quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

UBIK - de Philip K. Dick

Philip K. Dick é meu escritor preferido. Não só por ser um dos mestres da ficção científica ou por ter muitas de suas obras adaptadas com sucesso para o cinema, mas por ser uma máquina de conceitos que te levam a refletir sobre coisas que fogem totalmente de nossa realidade. É dele o livro "Androides sonham com ovelhas elétricas", que foi adaptado para o cinema como "Blade Runner" e que, usando um tom noir e futurista levanta o questionamento, ao falar sobre os androides (replicantes), se um ser feito em laboratório, que tem consciência e parece um humano, realmente é uma pessoa, ou deve ser tratado como uma coisa; é dele também o conto que originou o filme "Minority report", em que a polícia utilizando precogs (videntes) cria um batalhão pré-crime que prende e condena o bandido antes que este possa fazer o mal, nos levando a questionar sobre destino e se não existe crime, se há culpado. No entanto, mesmo entregando nas entre linhas questões de cunho filosófico e conceitos trabalhados, sempre encontrei em seus livros histórias bem amarradas, com inicio, meio e fim, onde se enxergavam claramente as motivações de seus personagens, mas não consegui alcançar isso no último livro que li do autor, UBIK que ficou na minha mente, como um livro que explora apenas alguns conceitos, mas que traz uma história que não se fecha.

UBIK se passa em um futuro onde a raça humana conseguiu encontrar uma maneira de enganar a morte, mantendo os mortos em um estado chamado meia-vida, onde, dentro de caixões congelados (chamados bolsas térmicas) que preservam seus corpos, os mortos ficam em animação suspensa (muito suspensa, já que estão mortos), com suas consciências "vivendo" em um mundo simulado e aguardando o chamado de uma próxima encarnação, podendo assim serem consultados por seus amigos e entes queridos quando estes quiserem algum conselho ou orientação de quem já se foi. Nesse futuro, a evolução da raça humana deu um passo a frente e existem algumas pessoas que possuem dons especiais, como telepatia ou precognição e, muitas destas, são utilizadas por empresas especializadas para espionagem industrial e pessoal; em resposta a isso, surgiram empresas de prudência, que utilizam outras pessoas, com dons que anulam o dos espiões, para, mediante um pagamento, proteger quem não deseja ser espionado. A maior dessas empresas de prudência é a Runciter & associados, comandada por Glen Runciter, um idoso executivo que, aconselhado por sua esposa morta, mantém um império que só é desafiado por Ray Hollis, um misterioso empresário do ramo da espionagem.
Seguindo uma pista do rival, Runciter e seus funcionários acabam sendo atraídos para uma armadilha em uma base na lua, onde acontece uma explosão e Runciter é morto, restando a Joe Chip, um avaliador e contratador de inerciais (pessoas com dom de anular os dons dos outros) investigar o que aconteceu e tentar contato com a consciência do morto, mas algo está errado, pois tudo que os cerca começa a envelhecer e regredir até quase virar pó, inclusive os próprios amigos de Chip, para os salvar e dar o tempo necessário para descobrir a verdade, surge o spray UBIK, mas antes das respostas aparecerem, a dúvida que surge é :quais seriam as perguntas certas?

O livro traz a marca de criador de conceitos geniais que deu fama a Dick. A ideia de um mundo assombrado com a presença de pessoas que podem ler as mentes dos outros e retirar seus segredos, assim como as que antecipam tudo que acontecerá e a utilização destas de forma comercial é algo fantástico e que lembra muito a ideia apresentada em "Inception", filme do diretor Christopher Nolan de 2010, onde ladrões invadem os sonhos das pessoas para descobrir seus maiores segredos; da mesma forma que a conservação dos mortos em "meia-vida" remete ao filme "abra tu ojos", de 1997, que inspirou "Vanilla Sky" de 2001, onde após sofrer um acidente que o desfigura, um jovem milionário , após passar por diversas frustrações, decide se entregar a um método revolucionário e se congelar até que no futuro, exista uma cura para o seu mal, sendo sua mente entretida em uma realidade simulada onde ele consegue tudo o que deseja, mas que começa a falhar devido a seus traumas; dois exemplo do poder que o autor tem de inspirar grandes histórias através de suas ideias e que estão presentes na trama de UBIK.

O Autor
O suspense presente na história também é um ponto positivo. Depois que os personagens sofrem o atentado na lua, a dúvida toma conta da história e Joe Chip e seu amigo Al, passam a investigar o que está acontecendo com tudo a sua volta, se deparando com situações inusitadas, como mensagens de seu patrão morto escritas dentro de pacotes de cigarros fechados ou em multas de trânsito e o mistério vai sendo revelado lentamente, fazendo com que o leitor tenha tantas, ou mais dúvidas, que os personagens da história e o ar de investigação dá folego ao livro, quando a história oscila em seu ritmo.

Outra coisa bacana é a reutilização de ideias que o autor já havia abordado em outras histórias. A principal são os precogs, pessoas que conseguem ver o futuro como se este fosse imutável, abordando uma ideia de destino; personagens como estes foram utilizados no conto "Minority report", que virou filme com Tom Cruise e que trabalha justamente com o fato que se opõem a percepção dos precog's indicando livre arbítrio e dúvida quanto a suas visões; já nesse livro, muitos dos precogs trabalham para empresa de Hollis como videntes e a personagem Pat Conley, que é filha de um casal com esse dom surge com sua habilidade e coloca mais um questionamento quanto a autenticidade do dom dos videntes, que é, se o passado mudasse, o futuro também não mudaria? Ideias fora da caixa que, mesmo expostas entre linhas, elevam a qualidade da história.



