sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

"Years & Years"(2019) - tema o futuro!

 

2021 chegando e eu não consigo deixar de  ver nesse futuro cada vez mais o reflexo do passado, antes com o flerte com o fascismo e a romanização da ditadura, agora, no alto uma pandemia, com uma revolta da vacina.
No meio dessa loucura toda, que descobri uma série de 2019 que analisado o momento atual do mundo ,tenta apresentar uma visão dos próximos 15 anos e o resultado é fantástico e assustador. Tratasse de "Years & Years" série distopia inglesa produzida em parceria pela BBC One e HBO e escrita por Russel T.Davies, que me fascinou e assombrou nesses últimos dias de 2020.

A série acompanha, de 2019 até 2034, as desventuras da Família Lyons, uma plural e moderna família Inglesa composta por quatro irmãos ( Stephen,Edith, Daniel e Rosie) sua avó materna, seus filhos e relacionamentos que vão sofrer os reflexos da evolução tecnológica,  crise migratória, quebra dos bancos, uberização do emprego e do crescimento do Populismo de extrema direita, personificado na figura de Vivienne Rook.


A série me pegou já no começo,  quando vai apresentando os membros da Família Lyons e suas diferenças e semelhanças que nortearão a história.Os Lyons são o mundo! Ímpares , mas iguais; alegres e festeiros, mas vítimas das mais terríveis tragédias; buscando o melhor enquanto o pior os ronda. Sendo assim, cada Um dos membros da Família representará uma ou mais questões a ser refletidas nos seis episódios da série.

Stephen,o irmão mais velho, junto com sua esposa Celeste, serão a fragilidade da situação financeira da classe média em um mundo sem certezas quanto a trabalho e emprego e a necessidade de se reinventar frente a uberização dominante e tecnologias que dispensam o conhecimento técnico e subjetividade.

Bethany, filha mais velha de Stephen e Celeste, representará a tecnologia cada vez mais presente no dia a dia das pessoas. Ela se diz trans-humana e sonha em reciclar seu corpo orgânico e se tornar uma máquina ou apenas dados na rede.

Edyth Lyons, uma ativista social, nos apresenta os impactos do crescimento desenfreado do mesmo estilo de consumo na natureza e os resultados e o que se esconde por trás das silenciosas guerras comerciais.Ela representa a tanto a luta contra um sistema autodestrutivo  quanto a pequenez do ser humano frente a esse sistema.

Daniel Lyons, que é funcionário da Imigração e assumidamente gay, Junto de seu namorado refugiado, Viktor,será tanto a visão de um futuro onde o respeito sobre as diferentes opções foram rapidamente  deslumbrados, como quanto pode ser amargo e desesperador quando o mínimo é arrancado de nós. Daniel é a luta pela vida e busca pela felicidade, tendo para isso, a triste tarefa de dar rosto e voz , a luta de quem atravessa as fronteiras, fugindo da opressão dos extremos para buscar o mínimo de dignidade.

Fechando os principais membros da Família Lyons,temos Rosie, a irmã mais nova. Nascida com a espinha Bífida e mãe solteira de dois filhos, ela gerencia uma equipe em um refeitório de escola, tendo um padrão de vida mais abaixo que seus irmãos e vai sofrer os impactos das novas tecnologias, cortes de gastos, além de ser vítima de uma ferrenha burocracia e descaso ao tentar se reinventar.

Ainda entre os personagens principais, mas distante da Família Lyons, temos Vivienne Rook, política populista de direita, que surge sem Partido em programas locais de TV e  começa a ganhar espaço e destaque ao falar, sem filtro, o que pensa, derramando seus preconceitos e nacionalismo sobre um país que patina sozinho ao lado de uma Europa em Caos, EUA fechado e China cada vez mais crescente. Utilizando da tecnologia e do Ambiente propício,Vivienne vai se infiltrando e tirando vantagem. Vivienne é a nova política populista que cresce a cada dia, negacionista, debochada,  indiferente e alinhada com pequenos grupos de poder ,mas que se traveste de povo e se diz desinteressado em vantagens.

