da rua emite a frase "durma" repetidamente para quem anda por ali. Para finalizar, George ainda descobre que ao usar os óculos, algumas pessoas se apresentam como figuras assustadoras, com o rosto de uma caveira azul e olhos prateados, fatos que o levam a perceber, depois que se envolve em muitas confusões, que a terra foi invadida por uma raça de alienígenas, que se infiltrou e tomou o poder para si, transformando os humanos em uma massa de manobra e mão de obra hipnotizada e, que a única maneira de se livrar do julgo dos invasores é se juntar a pequena resistência que ele havia espionado na igreja. Mas como uma resistência, composta por meia dúzia de pessoas desacreditadas, poderá enfrentar quem comanda o planeta inteiro e nem mesmo é percebido?

Eu sou muito suspeito para falar de qualquer filme de John carpenter, de quem já me declarei fã inúmeras vezes. O cara deu a cara ao cinema de terror moderno através de clássicos como "Halloween" (1978), "O enigma de outro mundo" (1982), "À beira da Loucura" (1994) entre outros, mas tenho de dizer que "Eles vivem" se coloca para mim um degrau acima devido ao fato de seu flerte com a ficção científica e a mensagem de questionamento que o autor tenta passar ao espectador, assim como os conceitos e a maneira visual tremendamente original que o diretor opta por utilizar para transmitir as ideias do filme.

Consuma
A critica social que o filme traz em suas entrelinhas é apresentada no exato momento que percebemos que o protagonista tem o sugestivo nome de "Nada", fato o que vem a somar a trama, se relacionando tanto ao poder do mesmo frente ao inimigo que enfrenta, quanto ao sentimento dos trabalhadores americanos dentro do contexto histórico que passava os Estados Unidos quando o filme foi produzido. Vale lembrar que nos meados dos anos oitenta, os E.U.A ainda sofriam com a crise do Petróleo e que sua industria automotiva vinha perdendo espaço para a Japonesa, fatores que geraram desemprego e desesperança , o que é demonstrado de forma semelhante em outros filmes, como na comédia "Fábrica de loucuras" (1986) de Ron Howard, onde uma montadora americana é fechada e um funcionário vai até Tóquio buscar auxilio da industria japonesa, mostrando a crise no cenário americano, ou "Robocop" de 1988, onde o cineasta Paul Verhoeven utiliza uma ideia pessimista para mostrar uma Detroit, outrora símbolo da industrialização, como uma cidade pobre, violenta e perdida, tal qual a cidade onde nosso protagonista desembarca com o sonho de dias melhores, mas que só lhe apresenta recusas, miséria e força bruta, como se ele realmente, nada fosse.

Essa desumanização, que no filme é apresentada de maneira muito sutil, ao nomear o protagonista de Nada, faz um paralelo extremamente importante com a questão da distopia e o momento que vivemos hoje. Da mesma forma que no filme, hoje existe a influência por não dar rostos e vozes à grupos de pessoas que pensam diferente de nós e nossas bolhas sociais, apagando seu individualismo e os relegando a massa, como se todos que pensam diferentes de nós tivessem os mesmos desejos e pontos de vista; meros números que não somam aos nossos interesses, fato semelhante que ocorre em distopias, como "1984", ou "Uma história de amor real e super triste" e que vemos quase diariamente na internet, quando manifestações por melhorias ou buscando direitos, são rechaçadas com violência e comemoradas por quem pensa de forma diferente.

Eu vim aqui pra mascar chicletes e chutar traseiros...
Outra coisa que é bacana e original para a época, é o fato dos vilões, serem os típicos representantes do "sonho americano". Em uma época onde a guerra fria ainda dava seus últimos suspiros, colocar o bem sucedido cidadão americano como o responsável pela degradação da sociedade, mesmo que afirmando que o grosso destes eram alienígenas, era algo quase impensável no cinema, mas é exatamente o que Carpenter faz, ao mostrar através das mensagens subliminares que o protagonista descobre através de seus óculos, que o poder dos extraterrestres vem do consumismo e da futilidade que se tornaram o objetivo final da raça humana, algo que ia totalmente no sentido oposto as mensagens passadas pela maioria dos filmes de ação da época, que apresentavam inimigos comunistas que tinham por objetivo destruir a sociedade perfeita americana, uma olhadinha em "Rocky IV" exemplifica exatamente o que estou dizendo.

