segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

INVASÃO ZUMBI (2016): Trem para Busan



Se o século vinte e um trouxe uma certeza para o mundo, é que a Coréia do Sul sabe fazer cinema. Com filmes que se tornaram clássicos, como a trilogia da vingança de Park Chan-Wook, e produções que reinventaram os estilos a que pertenciam, como “O hospedeiro”, “Sede de Sangue” e “Eu vi o Demônio”, o cinema Sul Coréia conquistou o público e a crítica, tornando-se ele, inspiração para produções ocidentais. No entanto, depois do massacre no colégio técnico de Virgínia, nos EUA, efetuado pelo estudante sul Coreano Cho Seung Hui, onde foram divulgadas fotos onde o mesmo fazia poses com um martelo, fato que foi identificado como referência ao filme “Old Boy”, filmes daquele país acabaram perdendo espaço e por muito tempo o acesso aos mesmos se tornou mais difícil.

Porém, mesmo com as dificuldades, o cinema Coreano seguiu se aprimorando e agregando seu ponto de vista a estilos e conceitos já conhecidos, e até batidos aqui por estas bandas, tornando algumas de suas produções impossíveis de ser desprezadas. Um ótimo exemplo, é o filme que estreou quase na véspera do Natal de 2016 aqui no Brasil e que chamou minha atenção pela forma que conta uma história que está muito saturada em nossa cultura, trata-se de “Trem Para Busan”, ou como foi nomeado em nosso país, “Invasão Zumbi”, do diretor Yeon Sang-Ho, que de forma simples, divertida e emocionante me deu nova energia para encarar mais uma produção com um tema já tão explorado e me manteve preso na cadeira, em suas quase duas horas, com uma mistura de emoções que nenhum outro filme do estilo me causou na vida.




Sinopse:

Seok-woo, um gestor financeiro, resolve atender o pedido de aniversário de sua filha e levá-la para a cidade de Busan para ver sua mãe; no mesmo trem, o time de Baseball estudantil onde joga Young-Guk parte para um jogo do campeonato; o truculento Sang-Hwa vai com sua esposa Sung-Kyung para casa de parentes e Young-suk vai voltar para casa. Tudo parece normal, mas o que todos ignoram na viagem de trem até Busan, é que na noite anterior, um acidente na usina de Ansan contaminou um grande número de pessoas, tornando-as violentas e irracionais, e, que entrando escondido no trem, existe um passageiro infectado, o que desencadeará uma onda de violência e luta pela sobrevivência dos passageiros; resta agora saber se eles chegarão seguros em sua última parada ao enfrentar um vírus que se espalha mais rápido do que um trem-bala.


Mas, o que esse filme tem?

Lendo a sinopse de “Trem para Busan”, ele parece mais um filme de zumbis iguais a muitos que vemos hoje em dia, onde suas referências são bem claras, como o fato de os protagonistas estarem isolados em um local fechado, tal qual “a Noite dos mortos-vivos” ou “Madrugada dos Mortos”, e, também a ideia de apocalipse zumbi, que se tornou famosa com a série “the walking dead”. No entanto, o filme traz em si questionamento e pontos de vista que, tanto se opõem à visão de sociedade dessas produções, como aprofunda ideias e situações atuais de nosso mundo usando a trama do filme como alegoria.

Dentre os argumentos que se opõem a outras produções do gênero, em especial a “the Walking Dead”, está a ideia de que a gentileza e o sacrifício é o que salvariam a humanidade em uma situação como a apresentada no filme. Enquanto na série criada por Robert Kirkman, a sociedade se tornou egoísta e violenta, se defendendo em pequenos bandos, na sociedade que se forma em “Trem para Busan” a sobrevivência depende de todos e é importante buscar salvar a todos, mesmo os que não tenham uma utilidade prática ou que sejam desconhecidos, e isso é exposto pouco a pouco e vai sendo ensinado ao protagonista (Seok-woo), por quem ELE deveria ensinar, que é sua filha, culminando em uma cena final, onde a capacidade de se emocionar, que é o que define o humano, é o que assegura o destino dos sobreviventes, cena que também acaba se opondo a tomada final do clássico “Anoite dos mortos-vivos”
Mesmo ignorando toda diferença de tempo das situações apresentadas na série da AMC e do filme Sul Coreano, onde, no filme, o vírus se espalhou por menos de um dia e na série a infecção já devastou o planeta por anos, o que fez as pessoas se obrigaram a tornarem-se mais duras, acredito que esse diferencial ético seja válido e engrandeça a produção oriental por nortear sua história com uma visão mais nobre sem ser nada piegas.

Ainda falando sobre ética, o filme traz reflexões em seu desenrolar, que remetem ao momento atual vivido por nossa sociedade. Um deles se dá, quando após uma parada frustrada, os sobreviventes se encontram divididos em vagões distantes, sendo necessário que alguns deles atravessem vagões cheios de mortos-vivos para encontrar seus amigos e parentes. Chegando lá, após muito sacrifício, grande parte das pessoas que estava seguras resolve expulsá-los por medo de que algum estivesse contaminado por virem de uma área mais perigosa. Essa sequência me remeteu muito a crise dos refugiados que estamos vivendo nos dias atuais, onde vemos milhares de pessoas buscando salvação ao sair de suas casas em zonas de guerra e que, muitas vezes, são alvo de desconfiança e medo de quem os vê chegando em seu país, aparentemente tão seguro; resposta que o roteiro dá, ao deixar claro que as vezes o perigo está exatamente onde nos achamos seguros.

Agora o bicho vai pegar
Mas além de levantar questionamentos e fazer menção ao momento atual em nossa sociedade, o filme é extremamente divertido e tenso. Quanto a tensão, ela surge desde o prólogo que temos antes da apresentação do título da produção, onde vemos um caminhão atropelando um cervo e o mesmo levantando “Zumbificado”, em uma cena que me lembrou bastante o início do também Sul Coreano “O Hospedeiro”, e, a tensão só cresce com o decorrer da história, nos passando aquela sensação de que vai dar tudo errado, quando vemos o passageiro infectado com uma mordida na perna e rezando no banheiro para que não se transforme. Já falando de diversão, o segundo ato do filme é fantástico, onde temos, praticamente, um jogo de plataforma, com três personagens, batendo nos zumbis para conseguirem atravessar quatro vagões e alcançar seus entes queridos, destaque para o truculento Sang-Hwa, que sai no braço com os mortos-vivos.

Para encerrar, o filme ainda tem uma mensagem de esperança ao final, que é precedida por uma das cenas mais bonitas que já assisti em um filme de terror ou thriller de ação e que vai se desenhando desde a primeira conversa entre Seok-woo e sua filha Soo-An, passa pelos diálogos entre os sobreviventes, quando estes precisam lutar contra os zumbis, e termina com a própria Soo-An, cantando a música que cantou em uma apresentação da escola onde o pai não foi por causa do trabalho, encerrando o filme com um trio de sobreviventes inusitados e símbolos máximos de esperança, me deixando com um nó na garganta.

Pois bem, nada que eu vá dizer poderá substituir a experiência de assistir esse que foi uma das grandes surpresas boas que 2016 me deu, então se tiver um tempinho, assista “Trem para Busan”, ou como ficou por aqui, “Invasão Zumbi” e se emocione e aterrorize-se nessa viagem de duas horas na busca por um lugar seguro em um trem cheio de emoções, referências e questionamentos que vão te fazer pensar sobre a vida e nosso mundo.

 

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