Somos prisioneiros de
ciclos. Acreditamos que o tempo simplesmente se desloca em linha reta do
passado para o futuro e que o presente é uma constante novidade, mas na verdade
seguimos vivendo ciclos que se repetem e se repetem sem que muitas vezes nem percebamos.
Então um dia você acorda com quarenta e
poucos anos e as coisas ainda estão iguais a como eram quando tinha vinte, se
frustrando em empregos que eram para ser temporários, cometendo os mesmos erros
na vida amorosa, enfim, patinando em todas as áreas da vida por não conseguir
quebrar essa prisão temporal que acreditamos se tratar apenas de rotina. Mas,
se no meio desse caos você percebesse que a repetição ou não dependesse de uma
atitude perigosa contra todas as ações que você insiste em aceitar, você
estaria disposto a correr os riscos?
Pois disfarçado de filme de golpe, com todos
os ares de blaxploitation, e abordando sobre o que a quebra ou aceitação dos
ciclos da vida podem definir na vida das pessoas, estreava no Brasil em 1998, “Jackie
Brown”, filme roteirizado e dirigido por Quentin Tarantino, estrelado pela
estrela dos filmes negros dos anos 1970 Pam Grier e baseado no livro “Rum
Punch” do escritor Elmore Leonard, que depois de vinte anos parece se firmar,
para mim, como o melhor filme do diretor e conversar com momento de encruzilhada
da minha própria vida.
Para quem não conhece o filme, a história
conta as desventuras de Jackie Brown (Grier) uma comissária de bordo de uma
pequena companhia aérea Mexicana que, para conseguir ganhar alguma grana a
mais, contrabandeia dinheiro para o traficante de armas Ornell Robbie (Samuel
L. Jackson), No entanto, após ser descoberta e presa pelo agente da ATF Ray
Nicollete (Michael Keaton), Jakye, começa a temer mais pelo seu futuro sem perspectiva
do pelo risco de seu contratante a achar uma dedo-duro e concebe um perigoso plano
para se livrar de Ornell, das acusações e alcançar certa estabilidade
financeira, virando em 180° a vida que parecia ser seu destino.
Como eu disse acima, não percebemos que
estamos presos a ciclos até que uma situação externa bata com força em nossa
cara. Foi exatamente isso que aconteceu comigo, quando em uma tarde de domingo
chuvosa resolvi reassisti ao terceiro filme de Tarantino e sentir como se
alguém gritasse dentro da minha cabeça se eu estava entendendo a mensagem.
Todos os personagens centrais da história estão às portas de repetir seus
ciclos de vida ou quebra-los e a atitude que tomam frente a isso é o que define
seus destinos.
Gara
Começamos com a protagonista, Jackie Brown,
que durante a trama confessa que já foi presa anos antes também por contrabando
e que depois de um tempo na cadeia, amargou anos de condicional, o que parece
tê-la quebrado, fazendo-a se resignar com o pouco que conseguiu depois. Ela
mesma confessa ao agente de fiança Max (Robert Forster) que parece estar sempre
recomeçando e que se encontra cansada disso. Sua quebra de ciclo ocorre quando,
após se ver pressionada pelo flagrante do agente da ATF, resolve ir de encontro
as suas antigas decisões e tomar o protagonismo de sua própria vida, utilizando
de sua esperteza e charme para se impor ao que parecia ser seu destino, o que
resulta em sua libertação e o alcance do que esperava para si.
O contrário ocorre para o restante dos
personagens da trama; que por receio, medo ou costume sofrem as consequências
de se manter presos à suas jornadas. Dois casos distintos são claros dentro da
história, o do ex-presidiário Louis Gara (Robert De Niro) e o Agente de Fiança
Max Cherry (Robert Forster).
Louis Gara não consegue fugir de si mesmo,
como se a prisão da qual foi liberto ainda o acompanhasse. A primeira coisa que
vemos do personagem no filme é ele retornando ao mundo do crime sob a proteção
de seu amigo Ornell e embora sempre transpareça confusão e por vezes apatia em
relação aos assuntos do parceiro, não move um musculo para mudar sua
perspectiva, o que com sua participação ao final da trama se pode encarar como
medo, um medo tão grande que se transforma em violência e inconsequência, selando
seu destino de forma definitiva.
Jakie & Max
Por outro lado, Max Cherry está
completamente fundido a sua rotina. Agente de fianças há mais de vinte anos,
sem família e, aparentemente sem amigos, sua rotina é sua vida. Mas ele tem um
vislumbre de que as coisas podem ser diferentes ao conhecer Jackie e se
apaixonar pela mesma, tanto que após criar certa intimidade com a protagonista
confessa a ela que irá se aposentar, pois não vê mais sentido nas repetições em
sua vida profissional. Entretanto, a insegurança em sair de uma longa rotina o
impede de seguir seu desejo e o que vemos dele ao final, quando vê Jackie
partindo, é o semblante de quem levará consigo para sempre a dúvida do que
poderia ter sido e nunca foi.
O que difere Jackie Brown dos demais personagens
do filme é ter entendido que só se pode seguir em frente quando destruímos o
caminho antigo e criamos um novo; Gara, Cherry, Ornell e os outros personagens
parecem não compreender esse fato e fecham o filme ou ruminando os mesmos
problemas ou simplesmente mortos, enquanto Jackie termina a história
protagonista tanto da trama quanto de sua própria vida.
Me identifiquei no ato ao reassistir “Jackie
Brown”. Com trinta e sete anos, doze destes no mesmo emprego, relacionamento
cheio de idas e vindas e ainda pensando o que querer da vida me fez pensar em
como acabamos tranquilamente aprisionados nos ciclos que criamos para nós e
isso me fez voltar a escrever, o que é um pequeno passo, mas já me tirou da
inércia. Meu convite é para que todos revisitem o terceiro filme de Tarantino
sob este ponto de vista de recomeços e fugas dentro das vidas dos personagens,
mas isso não interessar, assista assim mesmo, focado no charme de Pam Grier, na
trama cheia de reviravoltas ou nos diálogos extremamente humanos, quebrando
pelo menos o ciclo da mesmice dos blockbusters atuais.
