domingo, 18 de dezembro de 2016

EX-MACHINA (2015)

"Westworld" finalizou sua primeira temporada a duas semanas atrás e a segunda foi anunciada só para o longínquo 2018; um pouco mais próxima está a estréia da quarta temporada de "Black Mirror", que deve aparecer pela Netflix no segundo semestre do ano que vem; o que é menos ruim, mas não chega a ser bom, pois ambas ausências deixaram um vácuo no coração dos fãs de ficção científica e dos novos apreciadores, que se espantaram com os conceitos apresentados e com a qualidade dos roteiros das duas produções. Mas não há motivo para desespero jovem, porque o cinema, em sua infinita quantidade de possibilidades, é a salvação para você, que assim como eu ficou carente de um sci-fi de qualidade que lhe traga aquelas mesmas sensações em sua vida, e, é justamente sobre um filme, que mais parece um conto de "Black Mirror" abordando os mesmos dilemas de "Westworld", que vim indicar no dia de hoje, trata-se de "Ex-Machina" de 2015, escrito, roteirizado e dirigido por Alex Garland e estrelado por Domhnall Gleeson , Alicia Vikander e Oscar Isaac, que vai colocar um sorriso no rosto de quem é apaixonado pelo estilo e uma pulga atrás da orelha de quem trabalha com inteligência artificial.

O filme conta a história de Caleb Smith (Gleeson), um programador que trabalha na empresa de Nathan Bateman (Isaac), a Bluebook (o maior motor de busca da web) e, é sorteado para passar uma semana nas montanhas do Alasca na companhia de seu patrão participando de um projeto secreto, o qual ele descobre mais tarde se tratar da finalização da construção de um androide, sendo que a ele ficou reservada a aplicação do teste de Turing na inteligência artificial. Assim ele conhece Ava, o androide de aparência feminina e jeito frágil o qual deve testar; mas, efetuando os testes Caleb acaba se afeiçoando a ela e sendo instigado a duvidar dos verdadeiros propósitos de Nathan, questionando seus próprios sentimentos quanto a Ava e caindo em um jogo de manipulação e traição que poderá lhe ensinar a derradeira lição de sua vida.

Ex-Machina ganhou o Oscar de melhores efeitos especiais e o Critic's choise awards nesse ano, além de ganhar o prêmio de melhor filme inglês independente de 2015 e ser indicado para o Bafta e o globo de ouro nas categorias referentes ao elenco e roteiro, fatos que exemplificam a qualidade do filme. Mas longe de medi-lo pelas premiações, podemos apreciar "Ex-Machina" por todas suas qualidade facilmente observáveis e que se sustentam na produção, ao mesmo tempo que conseguem fazer referências a o universo gigantesco da ficção científica, assim como a aposta do diretor/roteirista em colocar suas fichas em uma história instigante e bem contada, que usa os efeitos especiais como coadjuvantes e o elemento humano como protagonista.


O primeiro grande trunfo do filme é seu elenco. Domhnall Gleeson realmente convence como o solitário e inseguro programador Caleb Smith, com seus sorrisos amarelos e aparente desconforto que faz lembrar o maravilhoso episódio da segunda temporada de black Mirror, onde o próprio ator interpreta uma inteligência artificial que é feita para "substituir" pessoas amadas que morreram, mas que não consegue ser autentico, sua interação com Ava e a química que surge entre os dois é plenamente crível e isso também é mérito da atriz Alicia Vikander, que está extremamente charmosa e misteriosa na trama, fazendo com que a torcida pela liberdade da inteligência artificial seja algo natural e nos colocando ao mesmo tempo contra os propósitos do misterioso Nathan, que surge na pele de Oscar Isaaac e que nos é mostrado sempre treinando artes marciais ou bebendo, focando, através do roteiro, na violência e vicio do personagem e nos manipulando assim sem percebermos.

A trama é muito bem construída e orquestrada por Alex Garland em seu primeiro trabalho como diretor. O escritor de "A Praia", livro que se tornou filme protagonizado por Leonardo Dicaprio e, roteirista que transformou o livro "Não me abandone Jamais" de Kazuo Ishiguro em filme, além de escrever sucessos como "Extermínio", mostra que conhece os seus limites, mas que sabe a que veio focando em um conto que possui poucos personagens, mas que usa isso como trunfo para se aprofundar em conceitos e situações instigantes, como as questões sobre a inteligência artificial, vida, amor, solidão e traição, tudo isso sem perder a linha para nenhum caso especifico durante a uma hora e meia de filme.  