O fato de os extraterrestres serem as pessoas que dominam o planeta financeiramente e por isso manipulam os seres humanos através dos desejos e não da força, também fala muito sobre os dias atuais. Em uma sociedade que vem se baseando na satisfação pelo consumo e buscando uma felicidade que só tem valor quando é aplaudida pelos outros, utilizar de força bruta é desperdício de energia, quando se pode induzir as pessoas a desejar ter tudo que se diz que é bom. Dessa forma, o filme apresenta um cartaz com uma bela Praia e, ao colocar os óculos, o protagonista lê apenas consuma, e, aquela viagem passa a ser o objetivo das pessoas que passam por ali, da mesma forma que hoje, ao colocar-se propagandas na TV de celulares da última geração, ou do "carro do ano" buscar conseguir esses itens, será o objetivo de vida de quem se encontra distraído em frente ao televisor, sem perceber que ele foi reduzido de pessoa, para um simples consumidor angustiado e, muitas vezes, frustrado.

Esse é seu Deus
Esse desconforto com o que a vida vem se tornando e a crítica social que John Carpenter faz ao mundo que estava surgindo, é o fato que mais me fascina nesse filme. A ideia de que poucos são sustentados por muitos e que estes, hipnotizados por televisores e a promessa de um amanhã melhor, defendem uma minoria abastada como uma massa de manobra sonolenta, que ignora a verdade que está na frente de todos, mas que ninguém está olhando de verdade, pois estão entorpecidos por sonhos e cores brilhantes, quando na verdade o mundo se apresenta em distintos tons de preto e branco, onde se gritam palavras de ordem que são obedecidas sem o mínimo questionamento.

Case e se reproduza
No entanto, o diretor não nega que muitos daqueles que são chamados de povo, também possuem seu quinhão de culpa, até porque ninguém se torna opressor, sem um pouco da ajuda dos próprios oprimidos. Assim temos alguns personagens, que mesmo em posição de servidão, optam por ajudar os invasores, na esperança de partilhar com eles do poder e riqueza que estes ostentam; como o personagem que passa toda primeira parte da trama assistindo TV e reclamando de dores de cabeça quando a transmissão dos aliens é interrompida pelo sinal da resistência, acabando por se mostrar um colaborador e, possivelmente, informante dos invasores no final do filme.

Personagens como estes são recorrentes em distopias. Em "Matrix" temos Cypher, que busca um acordo com as máquinas para ter a vantagem de voltar para a matriz, em "1984" temos o vizinho de Smith, que mesmo fora dos padrões do partido apoia tudo que este faz, se sentindo orgulhos até em seus derradeiros momentos, quando seus filhos o delatam; gente assim vem ganhando espaço casa vez maior em nosso mundo, buscando vantagem e apoiando cegamente os interesses de quem acreditam poder acompanhar no crescimento, não percebendo que são reles números servido de escada para alguns privilegiados.


Por toda sua crítica a uma sociedade que vem se tornando cada vez mais consumista e menos racional, além da diversão que proporciona, "They Live" é um filme obrigatório para quem é fã de ficção científica, distopias ou apenas sente um desconforto com os movimentos extremos que vem cada dia mais ganhando força. Um filme que, além de divertir com um toque de teoria da conspiração, ainda nos mostra que tudo nessa nossa sociedade é cíclico e beneficia alguém, mesmo as crises e épocas difíceis. Uma obra prima de John Carpenter em sua melhor forma que, fora os ET's, beira ao documentarismo. Então se você se sente desconfortável, oprimido, hipnotizado, ou mesmo se tem uma esperança crescente em se dar bem na vida com base nas propagandas de TV, ou mesmo quem não sente nada e quer ver uma trama oitentista, que mistura luta livre, alienígenas e teoria da conspiração, assista a esse filme e te garanto que será como ver o mundo através de uma lente da verdade.