Fiquei
empolgado com o filme brazuca “As boas maneiras” e seu ponto de vista original
da maldição do lobisomem. Tanto que queria transformar o mês de junho no mês da
licantropia aqui no blogger e para isso resolvi assistir aos filmes que
abordassem a mesma temática e que marcaram minha juventude. No entanto,
revisitar o cinema dos anos oitenta pode ser tão perigoso quanto sair para
passear pelos bosques do Maine em noite de lua cheia, principalmente se o primeiro
filme a ser revisitado for baseado em um livro de Stephen King e roteirizado
pelo mesmo.
linda capa do VHS
Sim!
Hoje falaremos sobre um clássico do extinto “Cinema em casa” do SBT, “Bala de
prata” de 1985, baseado no livro “A hora do lobisomem” do Rei do terror e “estrelado”
pelo eterno, mas já falecido, ator mirim Corey Haim; que, após ser reassitido
substituiu em mim todo terror de quando eu tinha doze anos por momentos de
humor e até de certa vergonha alheia, mas sem com isso destruir a gostosa sensação
de nostalgia.
O
filme acompanha Marty Coslaw (Haim), um menino paraplégico de doze anos, que
junto com sua irmã Jane (Megan Follows), após perderem um amigo, a descobrem
que a série de assassinatos que vem acontecendo na cidade onde moram, a pequena
e pacata cidade de Tarker’s Mill no Maine, é obra de um lobisomem. Os irmãos
agora terão de encontrar um adulto que acredite neles e buscar descobrir quem é
a pessoa que carrega a maldição.
Lembro
quando assisti “Bala de prata” pela primeira vez! Eu devia ter um pouco menos
que idade do protagonista e mesmo o filme passando às duas horas da tarde, não
nego que a ideia da trama trazer um guri paraplégico fugindo de um lobisomem em
uma cadeira de rodas motorizada no meio dos bosques de uma cidade no interior
do interior dos EUA, me assustou bastante. No entanto, rever esse filme mais de
vinte cinco anos depois, impressiona como muitos dos filmes oitentistas,
diferente de alguns clássicos, mas muito parecidos comigo envelheceram mal,
embora continuem divertidos.
O
lado divertido do filme é a já mencionada nostalgia no melhor estilo “Stranger
Things”, que faz quem tem mais de trinta anos, olhar com carinho todas as
extravagâncias da história e relembrar um tempo mais ingênuo e sem o bombardeio
de informações que sofremos hoje, onde ainda era possível soltar pipa na rua
até de madrugada, ou sair à noite para detonar fogos de artificio ou coisas que
o valham. Sem contar que o filme tem uma vantagem sobre as produções
modernosas, que é o simples fato de que, diferente da série do streaming mais
famoso de todos os tempos, toda aquela breguisse não é emulada, mas real! O
filme desenhava um retrato do momento onde foi produzido, o que serve para os
jovens matar a curiosidade de como era um mundo sem internet, TV a cabo,
celulares e videogames.
De zero a cem em 5.8 segundos!
Mas
o que me fez assistir a esse “clássico” até o fim com um sorriso no rosto foi
seu lado ruim, que é o roteiro.Se há
uma coisa que eu adoro, são filmes “ruins bons”, aqueles filmes que são
produzidos de maneira séria, mas que devido aos cacoetes de seus diretores ou
deslize de seus roteiristas agregam certos absurdos que o destacam em meio a
tantas outras obras. “Bala de prata” não é diferente, além de trazer todos os
estereótipos de filmes de adolescente dos anos oitenta, como o protagonista
sendo visto como diferentão (nesse caso deficiente), a irmã que quer ser
popular, O tio perdedor e bêbado que é o único que acredita nas crianças e os
pais ausentes, nenhuma situação ocorrida no filme parece ter um porque e o
questionamento que isso gera rendem bons momentos.
Exemplos
dessas situações, que são o tempero da trama, estão todas ligadas ao próprio
Lobisomem, em especial a sua aparição na cidade. (SPOILER À FRENTE) O Lobisomem
é o reverendo da cidade (pronto falei) e após algumas mortes em seu currículo,
o vemos tendo um pesadelo onde todos de sua paróquia (que toda noite se reúnem
para cantar “Amazing grace” ) se transformam em lobisomens e partem para cima
dele e ele acorda pedindo a Deus para que a maldição acabe, o que nos induz a
pensar que a maldição é , de alguma forma, divina; eu mesmo cheguei a achar que
a transformação tinha algo a ver com os pecados de alguns habitantes, pois a
primeira vítima é um alcoólatra que batia na mulher e a segunda uma suicida,
mas todas as teorias caem por terra, após a irmã do protagonista expor a ideia
de que talvez nem o próprio reverendo saiba o porquê das transformações, o que
confirma com o mesmo, logo depois, tomando para si a postura de vilão e
deixando qualquer resposta apenas na especulação.
"alguém sabe onde encontro um Chapel XXXL?"
Outra
coisa maluca que se soma as excentricidades do roteiro é a decisão genial do
casal de irmão de chantagear o reverendo/lobisomem via cartas com letras
recortadas de revistas, pedindo educadamente para que ele se retirasse da
cidade, o que não dá muito certo. Mas esse “deslize” dos irmãos é pinto perto
da ideia fantástica de um grupo de cidadãos indignados que decide caçar o
“maníaco do bosque” à noite no meio da floresta, portando espingardas e bastões
de baseball e a cena que se segue com o lobisomem batendo em um deles com um
bastão até a morte (Sim! O lobisomem mata um cara com um bastão de baseball!),
fato que gerou a capa do VHS do filme com uma mão peluda e com garras segurando
um bastão para duas crianças amedrontadas. E nem vou comentar sobre a piadinha
do protagonista ao final sobre sua própria deficiência. Isso, meus amigos, são
os anos oitenta!
Apesar
das loucuras, ou melhor, graças a mesmas, adorei ter revisitado “Bala de
prata”, fez lembrar um tempo mais leve da minha vida, onde os monstros eram
pessoas com uma roupa de pelúcia e uma cabeça enorme de lobo, quando não um
cara grande com um facão e uma máscara de hóquei e não frustrações que se
acumulam e boletos que se empilham. Um clássico do cinema em casa capaz de
trazer a nostalgia com força e arrancar gargalhadas de doer a barriga, mas não
sem conseguir dar os sustos que promete.
Então,
se tiver mais de trinta e cinco anos e quiser assistir a algo que lembre a
infância, procure por “Bala de prata” e deixe sua mente passear livre pelos
anos oitenta por noventa minutos e aproveite o mês do Lobisomem.