A série é fantástica, em apenas seis episódios consegue entregar uma visão distópica e assustadora de um futuro não muito distante, mas sem ser dramática ou triste de mais ou exagerada em tecnologias ou quebras muito grandes com a sociedade atual; tudo em "Years e Years" é muito plausível, parece muito perto e isso que deixa a séria fascinante e assustadora!

Senti falta de dois temas que não foram abordados na série,  O primeiro são as redes sociais, serviços tão presentes hoje em dia, que movimentam Bilhões de pessoas e dinheiro e que geraram um grupo novo de poder nesses últimos anos, os Influencers, que tem se apresentando tanto como representantes de pensamento de determinados grupos quanto indicadores de tendência, mas que , fora a citação de Vivienne Rook sobre seu "canal" não aparecem na série , perdendo a chance de demonstrar os efeitos de uma vida não prática e baseada em aparências. A outra coisa que senti falta foi a religião,  acompanhando o mundo atual, se vê que correndo ao lado do extremismo político encontre-se o discurso religioso populista, quando não também extremista, que utiliza a base da religião para implantar ideias conveniente para seus líderes,mas isso não é nem superficialmente sugerido no decorrer da série . Mas quem sabe, no caso de um possível segunda temporada ,não vejamos esses temas abordados de maneira tão competente quanto as que questão desses seis primeiros episódios? Quem sabe?!Vamos torcer.

" Years & years" foi um achado! Uma série de um ano atrás que me fez olhar com receio para um futuro cada vez mais incerto e refletir sobre para onde estamos indo,ao mesmo tempo que aborda a importância da família, da força do amor e da importância de se lutar pelo que é certo. Para mim, uma série obrigatória para quem quer imaginar para onde estamos indo e pense em mudar de curso enquanto ainda se pode.

Pois então, assista ."Years & Years".

E que venha o futuro!





terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Derinaldo

 Triste demais o assassinato do policial em frente as câmeras no Rio de Janeiro!

O discurso da filha dele no enterro, então me deu um nó na garganta. 

Fiquei com a imagem da ação e da covardia do bandido na cabeça e, vendo alguns post sobre o ocorrido na minha timeline, percebi que em poucos, citavam o nome completo da vítima ou mensão à sua família; o policial era apenas O policial,  um número,  mais um; assim como as mais duas crianças mortas na favela no sábado ou mais uma mulher vítima de feminicidio, no final de Novembro, naquele dia na faculdade de Valença-RJ, amanhã só o diabo sabe onde!


A polícia que mais morre no mundo é tão vítima da coletivização  pela mídia e opinião pública quanto mulheres, negros, gays e pobres; somas em uma guerra sem fim com a tristeza de que muitos desses policiais morrem duas vezes, a primeira quando perdem a vida e a segunda quando tem seus sacrifícios usados para justificar ações violentas passadas e futuras. 


O policial não era um número!

O nome do policial era Derinaldo Cardoso dos Santos, tinha 34 anos,  faria 10 anos como PM em Janeiro de 2021 e deixou a esposa e dois filhos. 

Derinaldo era uma pessoa, um indivíduo, que morreu como herói fazendo o que é certo no exercício do dever. 

Descanse em paz Derinaldo!


segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

TRABALHE ENQUANTO ELES DORMEM?

 

"Trabalhe enquanto eles dormem e viva enquanto eles sonham"


Vou contar para vocês, em 2002 eu trabalhava no turno das 22:30 até as 06:30 em loja de conveniências de um posto de combustíveis, fazia cursinho pré-vestibular das 07:45 ao meio dia e 2 vezes por semana tentava aprimorar o Windows e aprender sobre DOS e Linux em um cursinho na falecida Exatus informática, passei   nessa rotina por um ano e o resultado foi um fracasso!! 


