quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Bonnie & Clyde, Lampião & Maria Bonita, Corisco & Dadá e os verdadeiros heróis de suas histórias

  Nesse último domingo assisti a maratona da série “Bonnei & Clyde” na history Channel. A série conta a história da famosa Gang Barrow que aterrorizou o meio-oeste americano durante a década de trinta, partindo da origem dos personagens , passando pela formação da Gang, sua transformação em lenda e culminando com a morte dos dois protagonistas em Bienville Parish em 23.05.1934, quando ambos tinham vinte e cinco anos de idade. Gostei da humanização que deram aos personagens retirando aquela aura de invulnerabilidade que as lendas trazem consigo e do fato de também dar foco aos outros membros da Gang, como o Irmão de Clyde, Buck Barrow e sua mulher Blanche Barrow; mas achei que a ideia de colocar Clyde Barrow quase como um médium, que ante vê os perigos e tem visões de seu destino, assim como Bonnie Parker como a maior manipuladora e exibida que já existiu na terra um tanto forçada (embora as fotos que os bandidos deixaram atesta para tal traço de personalidade).
Bonnie e Clyde
  Na semana anterior, a Globo reexibiu a série “Lampião & Maria Bonita” de 1982 em um especial em formato de filme, onde utiliza argumentos semelhantes para dar mais carisma aos personagens e glamoriza-los. A série conta como foi a vida e a morte do rei do cangaço, que atuou no Brasil quase que no mesmo período que Bonnie & Clyde atuaram nos E.U.A. Lembro de assistir a série quando ela foi reexibida pela primeira vez no “Vale a pena ver de novo” quando o politicamente correto ainda não existia e a violência e o sexo corriam soltos depois das duas da tarde; naquela ocasião, eu com uns oito anos fiquei um pouco chocado com as cenas onde orelhas eram arrancadas e as cabeças dos soldados eram mostradas cortadas em uma bacia, mas gostei bastante, mesmo assim sentia que faltava algo ou tinha alguma coisa um pouco torta na narrativa e foi só depois de rever a série e depois assistindo Bonnie e Clyde que percebi que o que faltava era o aprofundamento do Herói.
 
Frank Hamer
 A Gang Barrow foi riscada da terra devido ao esforço de um homem, Frank Hamer, um oficial dos Rangers americanos que voltou a ativa para caçar “bonnie e Clyde”, na série embora ele tenha uma grande importância, tendo seu faro para perseguição e talento mostrados, ele é muito pouco explorado, tanto que procurando saber mais sobre o personagem histórico não encontrei livros a venda sobre ele e mesmo o Dr Google e a Senhora Wickpedia possuem pouco material do carrasco da Barrow Gang, muito semelhante ao que acontece com as volantes que perseguiam e matavam os cangaceiros no nordeste brasileiro, tudo que se encontra sobre elas só é encontrado quando é referenciado na história dos bandidos e quando isso acontece há uma grave inversão de valores e o bandido se torna um herói, ignorando os crimes e sofrimento que eles causaram; assim como a coragem de quem os eliminou.
      Procurando um pouco sobre esses verdadeiros heróis, não tive sorte ao pesquisar sobre Frank Hamer, mas encontrei o excelente Blog “Lampião aceso”, que conta a história do cangaço e da luta para deter os bandos de bandoleiros que assombravam o interior nordestino no inicio do século XX , lendo o blog fui agraciado com a história e uma entrevista com o Coronel Zé Rufino, o homem que matou uma das lendas do Cangaço, “Corisco”; a entrevista, feita pelo escritor e cineasta Ruy Guerra desenhou na minha mente a imagem de um Herói real que fez o que tinha de ser feito e não esperou aplausos ou glamour pelo feito, assim como Frank Hamer, esquecido pelos livros e ignorado pelo Google.
Abaixo segue a história de zé Rufino e logo após sua entrevista.

Cel. Zé Rufino - "O Matador de Cangaceiros"

Por Ângelo Osmiro Barreto.
Zé Rufino em sua fazendo em 1962


José Osório de Farias, o afamado 
Zé Rufino, conheceu LAMPIÃO- Rei do cangaço quando ainda era um sanfoneiro, percorrendo o sertão brabo das ribeiras do Pajéu e adjacências, no sertão de Pernambuco, estado onde nasceu.

O primeiro encontro entre os dois valentes sertanejos deu-se nas terras do município de Salgueiro. 
Zé Rufino tocava numa festa de casamento e LAMPIÃO era um dos convidados, a empatia do chefe dos cangaceiros com o sanfoneiro foi imediata. LAMPIÃO convidou Zé Rufino para ingressar no bando. Com muita habilidade o futuro matador de cangaceiros disse que não podia acompanhar o grupo, pois sua mãe já era idosa e como "arrimo" de família tinha os irmãos para criar, além de tudo não gostava de armas, o capitão o desculpasse, mas não tinha nascido para aquela vida.