Mas mesmo o livro possuindo muitas qualidades, que são expressas pelo jeito característico do autor de contar histórias, ele deixa muitas pontas soltas e quando terminei de lê-lo fiquei com mais perguntas do que respostas, o que em muitos casos é bom, pois faz com que uma história permaneça em nossa mente e se expanda em possibilidades, no entanto, não é bem o que aconteceu com esse livro.
Na primeira parte da história, a trama parece tratar das questões relacionadas à disputa entre a empresa de prudência de Runciter e a de espionagem de Hollis e apresenta personagens e um universo que convergem para que a trama se fundamentasse nisso; mas depois da tragédia na lua, o livro sofre uma mudança gigante de direção e parte para a investigação circular de Joe Chip sobre as regressões e morte de Runciter, ignorando o desaparecimento dos Psi citados no inicio do livro e quase que ignorando totalmente Hollis, que causou o atentado. Isso acontece também com alguns personagens que surgem na primeira parte e que aparentam um grande potencial e importância, como a mencionada Pat Conley, que é apresentada como uma pessoa de dom único, que seria de mandar sua consciência para o passado e, assim, mudar o futuro e que, aparentemente, teria relevância na história mas, fora alguns fatos que são revelados no fim do livro (mas que mal afetam a trama), nem precisava estar ali, pois pouco acrescenta.

Outra questão que me incomodou, foi a descrição de como os personagens se vestiam. As ideias de costume de PKD as vezes parecem distantes demais da realidade para serem levadas a sério. Duas dessas são as descrições de como, Stanton Mick, o investidor que contrata os serviços da Runciter & associados, e do piloto do helicóptero movido a energia solar, que chega para buscar o corpo de Runciter após o atentado, se vestem. O primeiro é descrito usando calças capri fúcsia, sapatilhas rosa de pele de iaque, blusa sem mangas de pele de cobra e uma fita no cabelo branco que ia até a cintura; o outro usava uma toga de tweed, mocassins, faixa carmesim na cintura e uma touca roxa com hélice de avião (tá de sacanagem!); somando essas formas estranhas de vestimenta, que lembram um futuro pós apocalíptico dos cafetões dos filmes blaxpoitation, ainda temos a mania do autor criar palavras extravagantes para descrever os itens representados nesse seu futuro, então temos o homeojornal, os condaptos (apartamentos), os vidphones, dentre muitas palavras, que percebemos como ilustrações de algo que seria visto em um futuro distante, assim como a moda que o autor nos descreve, mas que não parecem necessárias ou sérias, ainda mais pelo fato de a história do livro se passar apenas vinte e três anos após o mesmo ser publicado (o livro é de 1969 e a história se passa em 1992) e mudanças de costume e tecnologia no porte que o livro apresenta, necessitariam de séculos.

Capa da edição da Aleph -2014
Mas como disse a pouco, o que me incomodou foram as pontas soltas. Intendo que o livro traga em si , também, uma pequena crítica ao consumismo, não é por pouco que a história começa com uma briga entre empresas e que nesse universo futurista tudo é pago, desde a porta do seu próprio apartamento (se deve depositar moedas, para entrar e sair), como a TV do escritório e nessa levada, após a "morte" de Runciter o próprio idealizador do atentado é deixado de lado e só se referem ao mesmo, para citar que ele será processado (e não por assassinato) deixando claro a sociedade materialista onde a trama se passa, mesmo com a questão da reencarnação e meia-vida, sendo um espectro dentro da história.

Esse mesmo desprendimento de atenção ao causador do assassinato, me levou a questionar quem era o real vilão da trama e quais as motivações dos envolvidos. Embora Ray Hollis seja apresentado como uma ameaça, como disse anteriormente, ele mal aparece ou pouco é citado após o incidente na lua, Pat Conley, que se mostra pouco digna de confiança e extremamente ardilosa, vai perdendo a importância no decorrer da história e quando sabemos a grande verdade ao final, percebemos que ela é uma das vítimas (e que nem sabe disso), por fim ainda temos um personagem, que aparece como uma falha no inicio e que ao final tem uma participação "deus ex machina", que ao terminar de ler, parece pouco convincente (embora seu conceito, como sempre, seja bem bacana)


Apesar de suas pontas soltas, o livro está longe de ser ruim, apenas não é o melhor do autor na minha opinião. Os conceitos que Philip K. Dick utiliza, novamente mostram o gênio que o autor era e deixam claro sua importância na história da Ficção científica, inspirando dezenas de obras desde sempre. A maneira de reutilizar ideias e transitar entre o fantástico, o trágico e cômico, ainda trazendo critica social, filosofia e um tom de suspense impulsionam o leitor a seguir adiante em sua trama; mas a forma como muitos diálogos e situações parecem incluídos, apenas para que uma ideia que poderia ser definida em cem páginas se desenvolva em mais de duzentas, cansa um pouco. De qualquer forma, UBIK é uma obra obrigatória para quem é fã de ficção científica, um texto original, que fora alguns detalhes, pode claramente ser percebido como inspiração para diversas outras obras e um exemplo da mente criativa desse escritor fantástico que foi Philip K. Dick.

Use UBIK - está em toda parte


segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A AUTÓPSIA DE JANE DOE (2016)

Quem já perdeu alguns minutos de sua vida lendo o que eu escrevo, deve ter percebido como eu dou destaque às obras de ficção científica e fujo de produções que foquem no terror. Eu poderia dizer que é culpa da minha criação e das coisas que me acostumei a ver e ler na minha infância, ou afirmar que simplesmente não gosto do gênero, mas a grande verdade é que sou um cagão!

Cresci em um tempo em que toda semana um filme slasher estrelados por Freddy Krueger ou Jason Voorhees passava na Globo e onde se podia assistir “Colheita Maldita” e “Um lobisomem americano em Londres” as duas da tarde, no falecido cinema em casa do SBT e a possibilidade de assistir a esses filmes de adulto era muito bacana para mim, na época com sete ou oito anos, ainda mais quando acompanhado de amigos e primos, mas uma experiência vivida no meio do dia, não tinha um reflexo tão prazeroso quando era hora de dormir e tive tantos pesadelos, que resolvi deixar o cinema de terror meio que de lado por muito, muito tempo.