Trailer:



 

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

A ILHA DO DR. MOREAU - H.G Wells


Meu gosto por ficção científica nasceu da vontade de enxergar através da visão dos outros como poderia ser o futuro, por esse motivo, sempre preferi autores que me entregassem mundos que fossem uma evolução do nosso em algum sentido, seja introduzindo a inteligência artificial como algo normal e corriqueiro, seja nos apresentando uma sociedade dividida em grupos, ou mesmo mostrando aonde os absurdos que o extremismo pode acabar nos levando. Mas nesse meu desejo de olhar para frente, acabei dando pouca atenção para obras de escritores que foram responsáveis por, além de fundamentar o gênero e inspirar muitas outras histórias e produções, falar diretamente com seu tempo e mostrar pioneirismo em utilizar muitos conceitos abordados até hoje. Um desses autores, foi H.G Wells, a mente criativa responsável por obras como "A máquina do tempo", "O Homem invisível", "A guerra dos mundos" e "A ilha do Dr.Moreau", livro de 1896, que li recentemente e que me surpreendeu por abordar, além das questões relativas a ciência da época, muito sobre ética, religião e filosofia, reabrindo meus olhos sobre a necessidade de se conhecer os clássicos.

"A ilha do Dr. Moreau" conta a história de Prendick, um náufrago sobrevivente do navio Senhora Altiva, que é resgatado em auto mar e levado, pelo médico Montgomery, que alugava a embarcação que o salvou para transportar animais, para uma ilha vulcânica no pacífico. Nessa Ilha, ele conhece o Dr. Moreau, um cientista que usa o lugar como laboratório de suas misteriosas experiências. Conforme os dias vão passando, todo mistério presente naquela porção de terra isolada vai se esclarecendo e Prendick descobre que Moreau e Montgomery, na busca por humanizar animais, utilizando experiências de Vivissecção e hipnose, criaram uma assustadora sociedade de seres disformes, meio homens e meio animais, com leis e religião própria. Mas será que os esforços dos cientistas serão o bastante para que os homens-animais consigam ignorar sua natureza inata?




Quando comecei a ler o livro tinha a sensação de que a história tinha pouco de novidade, como se eu já tivesse encontrado tudo que o autor queria me passar em outras obras, sem perceber que essa sensação era originada justamente da influência de H.G Wells na cultura pop. Isso me veio a mente ao lembrar que meu primeiro contato com esse livro, foi a adaptação para o cinema lançada em 1996, exatamente cem anos após a primeira publicação da história, sendo que esta foi a terceira produção áudio-visual baseada na obra, antes foram lançados outro filme homônimo em 1977 e "A ilha das almas selvagens", em 1932; só após perceber isso e buscar ler o livro com olhos da época, assim compreendendo que o que o escritor entregava era algo original e pioneiro, pude apreciar toda criatividade e visão do autor, mergulhando em um universo que, mesmo datado no que tange a muito que ele aborda como ciência (a final, o livro tem mais de 120 anos), apresenta conceitos presentes até hoje na ficção e discussões sociais interessantes que deixam claro porque Wells se tornou um dos maiores nomes da ficção científica da história.

Homem-Leopardo (filme de 1996)
O que mais chamou minha atenção no livro foi a questão social que a história aborda. A obra trás todo um paralelo impossível de se ignorar sobre a ideia de superioridade que muitos povos, no decorrer dos tempos, acreditavam possuir, assim como a violência de se impor os costumes e ideais sobre quem se encontra sob o julgo destes povos. Os homens animais que vivem na ilha, são forçados a ignorar sua natureza, cumprindo regras impostas que não lhes permitem caçar ou consumir carne, andar de quatro patas e não sugar a água com a língua, em resumo, eles não podem ser o que são por contrariarem as ideias que Moroe tem de sociedade, mesmo o doutor e seu associado representando uma minoria na ilha e sendo eles próprios desprezados pela sociedade que usam como base por ignorar a ética em suas experiências, uma evidente representação da opressão colonizadora européia do século XIX. O próprio choque com os costumes e aparência dos nativos da ilha, que se torna frequente na narrativa do protagonista, corrobora para a visão de superioridade social que parece ser parodiada diretamente do contexto histórico inglês, sociedade a qual o escritor pertencia e que na época da publicação do livro, se encontrava dominando lugares tidos como exóticos, como a índia e Hong-kong, onde impunham suas maneiras,cultura e mesmo a religião.

