Em Janeiro de 2014, estreava
na HBO a série "True Detective". Tendo como protagonistas
Matthew
McConaughey e
Woody Harrelson, e com
o roteiro
de Nick Pizzolatto, a produção contava a história de dois
detetives atrás de respostas sobre uma série de assassinatos
envolvendo uma misteriosa seita. A série foi um sucesso de público
e crítica, tanto
pela qualidade das atuações e roteiro, quanto pela inovação na
forma de narrativa, onde a história era
apresentada em três linhas de tempo diferentes, 1995 , 2002 e 2012,
de forma não linear, para que o
espectador pudesse
entender como foram descobertos cada pista sobre o caso e apresentar
a situação dos detetives, suas famílias e os envolvidos.
"True
Detective" me pegou desde sua abertura arrepiante ao som de The
Handsome Family, mas
o que me deixou fascinado foi o "estranho" que permeava a
sua história. A série trazia um flertar com o sobrenatural, que
ficava longe de transformar a história em um conto de terror ou
magia, mas que a afastava da normalidade das histórias policiais
normais, Isso
fez com que eu procurasse saber mais sobre o roteiro e com isso soube
que toda a mitologia por trás da história da primeira temporada de
"True Detective" era inspirada em um pequeno livro de
contos escrito por um autor que, entre contos de terror e ficção
científica que
inspiraram
gênios do calibre de Lovecraft
e Stephen King, conseguiu
considerável fortuna e fama através de livros de romances que
miravam a atenção de senhoras; tratava-se de Robert W. Chambers e
esse livro é "O REI DE AMARELO", lançado originalmente
em 1895 e que a editora Intrínseca publicou no Brasil logo após o
sucesso da produção
de Pizzolatto e
que me senti obrigado a ler na busca de mais daquele estranhamento
que senti assistindo a série.
"O
rei de amarelo" é uma antologia de contos, com dez
histórias que tratam de terror, suspense, maldição, ficção
científica e até romance. Destes
dez
contos, cinco
compõe, explicitamente ou em suas entre linhas, a mitologia que
desenvolve o estranho universo onde um misterioso livro, homônimo ao
que trás os contos de Chambers, enlouquece, perturba e amaldiçoa a vida da pessoa que ousa lê-lo.
Os
contos que tem em comum a presença da maldição do livro, tem
como primeiro
"O
reparador de reputações"
onde
o autor nos apresenta uma história que se passa 25 anos no futuro
(da data que o livro foi lançado, 1895) em
que o narrador conta sobre uma trama para tomar o trono da América
(EUA) para si, tudo isso com a benção dos súditos do Rei de
amarelo; a esse, segue "A
Máscara",
onde um escultor descobre uma formula que transforma todo ser vivo
que a toca em uma estátua, o que acaba por ocorrer com a mulher que
ama após essa ousar folhar o livro desgraçado. A terceira história
é "No
Pátio do Dragão",
onde um
jovem arquiteto busca conforto espiritual em uma igreja, após três
dias de pesadelos depois de ler "O rei de amarelo" e vai
percebendo de maneira paranoica que o organista o vigia e tenta se
aproximar com ares de ódio, O
conto que segue é "O
emblema amarelo"
que narra a história de um pintor e sua modelo preferida, que após
encontrarem o malfadado livro, percebem que estão sendo observados
por um vigia da igreja que é descrito de forma monstruosa e acabam
entrando em uma espiral de loucura . Por
último temos diversos trechos da suposta peça presente no livro
maldito reunidos no conto intitulado "O paraíso do profeta",
que fecha o pequeno deslumbre que temos do estranho universo criado
por Chambers.
Se
eu posso dizer algo sobre esse livro é que ele cumpriu sua missão
de causar estranhamento, pelo menos em mim. Suas histórias contendo
um mistura de situações e sentimentos, somadas a uma irregularidade
de ritmo e ao estilo de escrita do século XIX, por vezes me deixaram
confuso, mas cumpriram seu papel de apresentar um terror que busca
ser como algo que não pode ser alcançado pela compreensão humana,
tanto dos personagens que sofrem com a maldição, como pelo leitor
que se vê envolto a situações que mal consegue conceber.