Só me reaproximei daquele estilo de filmes novamente, quando virou moda as produções orientais terem uma versão americana. Foi nessa época que me deparei com o filme “O Chamado” (2002), uma obra que me impressionou e que inaugurou (pelo menos no ocidente e de forma popular) um terror que focava muito mais na tensão, medo e susto, do que na contagem de corpos e cenas gore. Pois parece que, quinze anos depois, a influência daquele jeito oriental de fazer terror está dando frutos, através de filmes realizados por jovens diretores e roteiristas, com forte ligação com o cinema independente, que colocam as mortes em segundo plano e apostam no medo mais primitivo e no tom investigativo ou de estranheza para construir um suspense que prende o espectador na cadeira sem conseguir desviar os olhos.

Um filme que assisti recentemente e que exemplifica bem esse novo estilo de filme de terror, é a sinistra obra do diretor norueguês André Ovredal, “A Autópsia de Jane Doe”, de 2016, estrelado por Emile Hirsch e Brian Cox, que conhecendo a mim mesmo, resolvi assistir em uma tarde de sol, com toda casa aberta e usando cueca marrom, o que não evitou algumas noites de pesadelo.

O filme conta a história dos Tilden, pai (cox) e filho (Hirsch) que trabalham como legistas em Granthan, na Virgínia. Os dois seguem suas vidas , efetuando autópsias para a polícia e mantendo uma relação normal de pai e filho, até que em uma noite, o xerife da cidade (Michael McElhatton), traz para perícia, o corpo de uma mulher desconhecida (Jane doe, Nos E.U.A, significa mulher desconhecida) encontrado semienterrado no porão de uma casa sem sinal de arrombamento e onde as três outras pessoas encontradas mortas, aparentemente, estavam tentando sair. Sendo o caso um mistério, o Xerife pede urgência na descoberta da causa da morte, o que leva os legistas a decidirem passar a noite buscando respostas sobre o que pode ter acontecido com aquela mulher, sem imaginar que a presença daquele corpo vai colocar em xeque todas suas noções de razão, ciência e realidade.



O que mais me agradou nesse filme, foi sua estrutura de conto. Como falei, quando tratava do filme “Siren”, gosto dos contos porque eles se prendem em uma situação sem precisar aprofundar demais os personagens ou universo onde eles se encontram, explorando de forma pontual a situação que o personagem, ou grupo de personagens, está enfrentando e isso é exatamente o que acontece em “A autópsia de Jane Doe”. Embora tenhamos um vislumbre da história dos personagens, com uma pequena mostra do relacionamento do filho e com o monologo do pai sobre a perda da mulher, ou até mesmo com a apresentação do ambiente, onde o diretor, de forma inteligentíssima, mostra uma sequência de fotos que explicam que a família já trabalha naquele ramo a gerações, nada é maior do que a situação onde ambos são mergulhados, o que dá mais peso ao momento e tensão as ações.

Os Tilden
Um filme de terror deve manter uma tensão calculada, oscilando entre suspense e medo, até o susto; e nesse requisito, “A autópsia de Jane Doe” merece os parabéns graças a seu diretor. André Ovredal, consegue instigar o expectador apresentando os dois legistas quase como detetives, que vão resolvendo um enigma que foge totalmente as suas realidades e, conforme as revelações vão sendo feitas e a ideia de impossível desfeita, vamos nos tornando tão apreensivos quanto eles, acabando, também, por nos sentirmos presos naquele porão cheio de corpos. E o bacana, é que o diretor faz isso sem pressa, nos apresentando seus elementos de forma lenta e gradual, construindo toda uma ambientação que favorece o susto e o medo, e quando esses chegam, vem de forma instintiva, sem quase nunca mostrar nada, deixando que apenas nossa imaginação trabalhe, como nos contos de Lovecraft e isso é assustador e fantástico.

Outro fato que vem a somar ao filme, é a qualidade da atuação dos protagonistas. Emile Hirsch fazendo o papel do filho que sonha em interromper a linhagem de médicos legistas de sua família e ir embora com a namorada, ao mesmo tempo que não quer decepcionar o pai, parece despretensioso no filme, mas nem por isso menos crível no papel, já Brian Cox, rouba a cena como um médico cético, focado em seu trabalho para fugir do trauma de ter perdido a esposa e com dificuldades de aproximação com o filho. A iteração de ambos é muito bem orquestrada e conseguimos sentir o elo de pai e filho entre os dois, assim como seus problemas de relacionamento, que por muito só são expressos em olhares. As boas atuações, são outro fator, que em filmes todos os filmes, mas em especial os de terror, fazem toda a diferença para que nos preocupemos com os personagens e essa preocupação agregue tensão a trama e, Emile Hirsch e Brian Cox, possuem as qualidades necessárias para tal.

Outra coisa que me agradou bastante no filme, foi o respeito com o corpo da mulher. Como se trata da autópsia de uma mulher, fiquei com medo que em determinado momento, aquele corpo nu em cima de uma mesa, poderia ser alvo de fetichização, mas isso não ocorre em nenhum momento do filme, o corpo é tratado apenas como um corpo, ou seja, como restos mortais; em nenhum momento existe um olhar malicioso ou mesmo um gesto ou piada que sexualize a situação e essa atitude não apelativa, mostra a qualidade do roteiro e diretor.

Pois bem, não posso e nem vou falar mais desse filme, porque o achei muito bom, mas como história de terror, qualquer coisa que eu venha a revelar, só estragaria a experiência de assisti-lo. O que posso reafirmar é que ele é um exemplo dessa nova safra de filmes que apostam no susto e tom investigativo para prender o expectador e faz isso com extrema competência, com boas atuações, direção cuidadosa e trama redondinha e divertida (melhor dizer assustadora), falo para que ninguém espere um filme perfeito, mas garanto alguns sustos e mãos suadas por uma hora e meia.
Então se tiver oportunidade, assista “A autópsia de Jane Doe” e se for um cagão como eu, coloque uma cueca marrom, espere um dia de sol forte, abra toda a casa e aguarde os sustos, porque eles virão com certeza, então aproveite.