Falando em religião, o uso da mesma como ferramenta de dominação é outra parte muito interessante da trama. Na história, o autor traz como regulador dos desejos e instintos da sociedade da ilha uma série de leis que, somadas a superioridade intelectual e de personalidade dos cientistas, atuam como uma religião para os homens animais, impondo limites a seus instintos primitivos mesmo quando as criaturas se encontram longe dos olhos de seus criadores e fornecendo a esses, status de deuses imortais e de poderes absolutos de vida e de morte dentro daquela sociedade, sendo, ao grupo das criaturas, reservado o destino de servos e escravos passivos, temerosos de um castigo proveniente de qualquer deslize.

A hiena entre outros (filme de 1996)
Um fato que não me agradou muito no livro é a forma descritiva que o autor faz de todos pormenores que o protogonista encontra na ilha. Fora os animais humanizados, que são o tema central da trama e que refletem as experiências nada éticas do cientista que tem seu nome estampado no título do livro, descrever todos detalhes da ilha, incluindo como se forma sua costa, o tipo de terreno e vegetação, parece uma forma de enxerto para estender a história e por vezes isso cansa; essa forma detalhista era bastante utilizada em muitos textos da época e até um pouco depois, como visto em "Senhor dos anéis", onde Tolkien chega a falar do formatos das folhas das árvores, mas , embora não prejudique a leitura em si, ou atrapalhe a reflexão sobre o tema central, quebra bastante o ritmo de quem está acostumado as dinâmicas tramas modernas.

No entanto, mesmo com uma variação no ritmo, "A ilha do Dr. Moreau" se apresenta como um livro obrigatório para quem é fã de ficção científica, do mesmo modo que toda obra de Wells. Consegue se sustentar e entregar uma história divertida e por vezes assustadora, onde, embora pareça datada por utilizar conceitos de ciência biológicas do século XIX, é bastante atual quando trata de ciências sociais, batendo em pontos que até hoje são abordados, como opressão cultural, o poder da religião e a ética científica. Uma aula de como utilizar a ficção para desconstruir a sociedade onde vivemos, me fez reabrir os olhos para os clássicos e perceber que não há visão de futuro, se não observarmos com certa reverência o passado que o moldou.





segunda-feira, 28 de novembro de 2016

NEM TUDO É O QUE PARECE (2004)

Resolvi dar uma freada nos filmes, séries e livros de Ficção científica e fugir para o outro extremo, me atirando nas produções sobre o submundo e criminalidade. Não! Eu não dei as costas para as distopias e viagens espaciais para fazer maratona de “Cidade dos homens” ou ver de novo “Cidade de Deus”, fui atrás de algo mais real, mas não tão real assim e acabei encontrando um filme de 2004, muito pouco comentado, mas com um elenco de respeito, um diretor que eu gosto muito e uma história fantástica. Estou falando de “Nem tudo é o que parece”, dirigido por Matthew Vaughn e estrelado por Daniel Craig, que me entregou uma trama tensa que me deixou preso no sofá até que o último ponto nos créditos finais fosse apagado da tela.

O filme conta a história do senhor X (Daniel Graig) um traficante Londrino, que seguindo seu plano de negócios, resolve se aposentar antes que seja tarde e fique muito envolvido com o submundo. Às vésperas de largar a criminalidade, ele recebe uma missão de seu principal fornecedor: encontrar a filha desaparecida  de um grande amigo; ao mesmo tempo que seus associado lhe convocam para avaliar e procurar compradores para poderosas pílulas de esctasy vindas do leste Europeu trazidas por um conhecido nada confiável. O que o senhor X não sabe é que está entrando em uma trama de traição, ganância e violência muito além dos aceitos dentro de sua ideia de negócios, que pode ser uma viagem sem volta dentro do buraco negro mafioso do submundo de Londres.

