Um arrepio percorreu meu corpo
e um sorriso surgiu no meu rosto, permanecendo ali por longos minutos
enquanto eu olhava fixamente para a capa do livro. Essa frase, que
poderia ser o final de um poema ruim, descreve o que senti ao
terminar de ler "Tropas Estelares", o clássico livro de
Robert A. Heinlein, que graças a editora Aleph, agora enfeita a
minha estante em lugar de destaque.
O livro se passa em um futuro
não datado porém distante, onde a raça humana superou suas
diferenças e passou a colonizar outros planetas, se unindo em uma
federação altamente militarizada, onde apenas quem cumpre o serviço
militar torna-se um cidadão, podendo assim exercer seu direito a
voto e participar da vida política. É nesse ambiente que conhecemos
Juan "Johnny" Rico, que após completar dezoito anos, por
influência de seu melhor amigo e orgulho frente a seu interesse
romântico, decide se alistar no serviço militar e por não ter
nenhum talento especial é designado para a infantaria móvel.
Durante seu tempo de serviço, a federação "terrana" entra em guerra
contra uma raça alienígena conhecida como insetos e esse evento
mudará para sempre o destino e ideias do protagonista ao lhe mostrar
os horrores da guerra e o valor de seus companheiros de armas.
Como fã de ficção
científica, quis ler "Tropas estelares" desde quando era
criança, após descobrir que o filme (ruim) de Paul Verhoeven era
baseado em um livro e, meu desejo só cresceu com o tempo ao
descobrir da influência da obra e do autor, tanto na literatura,
quanto no cinema. E não é pra menos, o cara é gênio! Consegue
prender a atenção do leitor do início ao fim e transformar em
interessante até mesmo a listagem da hierarquia da infantaria móvel,
ou como são divididas as tropas durante a guerra e sua forma de
transporte.
O livro já começa nos
colocando no front de batalha, de uma forma tão ágil e vertiginosa,
que dá a sensação que somos soldados inexperientes acompanhando
veteranos. Esse simples truque narrativo, de mostrar a ação, para
depois contar como se chegou até aquele momento, fato que a
industria de cinema utiliza em muitos casos (inclusive no próprio
filme baseado no livro), me pegou na hora e em menos de cinco páginas
já estava fisgado pela história. O fato dele ser narrado em
primeira pessoa, foi outra coisa que colaborou para o livro me
agradar desde o inicio, pois deu uma ar de intimidade, de desabafo a
história contada. Somos assim todos confidentes das dúvidas,
frustrações, medos e expectativas de Juan Rico e vamos aprendendo e
crescendo na trama junto com ele.
Ainda sobre a narrativa, temos
que destacar que a história do protagonista tem muito da jornada do
herói (https://pt.wikipedia.org/wiki/Monomito)
mas isso não diminui em nada o gênio do autor, muito pelo
contrário, mas podemos resumir a trama da seguinte forma, usando os
passos do monomito: Rico começa o livro com sua vida civil (mundo
comum), seguindo com a chamada para a aventura feita por seu amigo
Carl; onde ele pensa em recusar e seguir a vida de seu pai, mas acaba
se alistando para impressionar a "pequena Carmen"; encontra
seu mentor primeiramente no professor Dubois e depois no sargento
Zim; sofre provações e testes no acampamento Currier; sobrevive a
batalha de klendathu; Vê sua tropa se abalar quando o tenente morre,
é recompensado por seus esforços quando resolve se inscrever na
escola de formação de oficiais, Volta para um teste em campo, onde
tem êxito, porém sofre um acidente onde quase morre, mas essa
experiência o aprova como oficial e proporciona a ele levar a
sabedoria a seus companheiros.
Armadura da animação de 2012 |
Embora a história contenha a
estrutura do monomito, o universo criado por Heinlein e seus
conceitos científicos e sociais, são o que mais chamam atenção.
As aulas de história e filosofia da moral, que são relembradas pelo
protagonista sempre que este se depara com uma situação de conflito
pessoal ou é exposto a questões mais profundas, foram para mim o
grande ponto profundo do livro; ali se encontram o conteúdo onde a
sociedade apresentada se baseia e isso é muito interessante,
principalmente porque os debates levantados pelo professor Dubois são
extremamente atuais, quando paramos para pensar que o livro foi
escrito em 1959. Nesses debates, Rico e seus colegas vão analisando
escolhas e princípios da sociedade através do período histórico e
assim vamos descobrindo com base em quais visões, aquela sociedade
se moldou, então temos a ideia da "violência controlada para
alcançar um objetivo", onde é exposto que se o inimigo não
pode revidar, o problema está solucionado, somos apresentados a
argumentos sobre direito e dever que nos remetem a sociedade atual e
também a ideia de castigo físico como corretivo e base da educação,
esse último argumento tão bem debatido, que li o capítulo duas
vezes e terminei convencido que o professor Dubois não está tão
errado (a Xuxa que não me ouça).
Deu Bug |
arte clássica |
Durante a leitura, a obra
ainda me proporcionou uma grande surpresa. Ao postar no twitter que
devido ao discurso que falava de mérito e dever em preferência a
ideia de direito e oportunidade, eu enxergava os pensamentos do autor
como sendo um contraponto as ideias dos personagens de Philip K.
Dick, que , no meu entender, sempre criticou a sociedade através de
personagens marginalizados e que viviam angustiados buscando seu
espaço em uma sociedade que os oprimia. Para minha surpresa, o
tradutor de "tropas estelares", Carlos Angelo, respondeu
meu questionamento e , através de um discurso tão convincente
quanto do professor Dubois, me mostrou que na verdade os personagens
de Heinlein tinham tantos dilemas sociais quanto os de Dick, sendo o
próprio autor de "O homem do castelo alto" influenciado
pela obra e pensamento de Heinlein (não importando a visão política
dos dois). Angelo ainda me fez a gentileza de indicar alguns livros
para complementar essa visão sobre a obra do autor (que com certeza
lerei em breve) e tivemos uma conversa bem bacana sobre o universo do
autor (dentro do que 140 carácteres nos permitiram).
O que mais eu poderia falar
sobre esse livro, a não ser que ele é uma das melhores obras do
gênero que já li?! É um livro escrita com primor e genialidade,
misturando com competência ação, debates filosóficos e até
crítica social; consegue ser divertido e profundo sem parecer
forçado e plantou em mim a vontade de ler tudo que Heinlein escreveu
(tanto que já reservei "Um estranho numa terra estranha"
para próxima semana). Posso definir minha experiência de leitura
dizendo que uma das melhores sensações do mundo é quando desejamos
muito uma coisa e quando a temos, ela supera todas nossas
expectativas e, foi exatamente isso que senti quando terminei as 364
páginas desse clássico. Tropas estelares é um livro fantástico,
cheio de ação e questionamentos que vão te fazer querer reler o
livro assim que terminá-lo, um clássico obrigatório para quem é
fã de ficção científica e uma possível porta para a literatura
para quem quer começar a ler, me apresentou a genialidade de Robert.
A Heinlein, autor que pretendo ler toda obra e indicar para todos
meus amigos, para honra e glória da infantaria.
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