dormindo menos de 6 horas por dia meu raciocinio era mais lento, meu humor horrível, minha vida social foi a zero, Engordei 20 kg  e ao final não passei no vestibular, nunca aprendi a mexer no Linux e nem lembro o que era o DOS. Foi um ano Tão perdido que se me perguntarem qual a melhor lembrança que tenho dele, eu digo que foi poder assistir todos os jogos da copa de 2002 e ainda ser pago pra isso( e se revejo os lances dessa copa, ainda me surpreendo porque meu cérebro quase não gravou nada) , ou seja, eu não vivi e nem sonhei em 2002 então, o que posso te dizer sobre essa experiência  é : VIVA O HOJE! Nosso tempo é muito precioso e limitado para que seja todo investido em "produtividade" !


Teu maior patrimônio é o tempo que tens para sorrir despreocupado.




quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

IMPULSE - A série (2018)





  A frase mais repetida que eu ouço, quando falo de uma série, é: “tem na Netflix?”. Eu entendo esse questionamento, o serviço de streaming mais popular do planeta se transformou em sinônimo de relevância no que se trata de entretenimento e sendo assim, se tem lá, é porque é bom! Só que, existe muita coisa bacana sendo feita fora dessa bolha e que quase ninguém dá a devida atenção, mas que precisam conhecer.

  
Um bom exemplo é uma série de ficção científica que teve sua primeira temporada apresentada em 2018 pelo Youtube Premium, mas que por aqui pouco se falou. Trata-se de “IMPULSE”, produção baseada no livro homônimo de Steven Gould (que também inspirou o filme “Jumper” de 2008) e que conta a história de Enrietta “Henry” Coles, uma adolescente problema que após sofrer abuso, descobre que pode se tele transportar. 

   Comecei a assistir a série por pura curiosidade, mas ela acabou me tele transportando (pá-bum-tss) para dentro do mundo que os criadores entregam, conseguindo com sua história me fazer resistir de fugir de uma produção de dez episódios de 50 minutos em pleno calor de janeiro. No meio dessa batalha entre calor e curiosidade, posso dizer que oque mais gostei da produção é que ela coloca o “poder” da protagonista em segundo plano, ele é importante e sua descoberta dá movimento a toda trama, mas a história não fica batendo nessa questão a todo tempo, substituindo os clichês habituais de histórias de superpoderes por uma trama apoiada nas escolhas dos personagens e suas capacidades de lidar com as mesmas.

  
A Opção por deixar o fantástico meio que de lado, proporciona o aprofundamento dos personagens centrais, dando dramaticidade á uma série que tem uma premissa aparentemente rasa. A situação que dá origem a tudo é o abuso sexual sofrido pela protagonista e que, além de despertar seus poderes, causa a paraplegia de seu agressor. Tal situação além de liga-los profundamente durante toda a temporada, abordando sobre o limite do que é abuso, a consciência dos atos de cada um e a responsabilidade sobre o que se fala, ainda gera sub tramas bem interessantes envolvendo a família do agressor, da protagonista e até da polícia local, sem falar de uma misteriosa organização que se mantem quase que totalmente nas sombras até o final da temporada, mas que sinaliza ser tanto uma resposta sobre o passado, quanto a grande ameaça no futuro da protagonista.

    Outra coisa que gostei é que a série consegue dar tridimensionalidade aos coadjuvantes, fazendo com que entendamos suas razões e dúvidas e que nos importemos com eles. Dois exemplos são o irmão mais velho do agressor de Henry e a filha do padrasto da protagonista, que apresentam um desenvolvimento paralelo muito bem construído e que acabam a temporada totalmente diferentes de como começaram, o primeiro passando de um quase capanga do próprio pai e de postura violenta, para alguém que busca redenção pelos crimes e erros que cometeu para orgulhar o pai que o vem subestimando; enquanto a segunda larga a ideia de buscar a aprovação dos colegas de escola e, além de se tornar a verdadeira heroína da série, defendendo sua família,  se encontra como pessoa com a pitada de rebeldia que a irmã postiça lhe transmite.

