segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

A AUTÓPSIA DE JANE DOE (2016)

Quem já perdeu alguns minutos de sua vida lendo o que eu escrevo, deve ter percebido como eu dou destaque às obras de ficção científica e fujo de produções que foquem no terror. Eu poderia dizer que é culpa da minha criação e das coisas que me acostumei a ver e ler na minha infância, ou afirmar que simplesmente não gosto do gênero, mas a grande verdade é que sou um cagão!

Cresci em um tempo em que toda semana um filme slasher estrelados por Freddy Krueger ou Jason Voorhees passava na Globo e onde se podia assistir “Colheita Maldita” e “Um lobisomem americano em Londres” as duas da tarde, no falecido cinema em casa do SBT e a possibilidade de assistir a esses filmes de adulto era muito bacana para mim, na época com sete ou oito anos, ainda mais quando acompanhado de amigos e primos, mas uma experiência vivida no meio do dia, não tinha um reflexo tão prazeroso quando era hora de dormir e tive tantos pesadelos, que resolvi deixar o cinema de terror meio que de lado por muito, muito tempo.

Só me reaproximei daquele estilo de filmes novamente, quando virou moda as produções orientais terem uma versão americana. Foi nessa época que me deparei com o filme “O Chamado” (2002), uma obra que me impressionou e que inaugurou (pelo menos no ocidente e de forma popular) um terror que focava muito mais na tensão, medo e susto, do que na contagem de corpos e cenas gore. Pois parece que, quinze anos depois, a influência daquele jeito oriental de fazer terror está dando frutos, através de filmes realizados por jovens diretores e roteiristas, com forte ligação com o cinema independente, que colocam as mortes em segundo plano e apostam no medo mais primitivo e no tom investigativo ou de estranheza para construir um suspense que prende o espectador na cadeira sem conseguir desviar os olhos.

Um filme que assisti recentemente e que exemplifica bem esse novo estilo de filme de terror, é a sinistra obra do diretor norueguês André Ovredal, “A Autópsia de Jane Doe”, de 2016, estrelado por Emile Hirsch e Brian Cox, que conhecendo a mim mesmo, resolvi assistir em uma tarde de sol, com toda casa aberta e usando cueca marrom, o que não evitou algumas noites de pesadelo.

O filme conta a história dos Tilden, pai (cox) e filho (Hirsch) que trabalham como legistas em Granthan, na Virgínia. Os dois seguem suas vidas , efetuando autópsias para a polícia e mantendo uma relação normal de pai e filho, até que em uma noite, o xerife da cidade (Michael McElhatton), traz para perícia, o corpo de uma mulher desconhecida (Jane doe, Nos E.U.A, significa mulher desconhecida) encontrado semienterrado no porão de uma casa sem sinal de arrombamento e onde as três outras pessoas encontradas mortas, aparentemente, estavam tentando sair. Sendo o caso um mistério, o Xerife pede urgência na descoberta da causa da morte, o que leva os legistas a decidirem passar a noite buscando respostas sobre o que pode ter acontecido com aquela mulher, sem imaginar que a presença daquele corpo vai colocar em xeque todas suas noções de razão, ciência e realidade.



O que mais me agradou nesse filme, foi sua estrutura de conto. Como falei, quando tratava do filme “Siren”, gosto dos contos porque eles se prendem em uma situação sem precisar aprofundar demais os personagens ou universo onde eles se encontram, explorando de forma pontual a situação que o personagem, ou grupo de personagens, está enfrentando e isso é exatamente o que acontece em “A autópsia de Jane Doe”. Embora tenhamos um vislumbre da história dos personagens, com uma pequena mostra do relacionamento do filho e com o monologo do pai sobre a perda da mulher, ou até mesmo com a apresentação do ambiente, onde o diretor, de forma inteligentíssima, mostra uma sequência de fotos que explicam que a família já trabalha naquele ramo a gerações, nada é maior do que a situação onde ambos são mergulhados, o que dá mais peso ao momento e tensão as ações.

Os Tilden
Um filme de terror deve manter uma tensão calculada, oscilando entre suspense e medo, até o susto; e nesse requisito, “A autópsia de Jane Doe” merece os parabéns graças a seu diretor. André Ovredal, consegue instigar o expectador apresentando os dois legistas quase como detetives, que vão resolvendo um enigma que foge totalmente as suas realidades e, conforme as revelações vão sendo feitas e a ideia de impossível desfeita, vamos nos tornando tão apreensivos quanto eles, acabando, também, por nos sentirmos presos naquele porão cheio de corpos. E o bacana, é que o diretor faz isso sem pressa, nos apresentando seus elementos de forma lenta e gradual, construindo toda uma ambientação que favorece o susto e o medo, e quando esses chegam, vem de forma instintiva, sem quase nunca mostrar nada, deixando que apenas nossa imaginação trabalhe, como nos contos de Lovecraft e isso é assustador e fantástico.

Outro fato que vem a somar ao filme, é a qualidade da atuação dos protagonistas. Emile Hirsch fazendo o papel do filho que sonha em interromper a linhagem de médicos legistas de sua família e ir embora com a namorada, ao mesmo tempo que não quer decepcionar o pai, parece despretensioso no filme, mas nem por isso menos crível no papel, já Brian Cox, rouba a cena como um médico cético, focado em seu trabalho para fugir do trauma de ter perdido a esposa e com dificuldades de aproximação com o filho. A iteração de ambos é muito bem orquestrada e conseguimos sentir o elo de pai e filho entre os dois, assim como seus problemas de relacionamento, que por muito só são expressos em olhares. As boas atuações, são outro fator, que em filmes todos os filmes, mas em especial os de terror, fazem toda a diferença para que nos preocupemos com os personagens e essa preocupação agregue tensão a trama e, Emile Hirsch e Brian Cox, possuem as qualidades necessárias para tal.

Outra coisa que me agradou bastante no filme, foi o respeito com o corpo da mulher. Como se trata da autópsia de uma mulher, fiquei com medo que em determinado momento, aquele corpo nu em cima de uma mesa, poderia ser alvo de fetichização, mas isso não ocorre em nenhum momento do filme, o corpo é tratado apenas como um corpo, ou seja, como restos mortais; em nenhum momento existe um olhar malicioso ou mesmo um gesto ou piada que sexualize a situação e essa atitude não apelativa, mostra a qualidade do roteiro e diretor.

Pois bem, não posso e nem vou falar mais desse filme, porque o achei muito bom, mas como história de terror, qualquer coisa que eu venha a revelar, só estragaria a experiência de assisti-lo. O que posso reafirmar é que ele é um exemplo dessa nova safra de filmes que apostam no susto e tom investigativo para prender o expectador e faz isso com extrema competência, com boas atuações, direção cuidadosa e trama redondinha e divertida (melhor dizer assustadora), falo para que ninguém espere um filme perfeito, mas garanto alguns sustos e mãos suadas por uma hora e meia.
Então se tiver oportunidade, assista “A autópsia de Jane Doe” e se for um cagão como eu, coloque uma cueca marrom, espere um dia de sol forte, abra toda a casa e aguarde os sustos, porque eles virão com certeza, então aproveite.

Fica a indicação.





Nenhum comentário:

Postar um comentário