Passado algum tempo, aconteceu um novo encontro com o rei do cangaço, mais uma vez LAMPIÃO convidou 
Zé Rufino para acompanhá-lo. Com medo de negar novamente um pedido do Capitão, disse ao rei do cangaço que antes precisaria solucionar alguns problemas familiares; como iria deixar sua mãe e seus irmãos? Tinha que resolver essas questões.

LAMPIÃO o liberou, entretanto marcou uma data para sua apresentação e dessa vez não aceitaria desculpas. 
Zé Rufino agora tinha que se decidir, ,ou entraria no cangaço para acompanhar aquelas verdadeiras feras humanas ou iria se apresentar como soldado na volante, o que pouco diferenciava de um cangaceiro, como sanfonciro não poderia mais ficar.

LAMPIÃO não o perdoaria. A decisão foi difícil, mas 
Zé Rufino optou por entrar na polícia, seu destino agora seria perseguir cangaceiros. Zé Rufino foi um dos mais temidos perseguidor de cangaceiros, chegou rapidamente ao oficialato, alcançando a posição de Coronel da Policia Militar da Bahia.

Consta na literatura sobre o cangaço cerca de vinte e duas mortes feitas pela volante comandada por 
Zé Rufino. Sua volante ficou famosa no sertão por cortar as cabeças dos cangaceiros mortos em combate. Sua façanha mais conhecida foi à morte do cangaceiro Corisco o "Diabo Louro", um dos mais famosos cangaceiros que se tem noticia. Marcando definitivamente ente o fim do cangaço.

O Coronel 
Zé Rufino, combateu na volante baiana até o extermínio do cangaço.Terminada a campanha contra o banditismo, “comprou algumas fazendas na região de Geremoabo” no estado da Bahia, aonde já idoso veio a falecer.

Zé Rufino em entrevista

O HOMEM QUE MATOU O CANGACEIRO "CORISCO"
Por Ruy Guerra*



O sol do meio-dia fazia da praça de Jeremoabo/BA um imenso deserto.


Lembro-me que tudo se passou naquele ano triste de 1962, ano da morte de Miguel Torres, no acidente desse mesmo jipe agora ali estacionado, coberto de poeira, junto da única loja aberta naquele vazio do mundo.

Só não me lembro como foi que o coronel Rufino surgiu, sentado no bar, esfíngico, vestido de uma camisa e calça caqui, sem atinar muito bem o que queríamos dele. Nós, igualmente calados, sem outro intuito que o de trocar umas palavras com o homem que matou Corisco.

Mas dali para a frente tudo ficou marcado em mim com uma nitidez que chega a assustar. Cada gesto, cada palavra, cada silêncio, foi ficando através do tempo mais depurado, mais definido, mais exato. Não há um detalhe, uma palavra, um sentimento, de que eu não tenha a serena convicção que foi assim, rigorosamente como tudo se passou.

Pedi um cerveja, que chegou morna.

O coronel Rufino, e não sei porque isso devia me surpreender, pediu um sorvete de morango. O Miguel Torres, por uma dessas maldades da memória, deixou de estar presente. Houve um silêncio largo, desses silêncios de quando estranhos se medem e se perguntam a si mesmos como começar essa aventura que é a de se conhecer.

Do coronel Rufino eu sabia tudo o que me parecia importante saber: que era o maior caçador de cangaceiros ainda vivo, que há muito estava aposentado, que era natural dali mesmo, daquele sertão. De nós, imagino, ele sabia apenas que fazíamos cinema e pensávamos filmar por aquelas bandas. E não parecia particularmente interessado em saber mais. Aceitava o encontro como a inevitável curiosidade que desperta quem traz a marca de ter matado o cangaceiro mais mítico de toda a história do cangaço.

Com movimentos pausados, de quem tem toda a velhice diante de si para gastar, ia sorvendo seu sorvete de morango.

O que mais me marcou naquele encontro, logo de saída, foi isso mesmo: o sorvete de morango. A cor desmaiada do sorvete barato, a colherzinha vagabunda na mão grossa, seca, veienta, com o dedo mindinho ridiculamente afastado dos outros dedos.
Por que um sorvete, e ainda mais de morango?

Por causa desse insólito sorvete me custou a lançar a conversa.

Comecei com perguntas banais das quais já conhecia as respostas, e que não justificam o desvio que havíamos feito por aquelas poeiras calorentas do sertão para aquele eventual encontro. Se ele, coronel Rufino, havia comandado muitas volantes atrás de cangaceiros. Se toda a sua vida se havia dedicado a essa caça, se havia perseguido Lampião. Se havia dado voz de sangrar a muito bandido.

A cada pergunta, Rufino ia monossilabicamente confirmando, pausado, aparentemente mais atento ao sorvete de morango que ao óbvio questionário.