Fica a indicação.





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

SIREN (2016)

Parece que virou tendência transformar curtas em longas e, quando falo isso, me refiro a cinema e não ao uso das famosas bombinhas de sucção. Pois é, em tempos de escassez de roteiros originais, aprofundar , em loga metragem, as ideias e conceitos já explorados em menos tempo de tela vem se tornando uma opção para muita gente. Exemplos disso, são os ótimos "Whiplash" e "Distrito 9", que surgiram como curtas quase obscuros e chamaram a atenção do público quando suas histórias foram expandidas, no entanto, reciclar e aprofundar conceitos nem sempre é certeza de sucesso, podendo, pelo contrário, evidenciar um roteiro raso e uma história esquecível.

Talvez o grande trunfo para o sucesso da transformação de um curta em um longa, seja o drama e tensão que a história contenha e que podem ser elevados, conforme o talento do diretor, quando a história é aprofundada. Isso explicaria o sucesso dos dois filmes citados acima, que contem drama e tensão de sobra e ajudaria a entender porque que o gênero que menos obtém sucesso nessa nova tendência é o terror.

Um filme que demonstra isso, e que fiquei particularmente ansioso para assistir, foi "Siren", inspirado no curta "Amateur Night" de David Brukner, presente no filme "V.H.S", de 2012 e que conta , semelhante à produção original, a história de um grupo de amigos, que partem para uma despedida de solteiro atrás de diversão e loucura, indo parar em um casarão no meio de um pântano onde os mais estranhos e diversos fetiches são realizados. Lá eles são convencidos a pagar uma experiência dita como única ao noivo (Jonah), que acaba se deparando com uma mulher presa em uma sala, que, só Deus sabe porque, ele resolve liberta; acontece que essa aparente indefesa prisioneira é uma súcubo chamada Lylyth, um demônio devorador de homens, que passa a ver Jonah como um prêmio, matando todos que se colocam em seu caminho. Jonah e seus amigos, terão de fazer de tudo para escapar dessa noite que deveria ser uma das melhores de suas vidas e que se torna um pesadelo.



Fiquei ansioso para assistir a esse filme, porque dos curtas presentes no filme "V.H.S", esse foi o que mais deixou com cagaço. David Brukner, que dirigiu e escreveu aquele curta ( o filme tem a direção de Gregg Bishop) conseguia guiar o expectador por uma escala que começava no total descaso e acabava no verdadeiro medo, tudo isso utilizando poucas locações (na maioria fechadas), muita sombra e não dando quase nenhuma explicação sobre o passado dos personagens ou o que a criatura que eles encontram quer realmente, ou seja, fazendo o que um curta tem que fazer, que é focar em uma questão (no caso o medo) e trabalhar em cima disso; Já no filme, essa mesma sensação não se repete e penso que, da mesma forma que ocorreu em "quando as luzes se apagam" outro filme baseado em um curta de terror, o responsável é o próprio gênero das produções.

Pareço meiga, mas como as pessoas

Diferente de histórias que envolvem dramas pessoais e que podem ser exploradas e aprofundadas de diferente formas em um filme, os filme de terror tem o medo e tensão como combustível para a ação, nesse caso, histórias que se fundamentam apenas no contato com o desconhecido, tem no próprio desconhecido a essência de seu sucesso. O que quero dizer é que, quando explicamos a situação que originou o medo, ela passa a ,tanto não ser mais assustadora, como muitas vezes se mostrar uma ideia rasa e pouco original, e exatamente isso que acontece nesse filme.

Para começar, o filme deixa o estilo sombria da obra original para trás e apresenta um tom mais claro que beira as produções baratas feitas para a TV americana (e TV municipal) e, tendo dito que grande parte da tensão da obra original vinha da escuridão, penumbra e desconhecido, isso já acaba de início com grande parte do clima do filme. Outra questão é que o curta é filmado em primeira pessoa, no estilo de Found footage (aquele onde alguém acha uma fita contendo uma história fantástica, tipo "Bruxa de Blair"), o que te torna participante daquele pesadelo tentando escapar de qualquer maneira, o que não acontece no filme, que é filmado de forma convencional e acaba mostrando muito mais do que deveria.
Os cenário também parecem trabalhar contra o filme, pois as ambientações parecem sempre vazias e pouco naturais e os poucos coadjuvantes que aparecem são tão mal dirigidos que só não olham para as câmeras para não perder o pagamento de um salgado e um refri, fato que não é diferente com os personagens principais da trama são tão mal explorados e interpretados, que quando ameaçados, ninguém se importa com o triste destino que o filme promete lhes reservar.

No entanto, o pior do filme, é o próprio roteiro. Como a história original foi concebida para fazer sentido dentro de um curta, para alongar a história é necessária a introdução de itens que preencham lacunas e nisso, é incluído mais um vilão e motivos para o mesmo, o que faz com que a ideia original se perca de Vez. O filme traz como o outro antagonista, o Sr. Nyx, que, pelo que ele mostra, é um exorcista, demologista, bruxo, vendedor de artigos místicos e dono de bordel, não deixando claro sua principal atividade, mas não conseguindo causar medo em nenhuma cena onde dá as caras, na verdade, o próprio personagem não parece levar a sério as próprias loucuras que o cercam, sendo que quando ele morre, tanto faz, a vida segue. Além dele, ainda somos apresentados a uma bartender, que rouba as lembranças das pessoas através de sangue-sugas que crescem em sua cabeça no pior estilo Medusa e que não tem a menor necessidade de estar na trama, um enxerto que só mostra quanto o roteiro é parco.
fica quieto, porque esse filme é uma bomba
Junto a introdução desse outro vilão e sua bartender sinistra, é cometido outro grande erro, que é dar um passado ao demônio Lylyth. Como já disse, grande parte do que assusta nos filmes de terror é o desconhecido e, fora casos como filmes igual a "O chamado", que conseguem passar uma pegada investigativa e vamos descobrindo junto com os personagens o que está acontecendo, um filme que te entrega tudo e ao mesmo tempo não diz nada, apenas dilui sua própria relevância e Gregg Bishop fez isso quando, não somente mostra como Lylyth acabou em nossa dimensão, como também lhe dá uma cauda de capeta e asas de morcego, que embora ficassem implícitas no curta, não eram mostradas como no filme, fatos que se somam e acabam por, além de diminuir o medo causado pela história, transforma-la em uma comédia involuntária e o final do filme, assim como a cena de sexo entre o protagonista e a mulher demônio, parecem confirmar isso.

