terça-feira, 11 de abril de 2017

HUMANS (2015/2016) A série


Se o ano de 2016 trouxe algo de bom no meio de tanta tragédia, foi um novo foco às produções de ficção científica. Com a apresentação da terceira temporada de "Black Mirror" e a estréia de "West World" encabeçando o seguimento, o Sci-fi conquistou mais e mais fãs dia após dia nesse último ano; Porém, o término das temporadas dessas duas séries, deixou um vazio na vida de quem vinha se acostumando aos conceitos e surpresas apresentados por elas. No entanto, longe dos grupos de debates sobre as teorias que envolvem essas séries tão cultuadas, existem outras obras, de qualidade semelhante, mas bem menos vistas, que podem agradar e surpreender muita gente, além de ocupar aquele espaço vago que as histórias contadas por Charlie Brooker e Jonathan Nolan deixaram no inicio desse ano.

Uma dessas obras, que me prendeu no sofá, sem piscar durante os dezesseis episódios das suas duas temporadas, me fazendo sair por aí a indicando aos quatro ventos logo depois, foi uma série inglesa que, tal qual as duas séries citadas acima, também fala sobre tecnologia e tomada de consciência pelas máquinas, mas conseguindo ir muito além, ao abordar as consequências na sociedade ao ocorrer o surgimento dessas consciências e, de quebra, fazer um paralelo com diversas situações enfrentadas no mundo atual. Trata-se de "Humans", série inglesa criada por Sam Vincent e Jonathan Brackley, exibida pela Channel 4 e AMC, baseada na série Sueca "Real Humans", que parece que ninguém assiste, mas que merece e DEVE ser vista por todo mundo já.



"Humans" se passa em uma realidade paralela, onde a utilização de androides (sintéticos) para serviços domésticos e de ajuda pessoal, se tornou usual. Nesse universo encontramos Joe, um pai de três filhos que se vê perdido entre as tarefas de casa e do emprego, quando sua esposa Laura se ausenta a trabalho. Pressionado pelas tarefas, Joe decide comprar um sintético para ajuda-lo a organizar sua vida enquanto a esposa não retorna, o que ele não sabe é que a sintética batizada de Anitta por sua filha mais nova, se chama na verdade Mia e pertence a um pequeno grupo de androides que poderão revolucionar o mundo, por serem as primeiras máquinas conscientes e que, tanto Joe, quanto sua família, irão testemunhar da primeira fila todas as transformações que a revelação da existência de maquinas pensantes causará na sociedade.

OK!! Minha sinopse não ajuda a cativar ninguém a ver a série, mas se eu posso me desculpar pela falta de inspiração ao descrever o contexto da série, é dizendo que nem se eu escrevesse um post inteiro falando apenas do que se trata "Humans" eu conseguiria falar sobre tudo que a série questiona e aborda, então o mais interessante, acredito, será eu falar sobre todos os pormenores que chamaram a atenção dentro da história.



Para começar, a trama traz uma questão que vem se tornando cada vez mais presente nas produções cinematográficas, que é a singularidade, aquele momento em que as máquinas tomarão consciência de que são indivíduos ou entidades, com pontos de vista, ideias e personalidade, fato que é destaque não só em "Westworld", mas no ótimo "Ex-machina", entre diversas outras produções, mas na história de "Humans" , não é o ponto alto da trama, mas sim o ponto de partida para toda a discussão que surge na série. Assim, em um mundo onde os androides estão presentes em todo lugar, mas são tratados como coisas, o surgimento de alguns que pensem, questionem e ajam como humanos, traz a dúvida de se o fato os torna humanos? Se eles devem ter direitos e deveres como tais? Quem fala por eles e quais os limites que esses sintéticos devem ter? Essas são algumas de muitas as perguntas que a trama já nos traz de início e que norteiam a história em meio a uma enxurrada de acontecimentos e diversos personagens interessantes.

Quanto aos personagens, a produção consegue entregar indivíduos que são a representação de todo tipo de personalidade e a faceta de um argumento em si, e não só isso, como apresentar um elenco diverso e bem explorado, que consegue mostrar desde os traços étnicos dos androides a revolução que eles representam. Essa diversidade étnica que aparece nos sintéticos conscientes do inicio da série (onde temos uma asiática, dois negros e uma loira), parece, além de sinalizar a ideia de diversidade humana, traçar um paralelo mesmo com a questão dos imigrantes ao colocar como personagens centrais da discussão, atores com traços não tão comuns dentro das produções clássicas inglesas, essa fato ainda é reforçado, quando somos apresentados aos problemas sociais decorrentes da utilização desses androides, como a substituição de pessoas por máquinas em postos de trabalho, não só pela sua melhor eficiência, mas como pelo seu menor custo, o que cria grupos de resistência que se intitulam "humanos de verdade" e buscam a reversão do status social daquele universo, não muito diferente dos grupos que apontam para a entrada de pessoas não nascidas em determinados centros, como o fator responsável por todos problemas sociais existentes em uma localidade.