Nova York, 1979. Antes da
Máfia ser esmagada, antes da economia americana voltar a crescer,
antes do talco sem cheiro dominar os embalos de sábado e,
principalmente, antes de proibirem crianças com menos de seis anos
de escreverem um roteiro para cinema, um grupo de nove membros de uma
turma da pesada parte em uma fuga alucinante depois de serem acusados
de um crime que não cometeram. Sim meus amigos! hoje falaremos sobre
"The Warriors", ou como foi chamado em nossas terras
tupiniquins, "Guerreiros, os selvagens da noite", a maior
Ode já feita ao tosto mundo das gangues novaiorquinas e que, além
de comprovar que entre os anos setenta e oitenta o mundo entrou em
outra dimensão, foi a produção responsável pela uma frase que me
persegue por décadas:
"Guerreiiiroosss... Venham aqui Brigaaarrrr!"
"The Warriors",
conta a história de nove representantes da Gangue dos Guerreiros,
originária de Coney Island, que, assim como outras cem gangues da
cidade, é convidada a participar de uma "assembleia"
organizada por Cyrus, o líder da maior gangue de Nova York, "Os
Riffs", com a intenção de organizar e unir os grupos
divergentes e assim dominar a cidade. A reunião, que ocorre no
território dos Riffs, no Bronx, começa a empolgar os
representantes das Gangues, mas no meio do discurso, Cyrus é
assassinado por Luther, o líder do "Rogues", que
percebendo, em meio a confusão, que um dos membros dos Guerreiros
viu quem atirou, os incrimina, fazendo com que a turma de Coney Island passe a ser alvo da perseguição de todas as outras gangues
em uma fuga do Bronx até o seu território, a mais de trinta e cinco
quilometros de distância. Restará agora aos Guerreiros, provarem
que realmente são uma "Turma da pesada".
O filme é um clássico, não
tem como não falar isso. Sua trama, mesmo datada, ainda hoje
consegue prender o expectador, mesmo que seja para arrancar dele umas
boas gargalhadas. Baseado no livro homônimo de Sol Yurick (que no
Brasil se encontra a venda pela Darkside Books), com uma forte
inspiração no musical clássico "West side story", o
filme foi roteirizado e dirigido por Walter Hill, que
além dessa pérola das madrugadas, dirigiu "Ruas de Fogo",
que é outro clássico do corujão, "inferno vermelho", com
Schwarzeneggere
Jim Belushi e o "Lutador de Rua", com o mito Charles
Bronson, além de produzir "Alien - o oitavo passageiro", e
trouxe no elenco uma galerinha jovem que, fora dois ou três não
tiveram uma vida muito produtiva e extensa no meio do cinema. Mas
quem se importa com a vida profissional dos atores, quando temos
diante de nós uma obra de tal magnitude, cheio de personagens
marcantes e , acima de tudo, abençoada pela maravilhosa dublagem brasileira do início dos anos oitenta?
Os
personagens são fantásticos e tem muito para falar ao mundo de hoje
sobre
personalidade. Para começar, os protagonistas
se deslocam pela noite Novaiorquina, ostentando apenas um colete de
couro vermelho, suas calças jeans e tênis, dentre eles, temos
Cleon, que usa uma bandana tigrada na cabeça e
Snow, que possui um black power aerodinâmico, mas nenhum dos outros
oito protagonistas, chega aos pés de Cochise, o guerreiro, que além
de ser dublado pelo mesmo dublador do Eddy Murphy, é um cidadão
afro-americano, que além do blackpower da moda daqueles dias,
utiliza adornos indígenas, um tapa na cara de quem hoje em dia vem
falar de moda étnicas ou
apropriação cultural.
Cochise é o meu personagem preferido, sendo seguido de perto por
Luther, o líder assassino dos Rogues, que do
alto de seus um metro e sessenta, com
sua cara quadrada e voz de taquara rachada, é o emissor da frase que
me atormenta e a qual já cite acima, mas
que além de tudo, ainda traz em si o mais clássico talento para
agente do Caos, sendo o responsável por toda confusão e azar, que
os guerreiros e os Riffs acabam vivenciando.
Guerreiiiroossssss
Falando
da Voz de taquara de Luther, é impossível assistir ao filme dublado
e não ficar completamente hipnotizado pela dublagem brasileira. Com
vozes consagradas como a do ator Nizo Neto (filho de Chico Anísio
(que dublou Ferris
Bueller
e o Presto de "a caverna do Dragão)) no papel de Vermim; Mário
Jorge de Andrade ( Eddy Murphy) como Cochise e o dublador clássico
do Stallone (que esqueci o nome) dando o sotaque malandro brasileiro
ao Luther. Nesse show de dublagem, temos o prazer
de ver
traduzidas
para nossa língua as gírias americanas do final dos anos setenta e o
resultado é maravilhosamente bizarro, não faltam "Aê meu
cumpadi", "acho que cês tão tudo virando a mão" e
até a frase de ouro do filme, que é proferida quando o líder dos
fugitivos, forjado no calor da fuga, fica a sós com a "mocinha"
e no meio de uma conversa filosófica sobre a vida e perspectivas,
fala para a jovem: " Vem cá, tu é chegada em uma horizontal,
heim! Já pensou em amarrar um colchão nas costas pra facilitar?!".
Pura elegância!
Vocês sacarammm??
Fora suas falas, muitas vezes
sem sentido ou seus tropeços de roteiro (como: de onde o Snow tirou
aquele coquetel molotov?) , a produção traz cenas bem legais de
luta. Como quando Cyrus é assassinado e o Líder Guerreiro Cleon,
vai conferir o que houve e tem que se defender da multidão na mão,
ou quando Cisne ( que passa ser o líder) bola uma armadilha em um
banheiro contra a gangue dos patinadores e a porrada come solta, com
direito a taco de basebol quebrado em barriga e porta quebrada com a
cabeça.
Além disso, não me ocorre
nenhum outro filme de fuga nesse mesmo estilo antes de "the
Warriors", me passando a sensação de que Apocalypto",
filme de Mel Gibson de 2006, que é basicamente uma fuga de um
território inimigo até o seu, tem muito de inspiração na obra de
Walter Hill de 1979, assim como o último "Mad Max"e isso
não é pouco.
Para Complementar sobre a
influência e carinho que o filme cativa, os irmãos Russo, que
dirigiram Capitão América 2 e 3, anunciaram a produção de uma
série baseada no livro/filme "The Warriors" e que deve
chegar para nós nos próximos anos, mostrando que muita gente ainda
guarda esse filme no coração e sonha em usar aquele colete de couro
vermelho.