O filme tem referências bem claras e muitas são gritantes aos olhos, como a influência da série inglesa "Black Mirror" e as ideias compartilhadas com as obras de Phillip K. Dick. Com a série "Black Mirror", o fato de focar em uma situação de problema humano, mas derivada da tecnologia já mostra bem a ligação que o filme possui com a criação de Charlie Brooker, fora isso, como mencionado anteriormente a produção conta com a participação de Domhnall Gleeson, que além da série inglesa, também teve uma papel de destaque no filme "Star Wars VII", assim como Oscar Isaac, que interpreta Nathan nesse filme e o piloto de Ti-figther Poe Dameron no filme do universo dos Jedi. A própria firma pertencente ao personagem de Isaac é, de certa forma, uma referência a ficção cientítica; A "BlueBook" é um buscador no estilo google, que o misterioso CEO usa para capturar informações e "ensinar" sua inteligência artificial a compreender os humanos, criando assim uma espécie de singularidade bem parecida com a que ocorre no clássico da animação japonesa "Gohst in the Shell" e dando vida e consciência a uma mente construída. Por último temos então as ideias de Phillip K. Dick, que tratou em suas obras sobre a ética de considerar algo criado em laboratório, mas com consciência de si e do mundo, um ser vivo e merecedor de respeito e direitos, fato que o roteiro nos faz apoiar desde o primeiro minuto quando somos apresentado a Ava e que, mesmo com a grande virada do final, não consegue fazer com que pensemos diferente.

Além das referências na literatura e cinema de ficção científica, o filme ainda traz certas referencias bíblicas que guiam o caminho de seus personagens, sendo as principais os nomes dos mesmos. O protagonista se chama Caleb, que vem do hebraico e significa Cão, tendo como significado do nome a ideia de lealdade e proteção, ambos atributos procurados (e abusados) pelos outros personagens; no antigo testamento, Caleb é um dos dois únicos espiões a voltarem com vida de Canaã e um dos poucos judeus a fugir do Egito a chegar na terra prometida, tal qual o personagem do filme que é o único, junto com seu patrão, a sair da Bluebook e partir para as montanhas do Alasca para participar do projeto secreto. Nathan segue essa referência bíblica sendo o significado de seu nome algo como dádiva ou dom, algo que é dado por uma inteligência superior, o conceitos que representam a criação, é o que é fornecido por ele a Ava, sendo que seu nome também aponta para sua percepção distorcida de que ele próprio é quase um deus. Por fim, temos Ava, que faz uma referência a avatar, que seria a humanização de uma entidade superior, na religião Hindu, assim como também remete a Eva, a primeira mulher e portadora do pecado origina, sendo a criação do conflito que surge entre seu criador e seu "interesse romântico" ( com muitas aspas) o caminho que Ava aponta e que resulta no que vemos ao final do filme.

Fato que também chama a atenção são os sobrenomes do personagens. Caleb tem o sobrenome de Smith, que é muito comum na língua inglesa, sendo comparado a Silva na portuguesa, esse fato parece buscar simplificar o personagem, torna-lo só mais um na multidão, um peão e assim justificar o uso que é feito dele por parte dos outros personagens. Já Nathan, atende pelo sobrenome de Batemam, tal qual o personagem de Christian Bale no filme Psicopata americano, que só pensa em seus objetivos e que busca saciar seus desejos e aspirações independente de quem se mostre contra; curiosidades que enriquecem mais ainda o roteiro.

"Ex-Machina" é um filmaço, consegue instigar e fascinar quem assiste com suas ótimas atuações e roteiro brilhante, mostrando que se pode fazer cinema de qualidade com pouco dinheiro, basta ter uma boa história e talento para saber conta-la. Um show de referências que não são entregues de forma gratuita e conceitos que nos fazem parar e pensar com o que o futuro nos espera. "Ex-machina" é exemplo de qualidade de ficção científica e história bem contada que com certeza vai matar a saudade de "Black Mirror" e "Westworld", trazendo de novo a cabeça do expectador todos os conceitos e dúvidas que a tecnologia e o futuro nos reservam em nossos sonhos ou pesadelos.

c

Nenhum comentário:

Postar um comentário