Mas a série tem algumas questões que me incomodaram. A Maior é que ela começa apresentando um personagem, que possui o mesmo dom da protagonista, e que dá pistas dessa organização secreta que citei acima e da existência de outros como eles, mas a história parece utiliza-lo só para mostrar como essa organização é maligna e desiste dele o retirado da trama de maneira abrupta e chocante, com uma explicação fraca e sem cita-lo mais tarde. Outro problema é a própria protagonista que é extremamente grosseira e indiferente com os outros, jogando a culpa de tudo nas pessoas que a rodeiam e que parece não se preocupar com ninguém além de si mesma, seu crescimento como personagem oscila muito e a temporada termina sem realmente sabermos se ela aprendeu alguma coisa com tudo que aconteceu e, falo com tranquilidade, que se não fossem as tramas paralelas e os coadjuvantes bem construídos e a serie fosse totalmente focada em Henry Coles, não seria possível passar do quinto episódio.

    Mas embora possua alguns furos, “IMPULSE” é uma boa série. Consegue trabalhar razoavelmente bem a questão do abuso sem perder seu propósito de ficção científica, ainda trabalhando em paralelo com investigação policial e descobertas adolescentes, quase como um bolo onde se misturam muitos ingredientes e no final fica saboroso. A produção é muito bem feita, os diálogos são bem explorados e muitos deles cheios de tensão e, o clima e a ambientação gelada da série ainda colaboram para a ideia de solidão e desolação que a protagonista sente ao seu redor depois que, além de sofrer abuso, descobrir que não é uma pessoa como as outras.

  Então aproveite a minha dica e assista “IMPULSE” e se surpreenda com uma das diversas produções que NÃO estão no maior streaming do mundo, mas que mesmo assim, possuem grande qualidades e merecem ser notadas.




domingo, 26 de agosto de 2018

"ZULU" - O livro de Caryl Férey








     Os vilões sempre vencem! Essa frase, que se lê como easter egg em alguns episódios da primeira temporada da série “Mr.Robot”, foi a primeira coisa que passou na minha cabeça ao terminar um dos melhores romances policiais que já li até os dias de hoje, isso depois de desfazer o nó de minha garganta e contemplar o horizonte por alguns longos minutos.

   Estou falando do livro “ZULU” do escritor francês Caryl Férey, publicado no Brasil pela editora Vestígio, que tive a sorte de encontrar por acidente em uma prateleira de supermercado enquanto esperava entediado para ser atendido pelo caixa e que me apresentou uma trama tensa e pesada, com personagens carismáticos e tridimensionais, ambientada em uma país dividido por feridas do passado e a dura realidade desigual do presente que me prendeu com a garganta seca e o coração acelerado até a última linha.

  
A História, que é ambientada na tumultuada África do Sul pré-copa 2010, acompanha a equipe liderada pelo chefe da polícia criminal de Cape Town, de origem zulu, Ali Neuman, que é composta pelo jovem detetive Dan Fletcher e o complicado Tenente Brian Epkeen. A Rotina dos três, já conturbada devido a incessante violência, se complica quando a filha de um renomado jogador de rugby é encontrada morta com aterradores sinais de violência e traços de uma nova droga em seu organismo, a partir daí os três embarcam em uma odisseia que vai revelando uma conspiração tão assustadora quanto crível e que, conforme vai empilhando corpos enquanto nos conta uma história tão profunda quanto forte, entrega um olhar perturbador de um país que, tal como o nosso, é marcado pelas desigualdades e contradições.

   A primeira coisa que chamou minha atenção no livro foi a forma primorosa como o autor consegue nos colocar dentro do ambiente e das situações que vão se seguindo. Através de uma escrita ágil, mas extremamente detalhista, Caryl Féry nos leva a uma África do sul sem maquiagem, com as cicatrizes do apartheid à mostra e com todos seus problemas sociais expostos, no meio de um caos que a história só faz crescer enquanto ao mesmo tempo consegue abordar o que à de pior e de melhor nos seres humanos, em um estilo que fica bem centralizado entre um George R.R. Martin e a profundidade cinza de seus heróis / vilões e o charme e brutalidade dos detetives dos livros de James Ellroy.

