domingo, 26 de agosto de 2018

"ZULU" - O livro de Caryl Férey








     Os vilões sempre vencem! Essa frase, que se lê como easter egg em alguns episódios da primeira temporada da série “Mr.Robot”, foi a primeira coisa que passou na minha cabeça ao terminar um dos melhores romances policiais que já li até os dias de hoje, isso depois de desfazer o nó de minha garganta e contemplar o horizonte por alguns longos minutos.

   Estou falando do livro “ZULU” do escritor francês Caryl Férey, publicado no Brasil pela editora Vestígio, que tive a sorte de encontrar por acidente em uma prateleira de supermercado enquanto esperava entediado para ser atendido pelo caixa e que me apresentou uma trama tensa e pesada, com personagens carismáticos e tridimensionais, ambientada em uma país dividido por feridas do passado e a dura realidade desigual do presente que me prendeu com a garganta seca e o coração acelerado até a última linha.

  
A História, que é ambientada na tumultuada África do Sul pré-copa 2010, acompanha a equipe liderada pelo chefe da polícia criminal de Cape Town, de origem zulu, Ali Neuman, que é composta pelo jovem detetive Dan Fletcher e o complicado Tenente Brian Epkeen. A Rotina dos três, já conturbada devido a incessante violência, se complica quando a filha de um renomado jogador de rugby é encontrada morta com aterradores sinais de violência e traços de uma nova droga em seu organismo, a partir daí os três embarcam em uma odisseia que vai revelando uma conspiração tão assustadora quanto crível e que, conforme vai empilhando corpos enquanto nos conta uma história tão profunda quanto forte, entrega um olhar perturbador de um país que, tal como o nosso, é marcado pelas desigualdades e contradições.

   A primeira coisa que chamou minha atenção no livro foi a forma primorosa como o autor consegue nos colocar dentro do ambiente e das situações que vão se seguindo. Através de uma escrita ágil, mas extremamente detalhista, Caryl Féry nos leva a uma África do sul sem maquiagem, com as cicatrizes do apartheid à mostra e com todos seus problemas sociais expostos, no meio de um caos que a história só faz crescer enquanto ao mesmo tempo consegue abordar o que à de pior e de melhor nos seres humanos, em um estilo que fica bem centralizado entre um George R.R. Martin e a profundidade cinza de seus heróis / vilões e o charme e brutalidade dos detetives dos livros de James Ellroy.

    Esses mesmos personagens que, para mim, quando bem escritos são o segredo da qualidade de qualquer grande obra literária ou cinematográfica, são a segunda coisa que me fisgou no livro. E a maneira como o autor dá um mínimo de profundidade a todos eles, os apresentando em pequenos capítulos que dão uma ideia geral de sua personalidade e seus motivos, quando não contando mesmo suas biografias e o que aconteceu para que eles tivessem chegado até aquele momento da história, facilita essa percepção de relevância de cada um deles. É assim que conhecemos o terrível passado de Ali Neuman, sobrevivente dos últimos dias de Apartheid e que presenciou o assassinato do próprio pai e do irmão mais velho; Do mesmo modo descobrimos sobre as origens africânderes do rebelde Tenente Epkeen, de seu desprezo pelo sistema e relação conturbada com o filho e a ex-mulher, essa mesma tendo um grande destaque na última parte do livro; Ou ainda nos emocionamos com a relação do policial Dan Fletcher com sua esposa com câncer e o medo de deixar seus filhos desamparados; tudo isso em meio a outras tantas histórias e personagens que compõem a trama. Férey descreve tão bem esses personagens que mesmo antes de terminar a primeira parte do livro já fomos pegos nessa armadilha que acabamos nos sentindo tão íntimos deles que sentimos seus medos, nos entristecemos com suas frustrações e tememos por suas seguranças a qualquer sinal de ameaça.

  
O Autor
E Ameaças é o que não faltam em um país que, assim como o Brasil de 2018, parece uma bomba prestes a explodir. São gangues de ex-milicianos oriundo do coração da África, traficantes que se escondem em seus bares particulares e nas favelas, a AIDS, a falta de perspectiva, mas é no grande mercado (sem spoiler) que reside o grande antagonista à equipe de Ali e que, assim como em muitas situações da vida, ao final do livro, deixa aquele gosto amargo em nossa boca quando percebemos que, mesmo presos ou mortos os assassinos e envolvidos, o mal que gerou todas aquelas situações e precisou de tantos sacrifícios para ser freado, jamais será levado à justiça, nos deixando apenas o consolo da vingança contra seus agentes mais próximos e tristeza por quem buscou justiça e caiu em batalha.

    Mas mesmo terminando com um soco no estômago, a ponto de colocar um nó na minha garganta e um amargo na boca por todos os sacrifícios feitos pelos personagens (em especial ao final da primeira parte e do último capítulo), a leitura de “Zulu” me proporcionou uma grande prazer. Por seus personagens humanos e realistas, a Trama investigativa extremamente inteligente e clima de reflexão social pertinente e assustadora (e que, em alguns aspectos, lembra muito nosso país) indico a todos que desejarem uma história cheia de reviravoltas e que estejam dispostos a ir até aos esconderijos mais sombrios e sujos da mente humana, mas sempre com a verdade em mente de que os vilões sempre vencem.



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