"Siren" é um exemplo de que algumas ideias devem permanecer no micro. Um filme que parece ter sido esticado de tal maneira que cresceu mas não consegue se sustentar (talvez o diretor tenha usado bombinhas de sucção), uma trama ruim e rasa que nasceu de um ótimo e assustador curta e que reúne em menos e vinte minutos mais qualidades do que o longa com quatro vezes o seu tamanho. Então se alguém lhe apresentar esse filme fuja para as montanhas ou corra para o mato para não perder uma hora e vinte de sua vida, ou convença a pobre alma a assistir à "V.H.S" de 2012, que realmente vale a pena ser assistido.




domingo, 8 de janeiro de 2017

PASSAGEIROS (2016)

A ficção científica vem há anos tomando um lugar mais iluminado dentre os estilos mais populares de cinema. Com produções como “Interstellar”, de Christopher Nolan, e “Gravidade” de Alfonso Cuarón, se tornando novos clássicos e abocanhando, além do aplauso da crítica e público, prêmios como o Oscar, Globo de ouro e o BAFTA, o estilo vem crescendo a cada ano e atraindo para si um grande número de astros e diretores. No entanto, o sucesso do estilo, depende bem mais do que o esmero nos efeitos visuais e a visão futurista da sociedade perfeita, pois a ficção científica de qualidade é aquela que reflete os problemas vividos no momento onde sua trama foi escrita, mas imaginada tendo consequências em um futuro distante, ou servindo de pano de fundo para apresentar problemas pessoais dos personagens, onde todos se identificam; justamente como fazem os filmes de Nolan e Cuarón, e, o que tenta fazer o mais novo filme estrelado por Jennifer Lawrence, Chris Pratt e dirigido por Morten Tyldum; “Passageiros”, que conta uma história de amor e (quase) catástrofe em meio a uma viagem intergaláctica.

“Passageiros” conta a história de Jim Preston (Pratt), um engenheiro mecânico, que na busca de maiores oportunidades parte, em animação suspensa, abordo da nave Avalon para ser um colonizador do planeta Homestead II juntamente com mais cinco mil pessoas. A viagem de cento e vinte anos é considerada rotineira e os equipamentos à prova de falhas, no entanto Jim é acordado noventa anos antes do prazo e se vê sozinho e impossibilitado de conseguir ajuda. Após um ano de solidão o engenheiro resolve acordar Aurora Lane (Lawrence), uma jovem escritora cuja obra foi a responsável pelo mesmo não perder sua sanidade, o tempo passa e o relacionamento de dois vai se estreitando até se transformar em uma romance, mas o que acontecerá quando Aurora descobrir que Jim a condenou a viver seus dias em uma viagem sem fim tendo apenas ele como sua companhia? E, o que eles farão ao descobrirem que a Avalon está indo de encontro com uma falha iminente que poderá causar a morte, não só deles, como das demais cinco mil pessoas?

Pois bem, “Passageiros” tem uma premissa bacana, fala sobre colonização espacial, em especial da viagem centenária para alcançar outro planeta habitável, e, como toda história de ficção científica que se destaque, aborda temas em que todas as pessoas conseguem se identificar, como solidão, romance, perdão e sacrifício. No entanto, o filme, que não chega a ser ruim, parece ficar devendo alguma coisa, uma ausência presente em toda trama, que, alias, parece nunca engrenar. Talvez o que falte seja um antagonista digno do elenco, ou diálogos mais densos e um aprofundamento maior naquela sociedade futurista, mas o fato é que, fora o enredo que fala de um futuro fantástico, “Passageiros” é um grande “Lagoa Azul” no espaço.

Talvez o pessoal mais novo não conheça, mas “Lagoa Azul” era um clássico da sessão da tarde da Globo, que repetiu inúmeras vezes e que contava a história de um casal de crianças que sobrevive a um naufrágio e vai parar em uma ilha deserta, crescendo junto, se apaixonando e vivendo as delícias e perigos do isolamento, exatamente a mesma premissa que o filme “passageiros” nos traz. Essa referência ganha força quando percebemos que a  produção é protagonizada por dois dos atores que, além de serem dois dos nomes em maior ascensão no cinema atual, são dois símbolos de beleza do momento, Chris Pratt, o Star Lord de “Os guardiões da Galáxia” e a oscarizada Jennifer Lawrence, a Mística dos últimos filmes dos “X-men”, o que nos leva a pensar que o enredo do filme tem como motivo o simples fetiche de se ter um belo casal preso a sós em um lugar onde tudo de que precisam está disponível e ninguém pode os incomodar, o que não foi má ideia para um filme dos anos oitenta como “A Lagoa Azul” e pode funcionar ainda hoje em um curta e até para um soft porn, mas que deixa muito a desejar no que se trata de uma produção de ficção científica.