Penso
que "O rei de Amarelo" seja a semente ocidental da ideia de
terror que ganhou fama através dos filmes japoneses, onde os
personagens são amaldiçoados e não há forma de escapar ou de
redimir, pois o que lhes envolveu é maior do que eles e seu
entendimento, algo que ganhou força por aqui com filmes como "O
chamado", "O grito" e recentemente em "Corrente
do mal".
Quanto
as histórias que compõe o livro, a edição brasileira da editora Intrínseca parece acertar na disposição dos contos, pois consegue
nos apresentar toda a mitologia em uma crescente através da ordem
desses contos. "O reparador de reputações" me pareceu
confuso a principio, pois joga o leitor sem paraquedas no meio de uma
trama que mistura muitos elementos, se passando em um futuro (em
relação ao livro) onde Judeus e negros foram banidos da América e
os EUA lutaram contra a Alemanha pelas ilhas Samoanas, tais
acontecimentos só ganham uma forma de explicação na última linha,
quando a sanidade do narrador é colocada em xeque, remetendo aos
contos de Lovecraft e a ideia de que uma verdade poderosa pode tornar instável a razão de quem a contempla. Já "A máscara" traz
uma carga muito pesada de romantismo e tem um desenvolvimento lento,
que torna quase oitenta por cento da história, muito mais uma trama
sobre um triângulo amoroso do que uma história de terror e isso é
bem chatinho, embora tente recupera ao final um pouco do que é
apresentado como intenção inicial da história. Por outro lado, os
contos "No pátio do Dragão" e " O emblema amarelo"
são meus dois contos preferidos de Chambers, neles o terror da
maldição do livro são muito bem demonstradas e o clima crescente
de medo e insanidade muito bem desenvolvidos; posso citar por exemplo
a observação paranoica e toda a descrição de fuga e pesadelo que
o protagonista de "No pátio do Dragão" faz ao contar de
toda sua aflição ao se sentir perseguido pelo tocador de órgão da
igreja onde buscava conforto após ler o livro amaldiçoado, ou os
detalhes presentes no desenvolvimento de "O emblema amarelo"
e que vão sendo citados lentamente em uma espiral de loucura e
desespero que envolve um pintor e sua modelo preferia após contato
com o livro e o emblema amarelo; estes dois contos ainda tem em comum
o final que não permite nenhuma ilusão de esperança ou redenção.
Além
dos cinco contos que tratam da mitologia amarela, o livro ainda trás
mais cinco que não tem ligação com nada e parecem estar presente
apenas para apresentar um pouco mais do talento do escritor. No
entanto entre estes, existe um que se destaca por flertar com o sobre
natural e o estranho, que é o intitulado "A Demoiselle d'Ys",
onde um jovem apresentado como Robert, o estranho, sai para caçar e
conhece uma garota que o leva para seu castelo e apresenta seus
amigos e parentes, um clima surge entre os dois e no final uma
revelação surge para deixar tanto o leitor, quanto personagem de
queixo caído.
Pela
construção de uma mitologia que inspirou grandes escritores, além
de proporcionar um estranhamento e flerte com o sobrenatural
semelhante ao presente na série "True detective" considero
"O rei de Amarelo" um leitura obrigatória para quem busca
saber como grandes universos de fantasia e suspense são criados, que
a editora intrínseca disponibilizou por um preço acessível em nosso
país para se ter na estante em lugar de destaque . Uma obra de
terror que utiliza de sutilizas e até futilidades para colocar o
leitor frente a algo que não pode ser explicado ou se quer
compreendido, uma viagem sem volta até as assustadoras torres de
Carcosa e aos gelado lago de Hali, onde os céus pendem estrelas
negras por de trás da lua azul, na morada da morte e das almas
perdidas, onde o rei de amarelo sussurra das trevas com voz de trovão,
"Horrenda coisa é cair nas mãos do deus vivo" enquanto se
mergulha nas profundezas.
Fechando com a abertura de True Detective para tirar o amargo da boca
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