Pois bem, "Guerreiros -
Os selvagens da noite" é um desses clássicos cults, que por
muito tempo habitaram as madrugadas dos canais abertos e que todo
mundo conhece ou já ouviu falar. É a representação máxima,
embora muito caricata, de um período histórico americano onde a
falta de perspectiva é o que norteava a vida de muitos jovens e que
até hoje encanta pela melancolia ou pelo tosco carismático, suas
falas são datadas, o roteiro quase não existe, a estética é
brega, mas mesmo assim o filme é extremamente divertido, o típico
filme que é tão ruim, que dá a volta e fica ótimo, que tanto
merece, como deve ser assistido, entendeu bem aê ô meu chegado?!
Da esquerda para direita: Snow, Ajax, Vermim, Cowboy, Cochise, Rembrant, Foxy, Cisne ( The Warriors)
O
ano de 2017 vem sendo marcado por uma constatação fantástica:
Voltamos no tempo! É só olhar o noticiário ou correr os olhos
pelas timelines das rede sociais e as provas vão ser atiradas em
nossas caras; é caça aos comunistas, ultra nacionalismo ganhando
força, luta contra os direitos humanos, inflação, desemprego,
extremismo religioso, em fim, parece que retrocedemos, pelo menos,
trinta anos e vivemos agora em uma realidade focada na ignorância,
onde a maioria serve de massa de manobra para um pequeno grupo.
Talvez
eu esteja sendo pessimista com o ano, afinal ele apenas começou e
nem passamos do carnaval, mas eu, que sou fã de distopias, penso que
estamos as portas de uma e tenho plena convicção de que tudo que
anda acontecendo no mundo, daria uma boa base para o roteiro de um
filme de ficção científica. Só que tem um problema, esse filme já
foi feito e para se somar as estranhezas desse ano, foi filmado a
exatos trinta anos. Trata-se de "They Live" (ou, "Eles
vivem"), um dos clássicos dirigido pelo mestre do terror e
ficção científica oitentista John Carpenter e que revendo hoje, me
parece estar mais para um documentário do que para um filme.
Obedeça
"They
live" conta a história de George Nada, um andarilho que
transita pelos Estados unidos a procura de uma vida melhor. Em uma
dessas viagens ele desembarca em uma grande cidade onde se emprega na
construção civil e consegue abrigo em uma comunidade apoiada por
uma igreja. Desconfiado dos movimentos noturnos dessa igreja, Nada,
resolve investigar e se depara com uma misteriosa reunião e com um
laboratório e, vendo diversas caixas fechadas, resolve furtar uma,
descobrindo depois que se tratavam de óculo escuros. Sem saber como
conseguir lucro com o que pegou na igreja, ele pega um óculos para
si, fato que mudará para sempre seu ponto de vista em relação ao
mundo.
Os
óculos fabricados na igreja, mostram ao protagonista uma verdade que
ele não tinha acesso a olhos nus, onde propagandas em outdoors e
matérias inteiras de revistas são substituídas por simples ordens
que mandam "reproduzir", "consumir" e "obedecer",
no dinheiro se vê a frase "esse é seu Deus" e até o
semáforo da rua emite a frase "durma" repetidamente para
quem anda por ali. Para finalizar, George ainda descobre que ao usar
os óculos, algumas pessoas se apresentam como figuras assustadoras,
com o rosto de uma caveira azul e olhos prateados, fatos que o levam
a perceber, depois que se envolve em muitas confusões, que a terra
foi invadida por uma raça de alienígenas, que se infiltrou e tomou
o poder para si, transformando os humanos em uma massa de manobra e
mão de obra hipnotizada e, que a única maneira de se livrar do
julgo dos invasores é se juntar a pequena resistência que ele
havia espionado na igreja. Mas como uma resistência, composta por
meia dúzia de pessoas desacreditadas, poderá enfrentar quem comanda
o planeta inteiro e nem mesmo é percebido?
Eu
sou muito suspeito para falar de qualquer filme de John carpenter, de
quem já me declarei fã inúmeras vezes. O cara deu a cara ao cinema
de terror moderno através de clássicos como "Halloween"
(1978), "O enigma de outro mundo" (1982), "À beira da
Loucura" (1994) entre outros, mas tenho de dizer que "Eles
vivem" se coloca para mim um degrau acima devido ao fato de seu
flerte com a ficção científica e a mensagem de questionamento que
o autor tenta passar ao espectador, assim como os conceitos e a
maneira visual tremendamente original que o diretor opta por utilizar
para transmitir as ideias do filme.
Consuma
A
critica social que o filme traz em suas entrelinhas é apresentada no
exato momento que percebemos queo
protagonista tem o sugestivo nome de "Nada", fato
o que vem a somar a trama, se relacionando tanto ao poder do mesmo
frente ao inimigo que enfrenta, quanto ao
sentimento dos trabalhadores americanos dentro do
contexto histórico que passava os Estados
Unidos
quando o filme foi produzido. Vale lembrar que nos meados dos anos
oitenta, os E.U.A
ainda
sofriam
com a crise do Petróleo e que sua industria automotiva vinha
perdendo espaço para a Japonesa, fatores que geraram desemprego e
desesperança , o que é demonstrado de forma semelhante em
outros filmes, como na comédia "Fábrica de loucuras"
(1986)
de
Ron Howard, onde uma montadora americana é fechada e um funcionário
vai até Tóquio buscar auxilio da industria japonesa,
mostrando a crise no cenário americano, ou
"Robocop" de 1988, onde o cineasta Paul Verhoeven utiliza
uma ideia pessimista para mostrar uma Detroit, outrora símbolo da
industrialização, como uma cidade pobre, violenta e perdida, tal
qual a cidade
onde nosso protagonista desembarca com o sonho de dias melhores, mas
que só lhe apresenta recusas, miséria e força bruta, como se ele
realmente, nada fosse.
Essa
desumanização, que no filme é apresentada de maneira muito sutil,
ao nomear o protagonista de Nada, faz um paralelo extremamente importante com a questão da distopia e o momento que vivemos hoje.
