Se eu falar sobre "Eu sou
a lenda", nove em cada dez pessoas se lembrará do filme de 2007
protagonizado pelo Will Smith, onde um cientista se encontra sozinho
em Nova York, logo após um vírus misterioso transformar a população
mundial em uma espécie de zumbis noturnos muito malfeitos por CGI.
No entanto, o que quase ninguém sabe é que o terrível roteiro do
filme "Eu sou a lenda" foi baseado em um clássico livro da
ficção científica de terror (se é que esse gênero existe) de
mesmo nome, escrito em 1954, por Richard Matheson e que marcou a
cultura pop, influenciando cinema e literatura desde então e que
tive o prazer de ler recentemente.
O livro conta a história de
Robert Neville, um cara comum, morador do subúrbio de uma grande
cidade e trabalhador da indústria, que se vê sendo o último humano
do planeta logo após uma misteriosa doença transformar o restante
da pessoas em vampiros (SIM!VAMPIROS!). Neville passa então a
seguir uma solitária rotina para sobreviver, se abrigando em sua
casa protegida com alho e símbolos religiosos a noite, onde estuda o
que pode ter levado a sociedade à destruição e, buscando
mantimentos e caçando as criaturas sanguinárias durante o dia; vendo
crescer suas desesperança e tendo como companhia apenas seus
pensamentos e suas garrafas de Whisky.
Como já mencionado, o livro é
um clássico da ficção científica e trouxe conceitos que nortearam
muitas das grandes obra de terror e suspense da cultura pop, como por
exemplo o filme "A noite dos mortos vivos", de 1968
dirigido por George Romero e que deu origem ao estilo "Apocalipse
Zumbi", onde um grupo de pessoas se refugia em um lugar e busca
alternativas para sobreviver.
O livro também é bem
convidativo, por ser curto e divertido, com linguagem de fácil
compreensão e trama que não se expande para outros núcleos e
conflitos (até porque Neville é o último humano), esses fatos
colocam a obra como uma possível porta para a literatura para quem
quer começar a ler, ou para quem quer ter uma experiência de
leitura que seja legal, porém não muito complexa.
A forma como a história é
contada é um grande ponto positivo. Se assemelhando com um roteiro
cinematográfico e narrado em terceira pessoa, o livro é ágil e
direto, jogando o leitor em um mundo onde quase nada é explicado,
onde nos vemos acompanhando a vida solitária do protagonista, com
ele executando tarefas de seu cotidiano durante o dia, sem sabermos o
que a noite nos reserva. Apenas a situação presente de Neville
importa e o pouco que vamos saber de seu passado nos são revelados
através de pequenos flash backs que dão dicas do que ocorreu com
sua família, sobre uma mal citada guerra ocorrida, sobre sua vida
antes da epidemia e suas experiências sobre o vampirismo em seu
tempo extremamente livre.
A parte mais bacana do livro
são seus questionamentos sobre a natureza dos vampiros e as
experiências executadas por Neville na busca de respostas. Com tempo
sobrando e procurando encontrar uma possível cura, ou no mínimo uma
explicação sobre o que aconteceu, o protagonista passa a testar de
forma prática todas armas lendárias contra seus antagonistas.
Assim sendo, ele descobre que o vampirismo é uma doença espalhada
por um germe e que esse mesmo germe faz dos vampiros alérgicos a
alho e que o melhor jeito de mante-los longe é enchendo a casa desse
vegetal; descobre que uma estaca perfurando o coração faz com que o
sistema criado por esse germe se destrua e que o corpo da criatura se
desfaça, que a luz do sol destrói o germe e o hospedeiro e, que os
símbolos religiosos afugentam as criaturas, pelo fato de uma
pequena parte de seu consciente permanecer funcionando e lembrar que
esses símbolos DEVERIAM machucar os vampiros, sendo assim uma cruz,
afugenta um vampiro que era cristão, uma torá um que era Judeu e
assim por diante.
