terça-feira, 18 de julho de 2017

FARGO - A série (3° temporada)


Esse post é baseado em uma história real.
Os eventos ocorreram em 2010 em Minnesota.
A pedido dos sobreviventes os nomes foram alterados.

Por respeito aos mortos o restante foi retratado exatamente como ocorreu.




Como já disse em posts anteriores, estou saturado de filmes de Super-heróis. Tanto, que mesmo o novo filme do Homem-aranha, que estava aguardando para ver se a Marvel dava um novo frescor à franquia, após os dois meia-bocas "espetacular Homem-aranha", não consegui disposição para ir assistir. Porém, nenhuma frase define melhor a série da qual vou falar hoje, do que a proferida em um filme de Super-herói (ou anti-herói), no caso "Deadpool" de 2016, onde o protagonista, entre uma piada e um tiro, fala que: "A vida é um eterno descarrilhamento intercalada por alguns momentos felizes."

Parece brega (e é!) mas é impossível não pensar nessa frase, ao assistir à nova temporada da brilhante série "FARGO" adaptada para TV e escrita por Noah Hawley, baseada no filme homônimo dos irmão Coen e que depois de mais de um ano e meio de hiato voltou com tudo em uma terceira temporada que entrega um mundo cheio de caos brindado com pequenos momentos de alívio em uma produção que, longe do subtítulo brasileiro para o filme original, onde se lia "uma comédia de erros", se sobre sai com a qualidade de um drama de acertos.

Emmit & Ray
Nessa temporada (que dizem ser a última) voltamos para o gelado extremo norte americano, onde somos apresentados aos irmãos Emmit e Ray Stussy (ambos vividos por Ewan Mcgregor), o primeiro um rico empresário do ramo dos estacionamentos e o segundo, mais novo, um fracassado agente da condicional. Os irmãos Stussy possuem uma rixa devido a uma coleção de selos vintage, os quais seu pai deixou de herança para ambos, mas que o mais novo abriu mão em troca do carro do mais velho, que assim fundamentou sua fortuna em cima de um golpe. Esse amargor de ser enganado jamais abandonou a alma de Ray, assim como a ganância de Emmit nunca foi totalmente saciada, então, anos depois e após de receber um não, ao pedir o último selo para si, no dia de aniversário de 25 anos de casamento do primogênito dos Stussy, e sair da mansão de seu irmão, juntamente com sua namorada Nikki (Mary Elizabeth Winstead) humilhado, Ray resolve contratar um de seus clientes para roubar seu proprio irmão e pegar o que é seu por direito. No mesmo dia, Emmit recebe a visita do misterioso V.M Varga (David Thewlis), "representante" da empresa que lhe tinha emprestado dinheiro um ano antes para expansão, sem pedir nenhuma garantia e esse se revela um investidor, não tão ortodoxo, por assim dizer. A partir desse dia, uma onda de violência começará a dar tons de vermelho à branca neve de minnesota, forçando a chefe de polícia local, Glória Burgle (Carrie Coon) a sair de sua zona de conforto de policial do interior e encarar todo mal e destruição que a ganância e o egoísmo podem causar por onde passam.

Cara! Que temporada fantástica!! Noah Hawley se superou de novo trazendo para TV toda acescência dos filmes dos irmãos Coen, com sua violência, humor, solidão e impotência diante de um mundo abarrotado de burocracia e decisões idiotas; tudo maravilhosamente bem aprofundado com o auxilio de personagens carismáticos, uma trama inteligente que vai ganhando velocidade e força a cada episódio e atuações perfeitas da parte de um elenco de primeira linha.

Chefe Glória Burgle & Nikki Swango
No que toca a trama, a série não foge do espirito do longa lançado em 1996, mostrando a decisão de uma policial do interior, nessa temporada interpretada por Carrie Coon, em solucionar um assassinato que serve como ponto de partida para uma série de crimes de proporções e alcance cada vez maiores do que a visão de mundo onde ela habita e que revelam agora, muito além da força de um submundo sempre presente e, nessa temporada extremamente voraz, também os métodos escusos utilizados para o acumulo de riqueza e poder, assim como toda impotência causada pela burocracia do cotidiano e preguiça de quem só quer receber seu salário e ir para casa sem se incomodar com seu dever. Somando-se a isso a série ainda nos mostra o dano que a necessidade de se impor pode causar em todas as relações, em especial na protagonizada pelos irmãos Stussy, que é o mote para tudo de errado que vai acontecendo durante a temporada em uma sequência de erros de atitudes e comunicação que fazem o espectador ir da esperança a aflição de uma cena para outra.