Da mesma forma que no filme, hoje existe a influência por não dar
rostos e vozes à grupos de pessoas que pensam diferente de nós e
nossas bolhas sociais, apagando seu individualismo e os relegando a
massa, como se todos que pensam diferentes de nós tivessem os mesmos
desejos e pontos de vista; meros números que não somam aos nossos
interesses, fato semelhante que ocorre em distopias, como "1984",
ou "Uma história de amor real e super triste" e que vemos quase diariamente na internet, quando manifestações por melhorias
ou buscando direitos, são rechaçadas com violência e comemoradas
por quem pensa de forma diferente.
Eu vim aqui pra mascar chicletes e chutar traseiros...
Outra
coisa que é bacana e original para a época, é o fato dos vilões,
serem os típicos representantes do "sonho americano". Em
uma época onde a guerra fria ainda dava seus últimos suspiros,
colocar o bem sucedido cidadão americano como o responsável pela
degradação da sociedade, mesmo que afirmando que o grosso destes
eram alienígenas, era algo quase impensável no cinema, mas
é
exatamente
o que Carpenter faz, ao mostrar através das mensagens subliminares
que o protagonista descobre através de seus óculos, que o poder dos
extraterrestres vem do consumismo e da futilidade que se tornaram o
objetivo final da raça humana, algo que ia totalmente no sentido
oposto as mensagens passadas pela maioria dos filmes de ação da
época, que apresentavam inimigos comunistas que tinham por objetivo
destruir a sociedade perfeita americana, uma olhadinha em "Rocky
IV" exemplifica exatamente o que estou dizendo.
O
fato
de os extraterrestres serem as pessoas que dominam o planeta
financeiramente e por isso manipulam os seres humanos através dos
desejos e não da força, também fala muito sobre os dias atuais. Em
uma sociedade que vem se baseando na satisfação pelo consumo e
buscando uma felicidade que só tem valor quando é aplaudida pelos
outros, utilizar de força bruta é desperdício de energia, quando se
pode induzir as pessoas a desejar ter tudo que se diz que é bom.
Dessa forma, o filme apresenta um cartaz com uma bela Praia e, ao
colocar os óculos, o protagonista lê apenas consuma, e, aquela
viagem passa a ser o objetivo das pessoas que passam por ali, da
mesma forma que hoje, ao colocar-se propagandas na TV de celulares da
última geração, ou do "carro do ano" buscar conseguir
esses itens, será o objetivo de vida de quem se encontra distraído
em frente ao televisor, sem perceber que ele foi reduzido de pessoa,
para um simples consumidor angustiado e, muitas vezes, frustrado.
Esse é seu Deus
Esse
desconforto com o que a vida vem se tornando e a crítica social que
John Carpenter faz ao mundo que estava surgindo, é o fato que mais
me fascina nesse filme. A ideia de que poucos são sustentados por
muitos e que estes, hipnotizados por televisores e a promessa de um
amanhã melhor, defendem uma minoria abastada como uma massa de
manobra sonolenta, que ignora a verdade que está na frente de todos,
mas que ninguém está olhando de verdade, pois estão entorpecidos
por sonhos e cores brilhantes, quando na verdade o mundo se apresenta
em distintos tons de preto e branco, onde se gritam palavras de ordem
que são obedecidas sem o mínimo questionamento.
Case e se reproduza
No
entanto, o diretor não nega que muitos daqueles que são chamados de
povo, também possuem seu quinhão de culpa, até porque ninguém se
torna opressor, sem um pouco da ajuda dos próprios oprimidos. Assim
temos alguns personagens, que mesmo em posição de servidão, optam
por ajudar os invasores, na esperança de partilhar com eles do
poder e riqueza que estes ostentam; como o personagem que passa toda
primeira parte da trama assistindo TV e reclamando de dores de cabeça
quando a transmissão dos aliens é interrompida pelo sinal da
resistência, acabando por se mostrar um colaborador e, possivelmente, informante dos invasores no final do filme.
Personagens
como estes são recorrentes em distopias. Em "Matrix" temos
Cypher, que busca um acordo com as máquinas para ter a vantagem de
voltar para a matriz, em "1984" temos o vizinho de Smith,
que mesmo fora dos padrões do partido apoia tudo que este faz, se
sentindo orgulhos até em seus derradeiros momentos, quando seus
filhos o delatam; gente assim vem ganhando espaço casa vez maior em
nosso mundo, buscando vantagem e apoiando cegamente os interesses de
quem acreditam poder acompanhar no crescimento, não percebendo que
são reles números servido de escada para alguns privilegiados.
Por
toda sua crítica a uma sociedade que vem se tornando cada vez mais
consumista e menos racional, além da diversão que proporciona,
"They Live" é um filme obrigatório para quem é fã de
ficção científica, distopias ou apenas sente um desconforto com os
movimentos extremos que vem cada dia mais ganhando força. Um filme
que, além de divertir com um toque de teoria da conspiração,
ainda nos mostra que tudo nessa nossa sociedade é cíclico e
beneficia alguém, mesmo as crises e épocas difíceis. Uma obra prima
de John Carpenter em sua melhor forma que, fora os ET's, beira ao documentarismo. Então se você se sente desconfortável, oprimido,
hipnotizado, ou mesmo se tem uma esperança crescente em se dar bem
na vida com base nas propagandas de TV, ou mesmo quem não sente nada
e quer ver uma trama oitentista, que mistura luta livre, alienígenas
e teoria da conspiração, assista a esse filme e te garanto que será
como ver o mundo através de uma lente da verdade.
Meu gosto por ficção
científica nasceu da vontade de enxergar através da visão dos
outros como poderia ser o futuro, por esse motivo, sempre preferi
autores que me entregassem mundos que fossem uma evolução do nosso
em algum sentido, seja introduzindo a inteligência artificial como
algo normal e corriqueiro, seja nos apresentando uma sociedade
dividida em grupos, ou mesmo mostrando aonde os absurdos que o
extremismo pode acabar nos levando. Mas nesse meu desejo de olhar
para frente, acabei dando pouca atenção para obras de escritores
que foram responsáveis por, além de fundamentar o gênero e
inspirar muitas outras histórias e produções, falar diretamente
com seu tempo e mostrar pioneirismo em utilizar muitos conceitos
abordados até hoje. Um desses autores, foi H.G Wells, a mente
criativa responsável por obras como "A máquina do tempo",
"O Homem invisível", "A guerra dos mundos" e "A
ilha do Dr.Moreau", livro de 1896, que li recentemente e que me
surpreendeu por abordar, além das questões relativas a ciência da
época, muito sobre ética, religião e filosofia, reabrindo meus
olhos sobre a necessidade de se conhecer os clássicos.