Todos os conceitos e
questionamentos, intercalados por flash backs e caçadas, ainda são
complementados por um clima de extrema solidão que faz o
protagonista viver as portas da loucura. A cada página que vamos
vendo o tempo seguir, sem que Robert Neville encontre algo que lhe dê
esperança, o vemos indo de um extremo a outro de sanidade, com
momentos de foco total, onde pesquisa a doença que destruiu a raça
humana e situações de loucura, onde fala consigo mesmo e se
repreende como se fosse uma outra pessoa e pensa em suicídio, esses
momentos são amenizados com a descoberta de um outro sobrevivente,
um cão, que aparece misteriosamente na porta de Robert, lhe trazendo
esperança por uma pequena parte do livro e assim nos mostrando a que
nível de solidão o personagem se encontra. Essa solidão também
pode ser percebida na atenção especial que Neville dá a seu
ex-vizinho agora vampirizado, Ben Cortman, que é uma das poucas
lembranças de sua antiga vida e que ele poupa de matar por ser quem
pronuncia a única frase que o identifica como pessoa, gritando toda
a noite "Saia de casa, Neville", na esperança de sugar o
sangue de seu ex-amigo.
O Livro, que foi escrito em
1954, foi um sucesso. Rapidamente seus direitos foram adquiridos e
ele se tornou filme ainda na década de 1950, tendo uma nova versão
em 1971, protagonizada por Chralton Reston (planeta dos macacos), sob
o nome de "Omega man" ( no Brasil: "A última
esperança da terra) e fechando com aversão de 2007, protagonizada
pelo maluco no pedaço. Não assisti as duas primeiras versões, mas,
como dito antes, é impossível não comprar a história do livro com
a do filme, e fazer isso é muito simples, basta dizer: "O livro
não tem absolutamente nada a ver com o filme de 2007!". No
livro Robert Neville é um industrial morador do subúrbio que nem
imagina como tudo chegou ao ponto que está e nem porque apenas ele é
imune, já no filme ele é um cientista de alta relevância no
exército e tem participação na busca pela cura; No livro, sua
mulher e filha morrem em decorrência da epidemia, enquanto no filme
elas morrem em um acidente de helicóptero; no livro, Neville passa
um bom tempo tentando conquistar a confiança de outro sobrevivente,
um cão, que acaba morrendo de uma hora para outra, já no filme ele
tem uma fiel cadela de estimação que trata como filha; No livro ele
é loiro e passa as noites ouvindo música clássica e bebendo
Whisky, no filme ele só ouve Bob Marley e faz exercícios; No livro
há a aparição de outro sobrevivente no final, uma mulher, que é
determinante para o encerramento da trama; no filme temos a Alice
Braga e um gurizinho, que só vem par encher linguiça e conseguirem o
que o protagonista não conseguiu, contato com mais humanos e, por
fim, o livro explica por que a história se chama "Eu sou a
lenda" (ou eu sou lenda, como seria o correto e o autor queria)
, já no filme nada remete a uma resposta.
"Eu sou a lenda" é
um bom livro. Direto e limpo, de narrativa ágil e divertida, que até
hoje consegue trazer um ar de inovação, mesmo depois de ter sido
vampirizado por todo escritor de apocalipse zumbi. Em míseras 150
páginas, consegue abordar questões como solidão e sanidade
disfarçando a história em um conto de terror e, de quebra, busca
responder aquelas perguntas que nos fazemos após umas três ou oito
cervejas, de como um vampiro muçulmano reage a ver um cruz e etc, o
que torna a leitura ainda mais divertida. Minha dica é que esse livro
deve ser lido por todo amante de ficção científica, terror ou
fantasia, pois é uma marco do gênero e exemplo de criatividade. Só
digo para se apressarem , pois existem rumores de um vírus que anda
transformando as pessoas em vampiros ou zumbis de CGI e antes dessa
doença chegar por aqui o melhor é estar informado, ou adotar um
cachorro.
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