Em junho de
2016, Após assistir o ótimo filme argentino "Relatos selvagens", eu
questionava o porquê o Brasil não produzia cinema no mesmo nível de nossos
vizinhos Hermanos, que conseguem entregar bons filmes com temas variados, sem
se prender aos problemas existenciais de sua classe média ou a violência que a
pobreza enfrenta; a opção que encontrei na época passava pelas produções
autorais e de menor orçamento, como por exemplo, os curtas de terror de Dennison Ramalho, mas o pouco alcance desse tipo de produção veio depois a me
parecer um caminho estreito demais para fomentar investimento e qualidade em
nossa indústria cinematográfica, que necessitava de algo maior para se tornar visível.
Dois anos depois, a semente desse cinema de nicho que
eu havia enxergado como opção parece ter começado a germinar com a estreia de
um filme que foge do que é comumente feito no Brasil ao misturar elementos de
terror sobrenatural e crítica social, além de inovar em sua narrativa e
plasticidade. Trata-se de "As boas maneiras", filme de Juliana Rojas e Marco Dutra, estrelado por
Marjorie Estiano, Izabel Zuaa e Miguel Lobo, que estreou dia sete de Junho, podendo ser aquele algo a mais que trará um novo
frescor a industria cinematográfica BR.
O filme, que se divide em duas partes, acompanha a
história de Clara (Izabel Zuaa) uma melancólica enfermeira, que é contratada
para "ajudar" na casa e ser a babá do filho ainda não nascido de Ana
(Marjorie Estiano) e que , conforme a relação das duas vai se estreitando,
começa a notar o estranho comportamento de sua empregadora em noites de lua
cheia e procurar por respostas. Já na segunda parte, encontramos Clara, quase
dez anos depois, muito mais confiante e morando na periferia com seu filho
adotivo Joel ( Miguel Lobo) que guarda um segredo que o impossibilita de
aproveitar ao máximo sua vida e que põe tudo em risco quando descobre o que
Clara escondia de seu passado e parte para a cidade em noite de lua cheia.
Embora na minha sinopse a trama pareça dar toda
atenção a uma história clássica de lobisomem, o filme na verdade segue a
cartilha de toda boa história de ficção científica ou fantasia e usa esse
elemento fantástico muito mais como plano de fundo para expor de forma sutil os
problemas de nossa sociedade, do que aborda a lenda e maldição da licantropia.
Sendo assim, "As boas maneiras" é mais um drama que fala de amor,
sacrifício e tolerância, do que um filme de monstro pensado para dar sustos.
Clara e Ana |
Podemos até mesmo traçar um paralelo entre o
aparentemente frágil Joel com a história de muitas crianças e jovens das
periferias. Criado na pobreza se sente abandonado e se vê impossibilitado de
participar das experiências que a vida lhe mostra devido à condição em que
nasceu. Como no caso de muitos desses jovens a revolta também é o escape de
Joel na busca por liberdade e o erro fruto da falta de conhecimento sobre si
mesmo, o que, aos olhos da sociedade, o apaga como pessoa e o enxerga apenas
como um monstro.
Eu era um lobisomem juvenil |
No entanto, como tudo na vida esse filme também tem
seus problemas, e, um dos que mais me incomodou foi a extensão da história. A
produção tem duas horas e dez, o que não é lá um grande tamanho, no entanto, se
tratando de uma história que foca em apenas três personagens, parece que há uma
barriga desnecessária na trama. Há também algumas falhas de roteiro que não me passaram
como o fato de ninguém vir atrás do menino Joel, quando este é levado por Clara
ou como ela construiu um quarto blindado no fundo da peça onde morava. Mas todos
esses pequenos problemas não apagam o mérito e o marco que o filme é por fugir
da mesmice.
Apesar de seus pequenos problemas, “As boas maneiras”
estreia trazendo novos ares para o cinema brasileiro e abrindo portas para temas
mais diversos e fantásticos produzidos em nossas terras tupiniquins, injetando
qualidade e quem sabe fazendo com que surjam investimentos suficientes para que
nossa indústria se torne rentável e assim independente do estado e, finalmente,
deixar de ser esse monstro assustador que só aborda as misérias da pobreza ou
cinebiografias e conseguir alcançar o mesmo nível e qualidade do cinema Argentino.
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