"A ilha do Dr. Moreau"
conta a história de Prendick, um náufrago sobrevivente do navio
Senhora Altiva, que é resgatado em auto mar e levado, pelo médico
Montgomery, que alugava a embarcação que o salvou para transportar
animais, para uma ilha vulcânica no pacífico. Nessa Ilha, ele
conhece o Dr. Moreau, um cientista que usa o lugar como laboratório
de suas misteriosas experiências. Conforme os dias vão passando,
todo mistério presente naquela porção de terra isolada vai se
esclarecendo e Prendick descobre que Moreau e Montgomery, na busca por
humanizar animais, utilizando experiências de Vivissecção e
hipnose, criaram uma assustadora sociedade de seres disformes, meio
homens e meio animais, com leis e religião própria. Mas será que
os esforços dos cientistas serão o bastante para que os
homens-animais consigam ignorar sua natureza inata?
Quando comecei a ler o livro
tinha a sensação de que a história tinha pouco de novidade, como
se eu já tivesse encontrado tudo que o autor queria me passar em
outras obras, sem perceber que essa sensação era originada
justamente da influência de H.G Wells na cultura pop. Isso me veio
a mente ao lembrar que meu primeiro contato com esse livro, foi a
adaptação para o cinema lançada em 1996, exatamente cem anos após
a primeira publicação da história, sendo que esta foi a terceira
produção áudio-visual baseada na obra, antes foram lançados outro
filme homônimo em 1977 e "A ilha das almas selvagens", em
1932; só após perceber isso e buscar ler o livro com olhos da
época, assim compreendendo que o que o escritor entregava era algo
original e pioneiro, pude apreciar toda criatividade e visão do
autor, mergulhando em um universo que, mesmo datado no que tange a
muito que ele aborda como ciência (a final, o livro tem mais de 120
anos), apresenta conceitos presentes até hoje na ficção e
discussões sociais interessantes que deixam claro porque Wells se
tornou um dos maiores nomes da ficção científica da história.
Homem-Leopardo (filme de 1996)
O que mais chamou minha
atenção no livro foi a questão social que a história aborda. A
obra trás todo um paralelo impossível de se ignorar sobre a ideia
de superioridade que muitos povos, no decorrer dos tempos,
acreditavam possuir, assim como a violência de se impor os costumes
e ideais sobre quem se encontra sob o julgo destes povos. Os homens
animais que vivem na ilha, são forçados a ignorar sua natureza,
cumprindo regras impostas que não lhes permitem caçar ou consumir
carne, andar de quatro patas e não sugar a água com a língua, em
resumo, eles não podem ser o que são por contrariarem as ideias que
Moroe tem de sociedade, mesmo o doutor e seu associado representando
uma minoria na ilha e sendo eles próprios desprezados pela sociedade
que usam como base por ignorar a ética em suas experiências, uma
evidente representação da opressão colonizadora européia do
século XIX. O próprio choque com os costumes e aparência dos
nativos da ilha, que se torna frequente na narrativa do protagonista,
corrobora para a visão de superioridade social que parece ser
parodiada diretamente do contexto histórico inglês, sociedade a
qual o escritor pertencia e que na época da publicação do livro,
se encontrava dominando lugares tidos como exóticos, como a índia
e Hong-kong, onde impunham suas maneiras,cultura e mesmo a religião.
Falando em religião, o uso da
mesma como ferramenta de dominação é outra parte muito
interessante da trama. Na história, o autor traz como regulador dos
desejos e instintos da sociedade da ilha uma série de leis que,
somadas a superioridade intelectual e de personalidade dos
cientistas, atuam como uma religião para os homens animais, impondo
limites a seus instintos primitivos mesmo quando as criaturas se
encontram longe dos olhos de seus criadores e fornecendo a esses,
status de deuses imortais e de poderes absolutos de vida e de morte
dentro daquela sociedade, sendo, ao grupo das criaturas, reservado o
destino de servos e escravos passivos, temerosos de um castigo
proveniente de qualquer deslize.
A hiena entre outros (filme de 1996)
Um fato que não me agradou
muito no livro é a forma descritiva que o autor faz de todos
pormenores que o protogonista encontra na ilha. Fora os animais
humanizados, que são o tema central da trama e que refletem as
experiências nada éticas do cientista que tem seu nome estampado no
título do livro, descrever todos detalhes da ilha, incluindo como se
forma sua costa, o tipo de terreno e vegetação, parece uma forma de
enxerto para estender a história e por vezes isso cansa; essa forma
detalhista era bastante utilizada em muitos textos da época e até um
pouco depois, como visto em "Senhor dos anéis", onde
Tolkien chega a falar do formatos das folhas das árvores, mas ,
embora não prejudique a leitura em si, ou atrapalhe a reflexão
sobre o tema central, quebra bastante o ritmo de quem está
acostumado as dinâmicas tramas modernas.
No entanto, mesmo com uma
variação no ritmo, "A ilha do Dr. Moreau" se apresenta
como um livro obrigatório para quem é fã de ficção científica,
do mesmo modo que toda obra de Wells. Consegue se sustentar e
entregar uma história divertida e por vezes assustadora, onde,
embora pareça datada por utilizar conceitos de ciência biológicas
do século XIX, é bastante atual quando trata de ciências sociais,
batendo em pontos que até hoje são abordados, como opressão
cultural, o poder da religião e a ética científica. Uma aula de
como utilizar a ficção para desconstruir a sociedade onde
vivemos, me fez reabrir os olhos para os clássicos e perceber que
não há visão de futuro, se não observarmos com certa reverência
o passado que o moldou.
Resolvi dar uma
freada nos filmes, séries e livros de Ficção científica e fugir para o outro
extremo, me atirando nas produções sobre o submundo e criminalidade. Não! Eu
não dei as costas para as distopias e viagens espaciais para fazer maratona de “Cidade
dos homens” ou ver de novo “Cidade de Deus”, fui atrás de algo mais real, mas
não tão real assim e acabei encontrando um filme de 2004, muito pouco comentado,
mas com um elenco de respeito, um diretor que eu gosto muito e uma história
fantástica. Estou falando de “Nem tudo é o que parece”, dirigido por Matthew
Vaughn e estrelado por Daniel Craig, que me entregou uma trama tensa que me
deixou preso no sofá até que o último ponto nos créditos finais fosse apagado
da tela.