Essa sequência de erros é muito bem orquestrada por Hawley e interpretada de maneira primorosa por Ewan Mcgregor, que faz os irmãos em conflito. McGregor está fantástico, dando nuances de personalidades distintas e completamente equivocadas em suas maneiras de agir, conseguindo nos convencer tranquilamente de que se tratam de pessoas totalmente diferentes embora a aparência; fato que se confirma quando o irmão mais novo se passa pelo outro e imita seus trejeitos e confiança para aplicar um golpe. Outra atuação que chama a atenção é a de Carrie Coon, que vive a policial Glória Burgle e que representa além da justiça em atuação, também a dificuldade de cumprir seu dever meio a um mundo de pessoas que não se importam ou buscam o caminho mais curto, sua história é sofrida e suas cenas tensas, tanto devido a indiferença ou desprezo que ela sofre no pequeno mundo onde vive, pois perdeu seu marido para um homem, cria um filho sozinha e está sendo destituída do cargo de chefe de polícia, como pelo fato de ter que investigar sem nenhum crédito uma série de crimes que apenas sua dedução dos fatos mostra como interligados e que vão se revelando maiores que ela imagina; Glória é tão apequenada frente ao mundo onde vive, que nem mesmo os equipamentos eletrônico parecem notar sua presença e suas sequências lutando para ser reconhecida por um aporta automática ou equipamentos sensíveis a presença dão o alivio cômico na medida certa a um personagem que tem o mundo em suas costas. Mas o personagem que rouba a cena, para mim, é o interpretado por Mary Elizabeth Winstead, que é a namorada de Ray Stussy, Nikki Swango, uma vigarista fã de carteado e que ao logo da temporada se revela muito mais do que um rostinho bonito, como uma estrategista digna de ocupar o trono do grande chefão e que proporciona cenas de ação fantásticas ao lado de um personagem resgatado da primeira temporada em três episódios que deixam muitos filmes desses últimos anos no chinelo.


V.M Varga (ao centro) e seus capangas
Quanto a história, de início achei repetitiva, pois ignorei o fato dela se fundamentar na mitologia da série, que tende a ser ciclica e a comparei com sua primeira temporada, mas no decorrer dos episódios, após conhecer melhor os personagens, a trama e ficar embasbacado pelo roteiro, me apaixonei. Hawley, sem querer ser pretensioso, entrega um retrato sangrento de nosso mundo, com aquele toque de ironia típica dos filmes dos Coen, onde os alvos, além do descrédito de algumas pessoas, a arrogância de outras e a estupidez de muitos, agora são a crença na falácia da liderança e a burocracia que engessa o movimento natural do mundo. Isso fica claro com os diálogos que se repetem durante a temporada onde as pessoas mais dependentes teimam em definir seus chefes ou entes queridos como líderes naturais, quando falando sobre estes para outras pessoas e quando vemos esses "líderes naturais" tomando decisões, o resultado é sempre uma semente para um problema maior; da mesma maneira a burocracia (a qual já me referi dezenas de vezes acima) aparece tanto como arma e esconderijo dos vilões, que transitam em meio a corrupção por brechas do sistema, tão bem estudadas que os tornam invisíveis, como empecilho para a investigação seguir em frente e ao final armadilha para resolver o caso e refletindo a pequenez de todos frente as regras do mundo.

Pois bem! "FARGO" voltou com tudo ! É uma pena que não passe em nossas terras tupiniquins, não sei se pelo fato de suas locações geladas não refletirem o nosso espirito tropical e alguém no FX ache que não vale a pena a transmissão por aqui, ou se não querem que todas as coisas de qualidade sejam vistas na parte de baixo do Equador, o que sei é que essa é uma produção que vale a pena ser procurada e assistida; uma obra fantástica, de roteiro impecável, atuações brilhantes e sequências de cair o queixo, a terceira temporada de "FARGO" consolida a produção como a melhor série dramática de TV da atualidade. Fica apenas o apelo para que Noah Hawley descanse um pouco e pense bem antes de dar um fim definitivo nesse maravilhoso descarrilhamento com espetaculares momentos felizes, sangue e humor no extremo norte americano.


                                  O trailer não faz justiça, mas é o que tem


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