 Um fator que talvez nos fizesse ignorar as questões que deixam a desejar na trama seria se a química entre os protagonistas funcionasse de forma perfeita, no entanto não é o que acontece. Chris Pratt que tem o humor como seu maior trunfo, não consegue convencer como o solitário e apaixonado Jim Preston, parecendo não possuir as qualidades necessárias para cativar Aurora Lane, a personagem de Jennifer Lawrence que, nesse filme, longe das rotineiras atuações de luxo que lhe renderem um oscar, transparece,  uma apresentação forçada e nos passa até um ar snobe e superior. Problemas que acabam por fazer com que não nos preocupemos de verdade com o destino de ambos os personagens.

No entanto, as mesmas características que parecem não unir o casal os abrilhantam quando os temos separados em tela. Chris Pratt, que domina solitário um quarto do filme, consegue arrancar algumas risadas quando decide viver tudo que a nave Avalon tem a oferecer a seu único hospede desperto e emociona sem precisar usar uma única palavra, quando sozinho faz um tour por fora da nave contemplando a imensidão do vazio externo que é semelhante o seu interno. O mesmo serve para Jennifer Lawrence, que se mostra sensual e sensível, quando , escrevendo seu livro em meio a viagem, aborda temas como solidão e passado, sem, contudo repetir o que Pratt oferece.

Partiu espaço?
Mas apesar de tudo, o filme ainda parece carecer de um motivo melhor para aquelas pessoas se encontrarem naquela situação inusitada e de um problema digno que os conecte de vez. Descobrimos, após mais de uma hora e meia de filme, que o problema que pode causar a morte de todos na nave e que despertou Jim Preston dois anos antes, foi um meteoro que atravessou os comandos de refrigeração do reator da nave; mas desde o início da trama sempre é dito que a nave é a prova de meteoros, falhas nas câmaras de hibernação e erros de sistema, mas erros são tudo que ocorrem na Avalon, nos remetendo agora ao “Titanic” de James Cameron, que era , segundo seus construtores, inaufragável, mas que foi a pique em sua primeira viagem. O pior é que, mesmo com Preston sendo engenheiro, é necessário que outro personagem (Lawrence Fishburne, com seu primeiro “magical negro”) surja para lhe mostrar onde estão os problemas que devem ser solucionados, para logo depois morrer, em uma das pontas mais desnecessárias dos últimos tempos, perdendo apenas para a que Andy Garcia faz nessa mesma produção, que se resume a sair de uma sala, parar na porta e fazer uma cara de espanto pouco antes dos créditos começarem a subir, de qualquer forma, se espera mais de um filme que junta dois astros em ascensão e traz um elenco de apoio de peso como o citado acima.

Bora !
Para encerrar, o filme ainda parece querer nos passar uma ideia de felicidade simples, baseada na cumplicidade e dependência mutua sustentada por uma forma de releitura de contos da bíblia. Assim temos um Adão e uma Eva, a bordo de um Éden futurista (talvez daí o nome Avalon da Nave, que na lenda era uma ilha famosa por suas belas maças), onde ao contrário do que fala no velho testamento, o pecado parte do homem que se apaixona e não mede as consequências em tentar ter a mulher ao seu lado. Da mesma forma a trama parece referenciar a história da arca de Noé, com o casal enfrentando um grande problema para conseguir com que os demais passageiros e tripulação cheguem ao seu destino e perpetuem o legado da humanidade, mas isso fica tão em segundo plano, que acaba esquecido quando o diretor resolve transformar a história de amor em tema central.


Enfim, “Passageiros”, embora não seja um filme que desmereça a ficção científica, ou que seja realmente ruim, não é uma produção que deva ficar muito tempo na lembrança de quem assistir, alcançando, no máximo, o status de filme divertido. O filme, que tem uma premissa bacana e consegue, até certo ponto, conectar o expectador com os personagens (principalmente o de Chris Pratt), falha ao não se aprofundar no universo a que aqueles personagens pertencem ou nos apresentar um problema excepcional que além de criar uma mudança dentro da história, justifique o que acontece ao final da história, dando á produção ares de sessão da tarde que jogam um balde de água fria em quem teve expectativa por um filme protagonizado por dois atores muito queridos pelas gerações mais novas e dirigido pelo mesmo diretor de “O jogo da Imitação”, desaparecendo assim no horizonte das produções de ficção científica como só mais um filme desliga cérebro.



sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O ROUBO DA TAÇA (2016)

O cinema brasileiro sempre foi visto com desconfiança pelos próprios brasileiros. Talvez pela pouca qualidade técnica, herança do tempo onde a maioria dos filmes que o Brasil produzia vinha da boca do lixo, com suas pornochanchadas e produções de baixo orçamento, ou pelo fato de grande parte das histórias levadas ao público tratarem sempre de tramas pouco diversificadas, vividas no período de ditadura ou retratando problemas sociais vividos em favelas. Mas esse quadro vem mudando bastante e hoje, com melhor acesso a equipamentos de qualidade e a visibilidade dada pela internet, o que favorece o patrocínio a quem pensa fora da caixa, o cinema tupiniquim vem crescendo gradualmente no que tem a oferecer a seu espectador, deixando pouco, ou nada a desejar a produções estrangeiras.

Uma produção que ilustra essa mudança em nosso cinema, mesmo ainda tendo laços com os temas miséria e ditadura militar, é o ótimo filme, dirigido por Caíto Ortiz e roteirizado pelo mesmo junto com Lusa Silvestre, "O roubo da Taça", que conta de maneira divertida e inteligente o episódio do roubo da taça Jules Rimet, ocorrido em Dezembro de 1983 e que, assim como o Curta "Ninjas", de Dennison Ramalho, me deu novas esperanças sobre o futuro da sétima arte brasileira.


"O roubo da Taça" conta a história de Sérgio Peralta, um malandro carioca, corretor de seguros, viciado em jogo e apaixonado por futebol, que após ser ameaçado de morte por um credor, resolve, junto com seu amigo "Borracha", roubar a cópia da taça Jules Rimet, que havia se tornado propriedade da CBF após a seleção de futebol brasileira vencer três copas do mundo. O que Peralta desconhece é que na terra da malandragem, camarão que dorme a onda leva e, por engano, a CBF deixou a taça verdadeira exposta e colocou a cópia em um cofre, entregando um abacaxi na mão dos ladrões e deixando o expectador boquiaberto ao saber que essa história maluca é baseada em fatos reais.