O filme conta a
história do senhor X (Daniel Graig) um traficante Londrino, que seguindo seu
plano de negócios, resolve se aposentar antes que seja tarde e fique muito
envolvido com o submundo. Às vésperas de largar a criminalidade, ele recebe uma
missão de seu principal fornecedor: encontrar a filha desaparecida de um grande amigo; ao mesmo tempo que seus
associado lhe convocam para avaliar e procurar compradores para poderosas
pílulas de esctasy vindas do leste Europeu trazidas por um conhecido nada
confiável. O que o senhor X não sabe é que está entrando em uma trama de
traição, ganância e violência muito além dos aceitos dentro de sua ideia de
negócios, que pode ser uma viagem sem volta dentro do buraco negro mafioso do
submundo de Londres.
O Nome do filme
em Inglês é “Layer Cake” (Bolo em camadas), traduzir esse título ao pé da letra
para o português ficaria estranho, mas dentro do próprio filme esse título é
explicado e acaba por fazer sentido, já a opção de colocar o nome da produção
de “Nem tudo é o que parece”, não ajudou em nada como chamariz, acabando por
dar pouca credibilidade a história por parecer que se trata de uma comédia para
“toda família” protagonizada pelo Leandro Hassum e isso foi o pior desserviço
que uma tradução poderia fazer com um filme, pois apesar de (sem trocadilho com
o bolo) seguir uma receita conhecida e, por muitas vezes, deixar o expectador
tonto devido ao número de personagens e as conexões que eles tem entre si, “Nem
tudo é o que parece” é um filme bem inteligente e divertido que não merece ser
esquecido.
Falei que o
filme segue uma receita, porque ele vem na onda dos primeiros sucessos do
diretor Guy Ritchie, “Snatch-porcos e diamantes” e “Jogos trapaças e dois canos
fumegantes”, abordando o universo do submundo de Londres, utilizando diversos
personagens, com mortes bizarras, tramas que se dividem em dezenas de pequenas
sub-tramas e um final surpreendente, sendo a direção tendo ficado, não por
acaso, nas mãos de Matthew Vaughn, que já havia produzido “Snatch” em 2000 e
emula a direção de Rirchie nesse filme, mas já mostrando muito do diretor que
viria a se tornar mais a diante, com suas sequências rápidas, as trocas de
cenário para explicar as consequências dos fatos, as cores fortes e a
iluminação bem clara sempre presente.
A história tem
pelo menos vinte personagens com relevância. Isso pode acabar deixando quem
assiste bastante confuso, pois no filme, que possui apenas uma hora e meia,
muitos desses personagens são, muitas vezes, apenas citados pelos que estão em
cena e, se lembrar dos nomes e apelidos de quatro ou cinco pessoas que
conhecemos em um dia não é fácil, imagina o de duas dezenas de personagens de
um filme curto? Mas isso acaba por dar mais tensão ao filme, pois somos
obrigados a assisti-lo com toda atenção do mundo, ou acabamos por perder o fio
que conduz a trama, já que ali nem tudo é o que parece (Pá-bum- Tss).
O roteiro do
filme é muito bem escrito por J.J Connolly, sendo baseado em uma novela do
próprio roteirista e a história prende porque, penso eu, os filmes sobre o submundo são fascinantes
para a grande maioria das pessoas. Talvez por apresentar um universo secreto,
um lugar marginal ao cotidiano e a rotina, que nos faz lembrar que somos
animais, refreados muitas vezes, apenas pelas correntes da opinião da sociedade
que nos cerca, ou talvez, simplesmente, por exaltar a força e a liberdade que
possui quem não segue todas as regras. Seja pelo motivo que for histórias sobre
o mundo do crime são quase certeza de sucesso, principalmente se a mesma
possuir uma trama complexa, que além de bandido, mostrar o protagonista como um
homem de negócios e classe, se aprofundar em suas relações profissionais e nos
entregar cenas pontuais de violência e diálogos inteligentes e, justamente
isso, é o que a trama apresentada por Connolly nos mostra durante o tempo de
tela.
Além do roteiro
e direção competente, o filme ainda traz personagens fortes, como Gene,
interpretado por Colm Meaney, o segundo no comando da quadrilha para quem o
senhor x trabalha e que se impõe como cara durão mesmo não tendo o perfil
físico para isso; do mesmo modo temos o
responsável pela segurança do protagonista, Morty (George Harris), sempre sério
e impassível e que explode em uma cena que faz quem está assistindo perguntar o
que está acontecendo. Também é legal ver alguns atores que hoje são estrelas,
começando suas carreiras, como o mirrado Daniel Craig, que estava longe de ser
o James Bond dos últimos filmes da franquia 007, ou um Jovem Tom Hardy, grande
nome depois de Mad Max, que ali se apresenta como um inexpressivo coadjuvante
aliado do senhor X que pouco influencia a trama.
Seja pelo motivo
que for, “Nem tudo é o que parece” é um filme muito bacana e merece ser
assistido, principalmente para quem, assim como eu, gosta daquele estilo
característico inglês fundado por Guy Ritchie. Para se ter uma ideia o filme,
mesmo parecendo imitar o estilo do ex-marido da Madona, me parece ter
influenciado o mesmo no último filme do diretor nesse estilo, “Rock n Rolla”, de 2008 e isso
por si só mostra a qualidade da produção. Mas o grande trunfo de “Nem tudo é o
que parece” é se sustentar sozinho, mesmo fazendo referência a outras produções
e nos dias de hoje, onde tudo parece uma repetição de uma repetição de
roteiros, um filme que tenta lembrar outros e mesmo assim consegue surpreender
é uma joia rara, então não perca tempo, assista, “Nem tudo é o que parece” e
preste bem a atenção na trama, pois embora a história se apresente em diversos
níveis, como um bolo em camadas, nem tudo é o que parece e o final vai te deixar com um amargo na boca por um
bom tempo.
Dia
dois de Outubro estreou no canal HBO, “Westworld”, série de
ficção científica escrita por Jonathan Nolan e produzida por J.J
Abrams, que já chegou metendo o pé na porta e mostrando a que veio,
com um piloto com um potencial gigantesco onde se destacou, além do
conceito de inteligência artificial, a brutalidade e Filosofia que
nos aguardam para essa temporada. No entanto, o que pouca gente sabe
é que a série é baseada em um filme lançado em 1973 pela Metro
Goldwyn Mayer, escrito e dirigido por Michael Crichton, o celebre
autor de “Jurassic Park” (esse cara era doido por um parque
temático) e estrelado por Yul Brynner, Richard Benjamim e James
Brolin.