- E Corisco? O senhor matou Corisco?
Corisco e Dada


- Matei.

O Coronel Rufino não era um homem alto, nem tinha nada que à primeira vista pudesse impressionar alguém que não soubesse do seu passado. Nos seus, imagino, sessenta e tantos anos, não se sentia nele um grama de gordura. Tinha um rosto marcadamente nordestino, sem emoções visíveis, uns olhos fendidos preparados para os exageros da luz da caatinga e uma voz surpreendentemente jovem.

Parecia desinteressado, embora cortês. Senti que ele estava, não ansioso, mas determinado a terminar o encontro com o final do seu, para mim já irritante, sorvete de morango.

Foi essa certeza e o sentimento da idiotice das minhas perguntas que me fizeram perguntar de supetão gratuitamente:

- O senhor, coronel, torturou muita gente?

- O coronel Rufino parou de comer o seu sorvete, a mão pesada, suspensa no ar, a meio caminho.
Pela primeira vez senti que pensava rápido, embora o tempo durasse. Depois, delicadamente, pousou a colher. Até então ele nunca me havia encarado, e continuou assim.
Limitou-se a olhar a imensa praça vazia, assustadoramente amarelada pela crueza do sol.

- Seu João!

A voz continuava controlada, e embora o tom não tivesse aparentemente subido, atravessou a distância. Foi então que eu notei que um camponês desgarrado estava passando.

O homem entrou no bar. As alpercatas de couro sem ruído, o chapéu de palha agora respeitosamente na mão, um olhar rápido para os forasteiros.

- Sim, coronel? O coronel falou num tom macio, quase afetuoso.
- Seu João, o senhor me conhece há muito tempo, não é verdade?
- Conheço sim, coronel.
- Quem sou eu?

Uma leve estranheza na voz do camponês.

- O senhor?... O senhor é o coronel Rufino.
- Eu persegui muito cangaceiro, não persegui? - Perseguiu, coronel.
- Eu matei muito cangaceiro, não matei? - Matou, coronel.

A voz de Rufino continuou, inalterada.

- Eu torturei muito cangaceiro, não torturei? A voz do coronel Rufino parecia ainda mais mansa, mais paciente.
- Eu torturei muito cangaceiro, não torturei? Os olhos do camponês correram por nós, intrigados.
- Não, coronel... Não, senhor.
- Obrigado, seu João. Pode dispor!

Com um leve aceno de cabeça para todos o camponês afastou-se. O coronel Rufino esperou que o homem desaparecesse no sol da praça e só então me encarou, pela primeira vez.
Os olhos fendidos sem expressão, talvez por isso mais inquietantes, aprisionando os meus. A voz sempre igual, mas onde se podia sentir agora, nítida, uma intensa paixão.

- "Toda a minha vida eu persegui cangaceiro. Prendi muitos, também dei fuga a muito pobre-diabo que se meteu nessa vida por injustiça que sofreu. Mas matei muitos, muitos mesmo. De bala, de faca, de todo o jeito. Era a minha profissão".

Levantou a mão, espalmada, à altura do rosto. Essa mesma mão, que até então tinha servido para comer aquele irritante sorvete de morango. Foi uma pausa curta, mas guardo aqueles breves instantes como os de uma indefinível angústia.

- "Mas esta mão, esta mão que o senhor está vendo aqui, nunca tocou o rosto de um homem, fosse quem fosse, nem do pior bandido. Porque homem a gente mata, sangra..."

Passou a mão suavemente pela própria cara.

- Mas tocar o rosto de um homem, só sua mulher e o barbeiro têm o direito de tocar".

O coronel Rufino retomou a colher e continuou a comer o interminável sorvete de morango. Lembro-me de ter sentido um imenso alívio, como se tivesse vindo de muito longe. E tinha, como compreendi mais tarde.

Daí para diante não me lembro de mais nada. Não sei como nos separamos, se trocamos mais alguma palavra - o que duvido - além de alguma banal despedida. Mas ao longo dos anos comecei a relembrar e a contar, obsessivamente, este encontro. Não com o sentimento de ter escapado de algum perigo - embora ainda hoje não esteja muito certo disso -, mas com a desconfortável convicção de ter ido tão fundo naquele sertão para ingenuamente insultar um homem na sua hospitalidade, na sua memória, no seu mundo.


Zé Rufino ao lado da prisioneira Dadá


Texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1993, e reproduzido do livro "20 Navios", de Ruy Guerra. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1996, prefácio de Chico Buarque, 228 páginas.

# RUY GUERRA: Cineasta, escritor, dramaturgo, compositor (parceiro de Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime etc..), ator..etc..


      Na minha opinião, nenhuma frase define melhor o que esses homens fizeram quanto a dita pelo escritor francês Victor Hugo:
                   " Quem poupa o Lobo, Sacrifica a Ovelha!"

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