Esse problema social criado pela existência dos sintéticos nesse universo, vai além da tomada dos empregos. A própria evolução dessas máquinas, causa temor aos jovens, que se frustram ao perceberem que pode não haver expectativa de um futuro bem sucedido dentro de qualquer área de interesse, ao perceberem que em alguns anos, os androides estarão tão aperfeiçoados, que poderão efetuar qualquer função e com um desempenho maior do que qualquer humano; somando-se a esse problema do primeiro arco, a segunda temporada ainda nos apresenta um grupo de adolescentes que, em resposta a frustração dos outros, se veste e age como os sintéticos, pois perceberam a vantagem que as máquinas tem ao não se frustrarem, sentirem medo, não precisarem tomar decisões sozinhas ou se questionarem; de encontro a isso, temos as máquinas conscientes buscando desfrutarem seus direitos de "pessoas", assim como seus deveres e até mesmo pensando em suicídio frente ao amargo de uma vida social com decisões e dúvidas; tais questões surgem em seguidos debates que tornam "Humans" ainda mais complexa e reflexiva do que a grande maioria das séries atuais.

Complementando esses problemas sociais mais amplos, "Humans" aborda questões ainda mais pessoais, como o caso da utilização dos sintéticos para satisfação sexual, o que nos é apresentado como algo aceitável, ao nos mostrar os androides como máquinas, mas que nos faz questionar se aquilo tudo é correto quando nos faz ver toda situação de humilhação através dos olhos de duas personagens sintéticas obrigadas a desempenhar esse papel, mesmo tendo consciência e ego idênticos aos dos humanos. Em resposta a isso, temos humanos que são trocados por androides, pelo fato desses últimos serem programados para satisfazerem todos seus desejos e dar a eles toda atenção possível sem distrações.

Além de tudo, a série ainda traz muitas referências a filosofia e aos clássicos de ficção científica, além de menção aos grandes autores do gênero Sci-fi, como quando é falado que o suposto assassinato executado por um sintético, fere as leis Asimov, sem contar que toda linha que a produção segue, remete ao questionamento que foi, em parte, base para a criação de todo universo de Philip K. Dick, de que se algo pensa e age como um humano, é humano? O que nos torna humanos? Em uma adaptação mais simples do "penso, logo existo" de Descartes, que, a propósito, aparece em um poster ao fundo na série, e não apenas uma vez.

Mas nem tudo é exatamente perfeito na série e algumas coisas me desagradaram. A principal, foi a substituição do antagonista da primeira temporada, que surge na segunda apenas para vender seus segredos ao novo "vilão", e desaparece, como se todas as situações que o levaram até ali, e as quais eram de seu interesse pessoal, simplesmente tivessem deixado de ser importantes para ele e isso eu achei uma grande falha de constância no roteiro. A segunda coisa é o desaparecimento de alguns personagens e o sub-aproveitamento de outros, como no caso do androide Fred ( um dos sintéticos conscientes originais), que mal aparece na primeira temporada e some na segunda e o sintético ultrapassado Odi, que tem todo um potencial e razão para estar dentro de um arco na primeira temporada, nos faz questionar muitas coisas na segunda e deixa a série (aparentemente) sem nos apresentar as respostas e ações que poderia dar. Essas duas questões me incomodaram, mas como nada na vida é perfeito, seguimos aproveitando o que há de bom e deixando de lado o que fica mal explicado.

Apesar de um detalhe ou outro, "Humans" ficou marcado para mim, como o grande achado do início desse ano (mesmo a série ter estreado em 2015). Sua trama complexa e os paralelos que podemos traçar através de sua história, são um elemento poderoso e que nos leva a reflexão, não só ao pensar em uma sociedade como a mostrada na trama de Sam Vincent e Jonathan Brackley, como nas situações presentes em nosso cotidiano. Serve para, além de saciar a saudade de séries mais prestigiadas, enriquecer quem é fã de ficção científica de conceitos e questionamentos, nem sempre bem abordados nessas outras séries. Espero que todos assistam e se divirtam bastante, enquanto a mim, fico na torcida que a terceira temporada chegue logo, fica a dica.





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