    Esses mesmos personagens que, para mim, quando bem escritos são o segredo da qualidade de qualquer grande obra literária ou cinematográfica, são a segunda coisa que me fisgou no livro. E a maneira como o autor dá um mínimo de profundidade a todos eles, os apresentando em pequenos capítulos que dão uma ideia geral de sua personalidade e seus motivos, quando não contando mesmo suas biografias e o que aconteceu para que eles tivessem chegado até aquele momento da história, facilita essa percepção de relevância de cada um deles. É assim que conhecemos o terrível passado de Ali Neuman, sobrevivente dos últimos dias de Apartheid e que presenciou o assassinato do próprio pai e do irmão mais velho; Do mesmo modo descobrimos sobre as origens africânderes do rebelde Tenente Epkeen, de seu desprezo pelo sistema e relação conturbada com o filho e a ex-mulher, essa mesma tendo um grande destaque na última parte do livro; Ou ainda nos emocionamos com a relação do policial Dan Fletcher com sua esposa com câncer e o medo de deixar seus filhos desamparados; tudo isso em meio a outras tantas histórias e personagens que compõem a trama. Férey descreve tão bem esses personagens que mesmo antes de terminar a primeira parte do livro já fomos pegos nessa armadilha que acabamos nos sentindo tão íntimos deles que sentimos seus medos, nos entristecemos com suas frustrações e tememos por suas seguranças a qualquer sinal de ameaça.

  
O Autor
E Ameaças é o que não faltam em um país que, assim como o Brasil de 2018, parece uma bomba prestes a explodir. São gangues de ex-milicianos oriundo do coração da África, traficantes que se escondem em seus bares particulares e nas favelas, a AIDS, a falta de perspectiva, mas é no grande mercado (sem spoiler) que reside o grande antagonista à equipe de Ali e que, assim como em muitas situações da vida, ao final do livro, deixa aquele gosto amargo em nossa boca quando percebemos que, mesmo presos ou mortos os assassinos e envolvidos, o mal que gerou todas aquelas situações e precisou de tantos sacrifícios para ser freado, jamais será levado à justiça, nos deixando apenas o consolo da vingança contra seus agentes mais próximos e tristeza por quem buscou justiça e caiu em batalha.

    Mas mesmo terminando com um soco no estômago, a ponto de colocar um nó na minha garganta e um amargo na boca por todos os sacrifícios feitos pelos personagens (em especial ao final da primeira parte e do último capítulo), a leitura de “Zulu” me proporcionou uma grande prazer. Por seus personagens humanos e realistas, a Trama investigativa extremamente inteligente e clima de reflexão social pertinente e assustadora (e que, em alguns aspectos, lembra muito nosso país) indico a todos que desejarem uma história cheia de reviravoltas e que estejam dispostos a ir até aos esconderijos mais sombrios e sujos da mente humana, mas sempre com a verdade em mente de que os vilões sempre vencem.



sexta-feira, 10 de agosto de 2018

JACKIE BROWN (1997) - e os ciclos que regem nossas vidas.




 
    Somos prisioneiros de ciclos. Acreditamos que o tempo simplesmente se desloca em linha reta do passado para o futuro e que o presente é uma constante novidade, mas na verdade seguimos vivendo ciclos que se repetem e se repetem sem que muitas vezes nem percebamos.    
  
Então um dia você acorda com quarenta e poucos anos e as coisas ainda estão iguais a como eram quando tinha vinte, se frustrando em empregos que eram para ser temporários, cometendo os mesmos erros na vida amorosa, enfim, patinando em todas as áreas da vida por não conseguir quebrar essa prisão temporal que acreditamos se tratar apenas de rotina. Mas, se no meio desse caos você percebesse que a repetição ou não dependesse de uma atitude perigosa contra todas as ações que você insiste em aceitar, você estaria disposto a correr os riscos?
  