O Nome do filme em Inglês é “Layer Cake” (Bolo em camadas), traduzir esse título ao pé da letra para o português ficaria estranho, mas dentro do próprio filme esse título é explicado e acaba por fazer sentido, já a opção de colocar o nome da produção de “Nem tudo é o que parece”, não ajudou em nada como chamariz, acabando por dar pouca credibilidade a história por parecer que se trata de uma comédia para “toda família” protagonizada pelo Leandro Hassum e isso foi o pior desserviço que uma tradução poderia fazer com um filme, pois apesar de (sem trocadilho com o bolo) seguir uma receita conhecida e, por muitas vezes, deixar o expectador tonto devido ao número de personagens e as conexões que eles tem entre si, “Nem tudo é o que parece” é um filme bem inteligente e divertido que não merece ser esquecido.



Falei que o filme segue uma receita, porque ele vem na onda dos primeiros sucessos do diretor Guy Ritchie, “Snatch-porcos e diamantes” e “Jogos trapaças e dois canos fumegantes”, abordando o universo do submundo de Londres, utilizando diversos personagens, com mortes bizarras, tramas que se dividem em dezenas de pequenas sub-tramas e um final surpreendente, sendo a direção tendo ficado, não por acaso, nas mãos de Matthew Vaughn, que já havia produzido “Snatch” em 2000 e emula a direção de Rirchie nesse filme, mas já mostrando muito do diretor que viria a se tornar mais a diante, com suas sequências rápidas, as trocas de cenário para explicar as consequências dos fatos, as cores fortes e a iluminação bem clara sempre presente.

A história tem pelo menos vinte personagens com relevância. Isso pode acabar deixando quem assiste bastante confuso, pois no filme, que possui apenas uma hora e meia, muitos desses personagens são, muitas vezes, apenas citados pelos que estão em cena e, se lembrar dos nomes e apelidos de quatro ou cinco pessoas que conhecemos em um dia não é fácil, imagina o de duas dezenas de personagens de um filme curto? Mas isso acaba por dar mais tensão ao filme, pois somos obrigados a assisti-lo com toda atenção do mundo, ou acabamos por perder o fio que conduz a trama, já que ali nem tudo é o que parece (Pá-bum- Tss).

O roteiro do filme é muito bem escrito por J.J Connolly, sendo baseado em uma novela do próprio roteirista e a história prende porque, penso eu,  os filmes sobre o submundo são fascinantes para a grande maioria das pessoas. Talvez por apresentar um universo secreto, um lugar marginal ao cotidiano e a rotina, que nos faz lembrar que somos animais, refreados muitas vezes, apenas pelas correntes da opinião da sociedade que nos cerca, ou talvez, simplesmente, por exaltar a força e a liberdade que possui quem não segue todas as regras. Seja pelo motivo que for histórias sobre o mundo do crime são quase certeza de sucesso, principalmente se a mesma possuir uma trama complexa, que além de bandido, mostrar o protagonista como um homem de negócios e classe, se aprofundar em suas relações profissionais e nos entregar cenas pontuais de violência e diálogos inteligentes e, justamente isso, é o que a trama apresentada por Connolly nos mostra durante o tempo de tela.

Além do roteiro e direção competente, o filme ainda traz personagens fortes, como Gene, interpretado por Colm Meaney, o segundo no comando da quadrilha para quem o senhor x trabalha e que se impõe como cara durão mesmo não tendo o perfil físico  para isso; do mesmo modo temos o responsável pela segurança do protagonista, Morty (George Harris), sempre sério e impassível e que explode em uma cena que faz quem está assistindo perguntar o que está acontecendo. Também é legal ver alguns atores que hoje são estrelas, começando suas carreiras, como o mirrado Daniel Craig, que estava longe de ser o James Bond dos últimos filmes da franquia 007, ou um Jovem Tom Hardy, grande nome depois de Mad Max, que ali se apresenta como um inexpressivo coadjuvante aliado do senhor X que pouco influencia a trama.