O filme é uma grata surpresa em todos os aspectos. Seja com o modo como conta e desenvolve a trama, ou no que se refere a montagem, ou mesmo na fotografia, "O roubo da taça" mostra que é possível fazer cinema de qualidade no Brasil. O roteiro do filme é bem redondinho e divertido, não deixando grandes pontas soltas na trama (a não ser, onde foi parar o Bispo?) e consegue desenvolver bem os personagens envolvidos e até justificar e tornar bacana a narração feita de forma didática pela personagem de Taís Araujo. A palheta de cores que o filme tem, onde se vê grande predominância amarelo e marrom, cores da moda no início dos anos oitenta, me pareceram remeter a cor da camisa da seleção brasileira e a um sinal de que vai dar "M"; fato que ainda se sustenta pela investigação feita pelo personagem de Milhem Cortaz, que fica em segundo plano no filme, mas aumenta a tenção da história e, pela montagem que lembra a forma dos filmes americanos de roubo e suspense.

Comparando com produções estrangeiras, é impossível de não lembrar de "Fargo" dos irmãos Coen, ao assistir "O roubo da taça". Os dois filmes contam histórias de erros absurdos envolvendo crimes, ambos possuem uma dupla de marginais nada ortodoxa e terminam com uma mulher se dando bem, se tornando opostos apenas no que se refere ao clima das locações, pois enquanto "Fargo" se passa na gélida Minesota, ao Norte dos E.U.A, "O roubo da Taça" tem o tropical Rio de Janeiro como cenário e, embora o filme dos irmãos Coen se destaque mais pela violência, o filme brasileiro tem a vantagem de realmente ser baseado em uma história real.

Vai dar "m"
Sobre a verdadeira história do roubo da taça Julles Rimet, fiquei tão impressionado com o que vi no filme, que fui obrigado a procurar mais sobre o que aconteceu naquela noite de 19 de Dezembro de 1983 no prédio da CBF no Rio de Janeiro, e, me deparei com um capítulo de um programa que fazia muito sucesso nos anos 90, na rede Globo, o "Linha direta", um programa semanal jornalístico, que misturava documentário com investigação e, toda semana, trazia casos que variavam entre crimes famosos, denuncias de fugitivos da lei e casos fantásticos. Nesse capítulo do "linha direta", pessoas do nível de Pelé e Carlos Alberto Torres falam como receberam a notícia do roubo da taça e especialistas, como o responsável pelas investigações na época, contam como as investigações procederam e o que supostamente ocorreu com o troféu do tri, que nunca mais foi encontrado; o programa é muito bom e está todo no youtube. (link abaixo)

O elenco é fantástico. Protagonizado pelo não tão famoso Paulo Tiefenthaler, que mesmo assim chama pra si e se apresenta como uma grande opção na comédia, o filme tem ainda Taís Araujo, esbanjando beleza e malícia, no papel de Dolores, a companheira de Sérgio Peralta e narradora da história; Milhem Cortaz, como o investigador durão da polícia civil que busca resolver o caso do crime, Mister Catra, como um comprador de ouro fanático pela copa de 70 e Stepan Nercesian, como o presidente da CBF; o que mais se precisa dizer?

Pois bem, sabendo que o filme foi baseado em um episódio real ocorrido em nosso querido Brasil-sil-sil e deixando claro que o filme me agradou de mais e me deu esperanças para um cinema Brasileiro que abocanhará muitos prêmios internacionais e faturará muita grana, não posso estragar a experiência de quem quer ver "O roubo da Taça" dando mais detalhes, só dizer uma coisa: Assista!, pois com certeza o filme de Caíto Ortiz irá mudar sua percepção de cinema brasileiro daqui para a frente, pois "O roubo da taça" é um filme original e inteligente, repleto de humor, que conta com agilidade um dos episódios mais tragi-cômicos ocorridos no país do futebol e da malandragem, deixando claro que, muito antes dos fatídicos 7x1, nosso país já tinha muito para explicar ao mundo de como funciona nossas organizações e sociedade.

TRAILER:




LINHA DIRETA: O ROUBO DA TAÇA


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

INVASÃO ZUMBI (2016): Trem para Busan



Se o século vinte e um trouxe uma certeza para o mundo, é que a Coréia do Sul sabe fazer cinema. Com filmes que se tornaram clássicos, como a trilogia da vingança de Park Chan-Wook, e produções que reinventaram os estilos a que pertenciam, como “O hospedeiro”, “Sede de Sangue” e “Eu vi o Demônio”, o cinema Sul Coréia conquistou o público e a crítica, tornando-se ele, inspiração para produções ocidentais. No entanto, depois do massacre no colégio técnico de Virgínia, nos EUA, efetuado pelo estudante sul Coreano Cho Seung Hui, onde foram divulgadas fotos onde o mesmo fazia poses com um martelo, fato que foi identificado como referência ao filme “Old Boy”, filmes daquele país acabaram perdendo espaço e por muito tempo o acesso aos mesmos se tornou mais difícil.

Porém, mesmo com as dificuldades, o cinema Coreano seguiu se aprimorando e agregando seu ponto de vista a estilos e conceitos já conhecidos, e até batidos aqui por estas bandas, tornando algumas de suas produções impossíveis de ser desprezadas. Um ótimo exemplo, é o filme que estreou quase na véspera do Natal de 2016 aqui no Brasil e que chamou minha atenção pela forma que conta uma história que está muito saturada em nossa cultura, trata-se de “Trem Para Busan”, ou como foi nomeado em nosso país, “Invasão Zumbi”, do diretor Yeon Sang-Ho, que de forma simples, divertida e emocionante me deu nova energia para encarar mais uma produção com um tema já tão explorado e me manteve preso na cadeira, em suas quase duas horas, com uma mistura de emoções que nenhum outro filme do estilo me causou na vida.