Pois disfarçado de filme de golpe, com todos os ares de blaxploitation, e abordando sobre o que a quebra ou aceitação dos ciclos da vida podem definir na vida das pessoas, estreava no Brasil em 1998, “Jackie Brown”, filme roteirizado e dirigido por Quentin Tarantino, estrelado pela estrela dos filmes negros dos anos 1970 Pam Grier e baseado no livro “Rum Punch” do escritor Elmore Leonard, que depois de vinte anos parece se firmar, para mim, como o melhor filme do diretor e conversar com momento de encruzilhada da minha própria vida.

   Para quem não conhece o filme, a história conta as desventuras de Jackie Brown (Grier) uma comissária de bordo de uma pequena companhia aérea Mexicana que, para conseguir ganhar alguma grana a mais, contrabandeia dinheiro para o traficante de armas Ornell Robbie (Samuel L. Jackson), No entanto, após ser descoberta e presa pelo agente da ATF Ray Nicollete (Michael Keaton), Jakye, começa a temer mais pelo seu futuro sem perspectiva do pelo risco de seu contratante a achar uma dedo-duro e concebe um perigoso plano para se livrar de Ornell, das acusações e alcançar certa estabilidade financeira, virando em 180° a vida que parecia ser seu destino. 

   Como eu disse acima, não percebemos que estamos presos a ciclos até que uma situação externa bata com força em nossa cara. Foi exatamente isso que aconteceu comigo, quando em uma tarde de domingo chuvosa resolvi reassisti ao terceiro filme de Tarantino e sentir como se alguém gritasse dentro da minha cabeça se eu estava entendendo a mensagem. Todos os personagens centrais da história estão às portas de repetir seus ciclos de vida ou quebra-los e a atitude que tomam frente a isso é o que define seus destinos.

  
Gara
Começamos com a protagonista, Jackie Brown, que durante a trama confessa que já foi presa anos antes também por contrabando e que depois de um tempo na cadeia, amargou anos de condicional, o que parece tê-la quebrado, fazendo-a se resignar com o pouco que conseguiu depois. Ela mesma confessa ao agente de fiança Max (Robert Forster) que parece estar sempre recomeçando e que se encontra cansada disso. Sua quebra de ciclo ocorre quando, após se ver pressionada pelo flagrante do agente da ATF, resolve ir de encontro as suas antigas decisões e tomar o protagonismo de sua própria vida, utilizando de sua esperteza e charme para se impor ao que parecia ser seu destino, o que resulta em sua libertação e o alcance do que esperava para si.

   O contrário ocorre para o restante dos personagens da trama; que por receio, medo ou costume sofrem as consequências de se manter presos à suas jornadas. Dois casos distintos são claros dentro da história, o do ex-presidiário Louis Gara (Robert De Niro) e o Agente de Fiança Max Cherry (Robert Forster).
   Louis Gara não consegue fugir de si mesmo, como se a prisão da qual foi liberto ainda o acompanhasse. A primeira coisa que vemos do personagem no filme é ele retornando ao mundo do crime sob a proteção de seu amigo Ornell e embora sempre transpareça confusão e por vezes apatia em relação aos assuntos do parceiro, não move um musculo para mudar sua perspectiva, o que com sua participação ao final da trama se pode encarar como medo, um medo tão grande que se transforma em violência e inconsequência, selando seu destino de forma definitiva.
Jakie & Max

   Por outro lado, Max Cherry está completamente fundido a sua rotina. Agente de fianças há mais de vinte anos, sem família e, aparentemente sem amigos, sua rotina é sua vida. Mas ele tem um vislumbre de que as coisas podem ser diferentes ao conhecer Jackie e se apaixonar pela mesma, tanto que após criar certa intimidade com a protagonista confessa a ela que irá se aposentar, pois não vê mais sentido nas repetições em sua vida profissional. Entretanto, a insegurança em sair de uma longa rotina o impede de seguir seu desejo e o que vemos dele ao final, quando vê Jackie partindo, é o semblante de quem levará consigo para sempre a dúvida do que poderia ter sido e nunca foi.
  