Seja pelo motivo que for, “Nem tudo é o que parece” é um filme muito bacana e merece ser assistido, principalmente para quem, assim como eu, gosta daquele estilo característico inglês fundado por Guy Ritchie. Para se ter uma ideia o filme, mesmo parecendo imitar o estilo do ex-marido da Madona, me parece ter influenciado o mesmo no último filme do diretor  nesse estilo, “Rock n Rolla”, de 2008 e isso por si só mostra a qualidade da produção. Mas o grande trunfo de “Nem tudo é o que parece” é se sustentar sozinho, mesmo fazendo referência a outras produções e nos dias de hoje, onde tudo parece uma repetição de uma repetição de roteiros, um filme que tenta lembrar outros e mesmo assim consegue surpreender é uma joia rara, então não perca tempo, assista, “Nem tudo é o que parece” e preste bem a atenção na trama, pois embora a história se apresente em diversos níveis, como um bolo em camadas, nem tudo é o que parece e o final  vai te deixar com um amargo na boca por um bom tempo.



sexta-feira, 14 de outubro de 2016

WESTWORLD (1973) O filme que deu origem à série da HBO


Dia dois de Outubro estreou no canal HBO, “Westworld”, série de ficção científica escrita por Jonathan Nolan e produzida por J.J Abrams, que já chegou metendo o pé na porta e mostrando a que veio, com um piloto com um potencial gigantesco onde se destacou, além do conceito de inteligência artificial, a brutalidade e Filosofia que nos aguardam para essa temporada. No entanto, o que pouca gente sabe é que a série é baseada em um filme lançado em 1973 pela Metro Goldwyn Mayer, escrito e dirigido por Michael Crichton, o celebre autor de “Jurassic Park” (esse cara era doido por um parque temático) e estrelado por Yul Brynner, Richard Benjamim e James Brolin.

"WestWorld" conta a história de um parque multitemático feito para adultos, onde as pessoas podem realizar seus sonhos e fantasias mais ferozes em três cenários, a idade média européia, o Império romano e o Oeste selvagem americano, todos povoados por robôs programados para simularem como se estivessem realmente naqueles ambientes, tanto no tocante a violência, quanto a sedução, com a vantagem que nenhum humano pode ser machucado por uma máquina, apenas ser agradado e tudo isso pela bagatela de mil dólares diários.
É em um voo para o parque, que somos apresentados a Peter e John (Benjamim e Brolin, respectivamente), dois turistas, que resolvem sair da rotina e viver uma temporada de aventura no velho Oeste americano, atirando em pistoleiros, bebendo em saloons e dormindo com damas de vida fácil (por assim dizer), tudo vai como o planejado durante grande parte de suas estadias, no entanto, pouco a pouco, um bugs vai tornando os robôs menos obedientes e amistosos, colocando em risco, além do roteiro e encantamento do parque, a própria segurança dos visitantes.


Assistindo o filme com os olhos de 1973, o enxergo como, mais do que uma obra divertida e imaginativa, mas, como uma produção inovadora. Para começar temos um prólogo no filme, onde um apresentador quebra a quarta parede e fala direto com o espectador, entrevistando pessoas que voltaram do parque e fazendo um convite claro a quem tiver os mil dólares diários necessários para a estadia, lembrando muito o que foi visto quinze anos depois, em Robocop. Outra coisa é o conceito de lugar livre de amarras morais, onde quem paga, pode fazer o que quiser, algo que foi uma das principal heranças para série da HBO, junto com a questão de ego e o ato de ser dos robôs, que é bastante rasa no filme e parece apenas circundar o robô vivido por Yul Brynner , dando a entender que o bugs os liberta, mas não modifica sua programação, algo que a série irá trabalhar muito melhor, principalmente porque parece girar em torno das escolhas e descobertas dos robôs e não exatamente do temor humano.
A tecnologia dos anos setenta


No entanto, essa não possibilidade de fuga da programação, do mesmo jeito que dá o motivo de ser do filme, que são robôs programados para lutar e desafiar humanos, livres de suas limitações programadas, contradiz a si mesma, quando alguns robôs que são feitos para satisfazer sexualmente os humanos, resolvem executa-los de forma convencional (tiros e facadas) ao invés de mata-los de tanto fazer sexo, que seria muito mais alinhado com o que os definia a principio.