"WestWorld"
conta a história de um parque multitemático feito para adultos,
onde as pessoas podem realizar seus sonhos e fantasias mais ferozes
em três cenários, a idade média européia, o Império romano e o
Oeste selvagem americano, todos povoados por robôs programados para
simularem como se estivessem realmente naqueles ambientes, tanto no
tocante a violência, quanto a sedução, com a vantagem que nenhum
humano pode ser machucado por uma máquina, apenas ser agradado e
tudo isso pela bagatela de mil dólares diários.
É
em um voo para o parque, que somos apresentados a Peter e John
(Benjamim e Brolin, respectivamente), dois turistas, que resolvem
sair da rotina e viver uma temporada de aventura no velho Oeste
americano, atirando em pistoleiros, bebendo em saloons e dormindo com
damas de vida fácil (por assim dizer), tudo vai como o planejado
durante grande parte de suas estadias, no entanto, pouco a pouco, um bugs vai tornando os robôs menos obedientes e amistosos, colocando
em risco, além do roteiro e encantamento do parque, a própria
segurança dos visitantes.
Assistindo
o filme com os olhos de 1973, o enxergo como, mais do que uma obra
divertida e imaginativa, mas, como uma produção inovadora. Para
começar temos um prólogo no filme, onde um apresentador quebra a
quarta parede e fala direto com o espectador, entrevistando pessoas
que voltaram do parque e fazendo um convite claro a quem tiver os mil dólares diários necessários para a estadia, lembrando muito o que
foi visto quinze anos depois, em Robocop. Outra coisa é o conceito
de lugar livre de amarras morais, onde quem paga, pode fazer o que
quiser, algo que foi uma das principal heranças para série da HBO,
junto com a questão de ego e o ato de ser dos robôs, que é
bastante rasa no filme e parece apenas circundar o robô vivido por
Yul
Brynner , dando a entender que o bugs os liberta, mas não modifica sua programação, algo que a série
irá trabalhar muito melhor, principalmente porque parece girar em
torno das escolhas e descobertas dos robôs e não exatamente do
temor humano.
A tecnologia dos anos setenta
No
entanto, essa não possibilidade de fuga da programação, do mesmo
jeito que dá o motivo de ser do filme, que são robôs programados
para lutar e desafiar humanos, livres de suas limitações
programadas, contradiz a si mesma, quando alguns robôs que são
feitos para satisfazer sexualmente os humanos, resolvem executa-los
de forma convencional (tiros e facadas) ao invés de mata-los de
tanto fazer sexo, que seria muito mais alinhado com o que os definia
a principio.
Essa
primeira análise deixa claro que o filme possui alguns problemas de
roteiro, que embora não maculem o conceito central, deixam furos que
poderiam ser melhor trabalhados. O furo que mais me deixou encucado
é referente aos visitantes coadjuvantes, no caso um tiozão de
bigodes que vai para a parte de idade média do parque e o outro
tiozinho de óculos, que vira o xerife do parque; primeiro é
apresentado junto com os protagonistas, super empolgado e , depois de
ter um romance com a rainha na terra medieval, acaba sendo morto
pelo "cavaleiro negro" quando os robôs perdem o controle,
sem ao menos ter um contato mais pessoal com os protagonistas, ou sua
morte definir uma possibilidade de salvação para o grupo, sua
história se justifica como sendo a do cara que está lá para morrer
e nos mostrar que tudo deu errado. Pior ainda é o tiozinho de
óculos, que surge como um nerdão, sempre se mostra atrapalhado e
nem ao menos é visto se ele morre mesmo, sendo que as cenas onde ele
é mostrado poderiam ser economizadas para aprofundar muito mais na
questão do bug, ou no aprofundamento da história dos dois
protagonistas, mas não dá para julgar, pois é um filme que foi
escrito e lançado antes da ideia que temos hoje de inteligência
artificial e onde a ação, no cinema, era mais valorizada do que o dialogo e reflexão.
Meu nome não é Bale
As
Atuações são bem legais até para os dias de hoje, embora carregam
muito dos trejeitos dos filmes do tempo em que foi feito, o que é
normal. Yul
Brynner parece
reviver seu personagem em "Sete Homens e um Destino",
usando até a mesma roupa, só que muito mais frio e impassível e, o
cara estava em ótima forma, para quem na época tinha cinquenta e
três anos, parecendo
realmente durão; Já
Richard Benjamim rouba o inicio do filme, falando sem parar e
visivelmente com medo de tudo e, ao
final,
quando ele sobrevive as piores situações, quebrando a expectativa de que isso aconteceria com o personagem de James Brolin, o filme
surpreende mais uma vez mudando
o paradigma da época, e,
Falando em Brolin, é engraçado ver o pai de Josh Brolin como um
Jovem metido a charmozão e
confiante, mas o que
realmente chama a atenção
é que ele é a cara do Christian Bale!!
Mas
nada supera a ideia de "Futuro do pretérito" que o filme
traz. Assistir a ideia de como seria uma tecnologia que pudesse dar
"vida" a uma máquina com os olhos dos anos setenta é
muito engraçado, para começar temos os painéis cheios de luzinhas,
como em "Alien" e todas emitindo bips ao mesmo tempo, do
mesmo modo, como o conceito de CD, pendrive e nuvem não existiam, o
que o filme nos apresenta são PC's com enormes rolos de fita
magnética e isso é muito louco, ao
pensar
na quantidade desse material para fazer três cidades com centenas de
pessoas artificiais funcionarem; tudo
isso somado a moda extravagante dos anos setenta, onde até o avião
tem um papel de parede cafona, o
que dá
aquele charmoso
ar
de trash no filme, que só é superado quando o rosto de Yul Brymer
desgruda da cabeça.
"Westworld"
é um bom filme e, apesar de não trazer nada que revolucionou a época,
entrega conceitos tão bacanas, que deram origem a uma das séries
mais legais que estrearam esse ano. Uma obra que merece ser assistida
por todo fã de ficção científica ou por quem deseja saber de onde
veio a ideia que Jonathan Nolan irá explorar durante os próximos
anos, então não perca tempo e, além da série, assista também ao
filme, mas veja logo, antes que as maquinas despertem e percebam que
os grandes vilões, na verdade, somos nós e se rebelem.