   O que difere Jackie Brown dos demais personagens do filme é ter entendido que só se pode seguir em frente quando destruímos o caminho antigo e criamos um novo; Gara, Cherry, Ornell e os outros personagens parecem não compreender esse fato e fecham o filme ou ruminando os mesmos problemas ou simplesmente mortos, enquanto Jackie termina a história protagonista tanto da trama quanto de sua própria vida.

   Me identifiquei no ato ao reassistir “Jackie Brown”. Com trinta e sete anos, doze destes no mesmo emprego, relacionamento cheio de idas e vindas e ainda pensando o que querer da vida me fez pensar em como acabamos tranquilamente aprisionados nos ciclos que criamos para nós e isso me fez voltar a escrever, o que é um pequeno passo, mas já me tirou da inércia. Meu convite é para que todos revisitem o terceiro filme de Tarantino sob este ponto de vista de recomeços e fugas dentro das vidas dos personagens, mas isso não interessar, assista assim mesmo, focado no charme de Pam Grier, na trama cheia de reviravoltas ou nos diálogos extremamente humanos, quebrando pelo menos o ciclo da mesmice dos blockbusters atuais.

                            

terça-feira, 19 de junho de 2018

BALA DE PRATA (1985) #Zerocult 7





Fiquei empolgado com o filme brazuca “As boas maneiras” e seu ponto de vista original da maldição do lobisomem. Tanto que queria transformar o mês de junho no mês da licantropia aqui no blogger e para isso resolvi assistir aos filmes que abordassem a mesma temática e que marcaram minha juventude. No entanto, revisitar o cinema dos anos oitenta pode ser tão perigoso quanto sair para passear pelos bosques do Maine em noite de lua cheia, principalmente se o primeiro filme a ser revisitado for baseado em um livro de Stephen King e roteirizado pelo mesmo.  
linda capa do VHS
Sim! Hoje falaremos sobre um clássico do extinto “Cinema em casa” do SBT, “Bala de prata” de 1985, baseado no livro “A hora do lobisomem” do Rei do terror e “estrelado” pelo eterno, mas já falecido, ator mirim Corey Haim; que, após ser reassitido substituiu em mim todo terror de quando eu tinha doze anos por momentos de humor e até de certa vergonha alheia, mas sem com isso destruir a gostosa sensação de nostalgia.

O filme acompanha Marty Coslaw (Haim), um menino paraplégico de doze anos, que junto com sua irmã Jane (Megan Follows), após perderem um amigo, a descobrem que a série de assassinatos que vem acontecendo na cidade onde moram, a pequena e pacata cidade de Tarker’s Mill no Maine, é obra de um lobisomem. Os irmãos agora terão de encontrar um adulto que acredite neles e buscar descobrir quem é a pessoa que carrega a maldição.

Lembro quando assisti “Bala de prata” pela primeira vez! Eu devia ter um pouco menos que idade do protagonista e mesmo o filme passando às duas horas da tarde, não nego que a ideia da trama trazer um guri paraplégico fugindo de um lobisomem em uma cadeira de rodas motorizada no meio dos bosques de uma cidade no interior do interior dos EUA, me assustou bastante. No entanto, rever esse filme mais de vinte cinco anos depois, impressiona como muitos dos filmes oitentistas, diferente de alguns clássicos, mas muito parecidos comigo envelheceram mal, embora continuem divertidos.

O lado divertido do filme é a já mencionada nostalgia no melhor estilo “Stranger Things”, que faz quem tem mais de trinta anos, olhar com carinho todas as extravagâncias da história e relembrar um tempo mais ingênuo e sem o bombardeio de informações que sofremos hoje, onde ainda era possível soltar pipa na rua até de madrugada, ou sair à noite para detonar fogos de artificio ou coisas que o valham. Sem contar que o filme tem uma vantagem sobre as produções modernosas, que é o simples fato de que, diferente da série do streaming mais famoso de todos os tempos, toda aquela breguisse não é emulada, mas real! O filme desenhava um retrato do momento onde foi produzido, o que serve para os jovens matar a curiosidade de como era um mundo sem internet, TV a cabo, celulares e videogames.