Essa primeira análise deixa claro que o filme possui alguns problemas de roteiro, que embora não maculem o conceito central, deixam furos que poderiam ser melhor trabalhados. O furo que mais me deixou encucado é referente aos visitantes coadjuvantes, no caso um tiozão de bigodes que vai para a parte de idade média do parque e o outro tiozinho de óculos, que vira o xerife do parque; primeiro é apresentado junto com os protagonistas, super empolgado e , depois de ter um romance com a rainha na terra medieval, acaba sendo morto pelo "cavaleiro negro" quando os robôs perdem o controle, sem ao menos ter um contato mais pessoal com os protagonistas, ou sua morte definir uma possibilidade de salvação para o grupo, sua história se justifica como sendo a do cara que está lá para morrer e nos mostrar que tudo deu errado. Pior ainda é o tiozinho de óculos, que surge como um nerdão, sempre se mostra atrapalhado e nem ao menos é visto se ele morre mesmo, sendo que as cenas onde ele é mostrado poderiam ser economizadas para aprofundar muito mais na questão do bug, ou no aprofundamento da história dos dois protagonistas, mas não dá para julgar, pois é um filme que foi escrito e lançado antes da ideia que temos hoje de inteligência artificial e onde a ação, no cinema, era mais valorizada do que o dialogo e reflexão.

Meu nome não é Bale
As Atuações são bem legais até para os dias de hoje, embora carregam muito dos trejeitos dos filmes do tempo em que foi feito, o que é normal. Yul Brynner parece reviver seu personagem em "Sete Homens e um Destino", usando até a mesma roupa, só que muito mais frio e impassível e, o cara estava em ótima forma, para quem na época tinha cinquenta e três anos, parecendo realmente durão; Já Richard Benjamim rouba o inicio do filme, falando sem parar e visivelmente com medo de tudo e, ao final, quando ele sobrevive as piores situações, quebrando a expectativa de que isso aconteceria com o personagem de James Brolin, o filme surpreende mais uma vez mudando o paradigma da época, e, Falando em Brolin, é engraçado ver o pai de Josh Brolin como um Jovem metido a charmozão e confiante, mas o que realmente chama a atenção é que ele é a cara do Christian Bale!!

Mas nada supera a ideia de "Futuro do pretérito" que o filme traz. Assistir a ideia de como seria uma tecnologia que pudesse dar "vida" a uma máquina com os olhos dos anos setenta é muito engraçado, para começar temos os painéis cheios de luzinhas, como em "Alien" e todas emitindo bips ao mesmo tempo, do mesmo modo, como o conceito de CD, pendrive e nuvem não existiam, o que o filme nos apresenta são PC's com enormes rolos de fita magnética e isso é muito louco, ao pensar na quantidade desse material para fazer três cidades com centenas de pessoas artificiais funcionarem; tudo isso somado a moda extravagante dos anos setenta, onde até o avião tem um papel de parede cafona, o que dá aquele charmoso ar de trash no filme, que só é superado quando o rosto de Yul Brymer desgruda da cabeça.

"Westworld" é um bom filme e, apesar de não trazer nada que revolucionou a época, entrega conceitos tão bacanas, que deram origem a uma das séries mais legais que estrearam esse ano. Uma obra que merece ser assistida por todo fã de ficção científica ou por quem deseja saber de onde veio a ideia que Jonathan Nolan irá explorar durante os próximos anos, então não perca tempo e, além da série, assista também ao filme, mas veja logo, antes que as maquinas despertem e percebam que os grandes vilões, na verdade, somos nós e se rebelem.