Sinopse:

Seok-woo, um gestor financeiro, resolve atender o pedido de aniversário de sua filha e levá-la para a cidade de Busan para ver sua mãe; no mesmo trem, o time de Baseball estudantil onde joga Young-Guk parte para um jogo do campeonato; o truculento Sang-Hwa vai com sua esposa Sung-Kyung para casa de parentes e Young-suk vai voltar para casa. Tudo parece normal, mas o que todos ignoram na viagem de trem até Busan, é que na noite anterior, um acidente na usina de Ansan contaminou um grande número de pessoas, tornando-as violentas e irracionais, e, que entrando escondido no trem, existe um passageiro infectado, o que desencadeará uma onda de violência e luta pela sobrevivência dos passageiros; resta agora saber se eles chegarão seguros em sua última parada ao enfrentar um vírus que se espalha mais rápido do que um trem-bala.


Mas, o que esse filme tem?

Lendo a sinopse de “Trem para Busan”, ele parece mais um filme de zumbis iguais a muitos que vemos hoje em dia, onde suas referências são bem claras, como o fato de os protagonistas estarem isolados em um local fechado, tal qual “a Noite dos mortos-vivos” ou “Madrugada dos Mortos”, e, também a ideia de apocalipse zumbi, que se tornou famosa com a série “the walking dead”. No entanto, o filme traz em si questionamento e pontos de vista que, tanto se opõem à visão de sociedade dessas produções, como aprofunda ideias e situações atuais de nosso mundo usando a trama do filme como alegoria.

Dentre os argumentos que se opõem a outras produções do gênero, em especial a “the Walking Dead”, está a ideia de que a gentileza e o sacrifício é o que salvariam a humanidade em uma situação como a apresentada no filme. Enquanto na série criada por Robert Kirkman, a sociedade se tornou egoísta e violenta, se defendendo em pequenos bandos, na sociedade que se forma em “Trem para Busan” a sobrevivência depende de todos e é importante buscar salvar a todos, mesmo os que não tenham uma utilidade prática ou que sejam desconhecidos, e isso é exposto pouco a pouco e vai sendo ensinado ao protagonista (Seok-woo), por quem ELE deveria ensinar, que é sua filha, culminando em uma cena final, onde a capacidade de se emocionar, que é o que define o humano, é o que assegura o destino dos sobreviventes, cena que também acaba se opondo a tomada final do clássico “Anoite dos mortos-vivos”
Mesmo ignorando toda diferença de tempo das situações apresentadas na série da AMC e do filme Sul Coreano, onde, no filme, o vírus se espalhou por menos de um dia e na série a infecção já devastou o planeta por anos, o que fez as pessoas se obrigaram a tornarem-se mais duras, acredito que esse diferencial ético seja válido e engrandeça a produção oriental por nortear sua história com uma visão mais nobre sem ser nada piegas.

Ainda falando sobre ética, o filme traz reflexões em seu desenrolar, que remetem ao momento atual vivido por nossa sociedade. Um deles se dá, quando após uma parada frustrada, os sobreviventes se encontram divididos em vagões distantes, sendo necessário que alguns deles atravessem vagões cheios de mortos-vivos para encontrar seus amigos e parentes. Chegando lá, após muito sacrifício, grande parte das pessoas que estava seguras resolve expulsá-los por medo de que algum estivesse contaminado por virem de uma área mais perigosa. Essa sequência me remeteu muito a crise dos refugiados que estamos vivendo nos dias atuais, onde vemos milhares de pessoas buscando salvação ao sair de suas casas em zonas de guerra e que, muitas vezes, são alvo de desconfiança e medo de quem os vê chegando em seu país, aparentemente tão seguro; resposta que o roteiro dá, ao deixar claro que as vezes o perigo está exatamente onde nos achamos seguros.

Agora o bicho vai pegar
Mas além de levantar questionamentos e fazer menção ao momento atual em nossa sociedade, o filme é extremamente divertido e tenso. Quanto a tensão, ela surge desde o prólogo que temos antes da apresentação do título da produção, onde vemos um caminhão atropelando um cervo e o mesmo levantando “Zumbificado”, em uma cena que me lembrou bastante o início do também Sul Coreano “O Hospedeiro”, e, a tensão só cresce com o decorrer da história, nos passando aquela sensação de que vai dar tudo errado, quando vemos o passageiro infectado com uma mordida na perna e rezando no banheiro para que não se transforme. Já falando de diversão, o segundo ato do filme é fantástico, onde temos, praticamente, um jogo de plataforma, com três personagens, batendo nos zumbis para conseguirem atravessar quatro vagões e alcançar seus entes queridos, destaque para o truculento Sang-Hwa, que sai no braço com os mortos-vivos.

Para encerrar, o filme ainda tem uma mensagem de esperança ao final, que é precedida por uma das cenas mais bonitas que já assisti em um filme de terror ou thriller de ação e que vai se desenhando desde a primeira conversa entre Seok-woo e sua filha Soo-An, passa pelos diálogos entre os sobreviventes, quando estes precisam lutar contra os zumbis, e termina com a própria Soo-An, cantando a música que cantou em uma apresentação da escola onde o pai não foi por causa do trabalho, encerrando o filme com um trio de sobreviventes inusitados e símbolos máximos de esperança, me deixando com um nó na garganta.

Pois bem, nada que eu vá dizer poderá substituir a experiência de assistir esse que foi uma das grandes surpresas boas que 2016 me deu, então se tiver um tempinho, assista “Trem para Busan”, ou como ficou por aqui, “Invasão Zumbi” e se emocione e aterrorize-se nessa viagem de duas horas na busca por um lugar seguro em um trem cheio de emoções, referências e questionamentos que vão te fazer pensar sobre a vida e nosso mundo.