De zero a cem em 5.8 segundos!
Mas o que me fez assistir a esse “clássico” até o fim com um sorriso no rosto foi seu lado ruim, que é o roteiro.  Se há uma coisa que eu adoro, são filmes “ruins bons”, aqueles filmes que são produzidos de maneira séria, mas que devido aos cacoetes de seus diretores ou deslize de seus roteiristas agregam certos absurdos que o destacam em meio a tantas outras obras. “Bala de prata” não é diferente, além de trazer todos os estereótipos de filmes de adolescente dos anos oitenta, como o protagonista sendo visto como diferentão (nesse caso deficiente), a irmã que quer ser popular, O tio perdedor e bêbado que é o único que acredita nas crianças e os pais ausentes, nenhuma situação ocorrida no filme parece ter um porque e o questionamento que isso gera rendem bons momentos.

Exemplos dessas situações, que são o tempero da trama, estão todas ligadas ao próprio Lobisomem, em especial a sua aparição na cidade. (SPOILER À FRENTE) O Lobisomem é o reverendo da cidade (pronto falei) e após algumas mortes em seu currículo, o vemos tendo um pesadelo onde todos de sua paróquia (que toda noite se reúnem para cantar “Amazing grace” ) se transformam em lobisomens e partem para cima dele e ele acorda pedindo a Deus para que a maldição acabe, o que nos induz a pensar que a maldição é , de alguma forma, divina; eu mesmo cheguei a achar que a transformação tinha algo a ver com os pecados de alguns habitantes, pois a primeira vítima é um alcoólatra que batia na mulher e a segunda uma suicida, mas todas as teorias caem por terra, após a irmã do protagonista expor a ideia de que talvez nem o próprio reverendo saiba o porquê das transformações, o que confirma com o mesmo, logo depois, tomando para si a postura de vilão e deixando qualquer resposta apenas na especulação.

"alguém sabe onde encontro um Chapel XXXL?"
Outra coisa maluca que se soma as excentricidades do roteiro é a decisão genial do casal de irmão de chantagear o reverendo/lobisomem via cartas com letras recortadas de revistas, pedindo educadamente para que ele se retirasse da cidade, o que não dá muito certo. Mas esse “deslize” dos irmãos é pinto perto da ideia fantástica de um grupo de cidadãos indignados que decide caçar o “maníaco do bosque” à noite no meio da floresta, portando espingardas e bastões de baseball e a cena que se segue com o lobisomem batendo em um deles com um bastão até a morte (Sim! O lobisomem mata um cara com um bastão de baseball!), fato que gerou a capa do VHS do filme com uma mão peluda e com garras segurando um bastão para duas crianças amedrontadas. E nem vou comentar sobre a piadinha do protagonista ao final sobre sua própria deficiência. Isso, meus amigos, são os anos oitenta!

Apesar das loucuras, ou melhor, graças a mesmas, adorei ter revisitado “Bala de prata”, fez lembrar um tempo mais leve da minha vida, onde os monstros eram pessoas com uma roupa de pelúcia e uma cabeça enorme de lobo, quando não um cara grande com um facão e uma máscara de hóquei e não frustrações que se acumulam e boletos que se empilham. Um clássico do cinema em casa capaz de trazer a nostalgia com força e arrancar gargalhadas de doer a barriga, mas não sem conseguir dar os sustos que promete.

Então, se tiver mais de trinta e cinco anos e quiser assistir a algo que lembre a infância, procure por “Bala de prata” e deixe sua mente passear livre pelos anos oitenta por noventa minutos e aproveite o mês do Lobisomem.

Só tome cuidado com a Lua.