"Por que o cinema
brasileiro não consegue se desvincular da situação politico-social
do país e entregar produções que conversem com qualquer ser
humano?", Essa foi a pergunta que minha mente repetia em looping
ontem ao assistir "Relatos selvagens", brilhante filme
argentino de 2014, dirigido por Damián
Szifron e
estrelado por um grande elenco, que
foge a tudo que o nosso cinema tupiniquim vem apresentado desde
sempre e
é tão bom, que dá raiva ter de dizer que essa obra de arte é uma
produção de nossos hermanos.
O
filme reúne seis histórias curtas e independeres, que se conectam
por tratarem do mesmo assunto, a vingança. Durante
duas horas de dez minutos somos levados a nossos limites de tensão
com tramas que por vezes são tão exageradas e sínicas que poderiam
muito bem ser verdadeiras, da mesma forma que os diálogos são tão
bem construídos, tão humanos, bem atuados e dirigidos que tanto
assistido na Argentina, Japão ou sudão, é impossível que os
sentimentos e atitudes dos personagens presentes nas histórias não transcendam qualquer questão social, religiosa e política e calem
fundo no espectador.
Na
primeira dessas histórias, que podemos entender como o prólogo de
um livro, vemos uma modelo pegando um avião e em uma conversa
informal descobrindo que o passageiro ao lado conhece seu
ex-namorado, assim como a senhora sentada a sua frente, que foi sua
professora e o do acento atrás que foi seu colega de serviço e, no
final, descobre-se que todos reunidos nesse voo são conhecidos desse
homem que, de tão desprezado, não tem nem ao menos seu rosto
revelado na
história onde deveria ser o protagonista. Pois
esse ninguém, arquitetou um plano de dar fim a todos que o magoaram
em sua vida: jogar o avião que pilota (ele é comissário de bordo,
e sequestra o avião) sobre a casa de
quem mais o frustrou e o exigiu,
seus próprios pais! E
assim ele faz; dando inicio ao filme de maneira chocante e mostrando
a quê veio. Mas não se
desespere pelo spoiler (que serão poucos) eu poderia falar tudo
sobre esse filme e mesmo assim ao assisti-lo pareceria que ninguém
disse nada, pois ele consegue de maneira primorosa, passar uma tensão
e suspense que mesmo sabendo o que vai acontecer não se pode deixar
de sentir ; a narrativa com a qual o diretor conduz a trama,
apresentando uma situação aparentemente corriqueira e que muitos
desavisados levarão para outro lado, mas que resultará em um acontecimento terrível e lapidada
sutil e pacientemente, utilizando de todos elementos disponíveis
para prender quem assiste duro na poltrona, então temos a excelente
fotografia e cortes de câmeras e a música, que muda do tom de
tranquilidade para de terror e suspense. (muito bom).
Além
desse conto inicial, ainda temos "Ratazanas ", onde uma
garçonete encontra no trabalho, em uma noite chuvosa e sem nenhum
outro cliente, o agiota que destruiu sua família e
deve decidir, se segue o conselho da cozinheira e envenena o sujeito,
ou baixa sua cabeça para sua consciência e segue sua vida. Também
temos a história intitulada "Bombinha", em que um engenheiro (interpretado por Ricardo Darín (se ele não estiver em
um filme Argentino é porque não é um filme argentino)),
após ter seu carro rebocado duas vezes pelo serviço de trânsito de
Buenos Aires e obrigado a arcar com multas que ele não concorda, vê
sua vida desmoronar e resolve dar o troco na sociedade. Seguindo
as histórias o filme apresenta "A proposta", onde o filho
de um casal de milionários, após sair de uma festa, atropela e mata
um mulher grávida, fugindo sem prestar socorro, sendo que o pai do
jovem chama seu advogado para buscar uma solução antes de a Polícia
identifique o condutor, parte daí um plano para retirar a
responsabilidade das constas do jovem, onde todos os envolvidos vão
se mostrando corruptos e no final temos as consequências. Ainda
temos "Até que a morte nos separe", onde durante a festa
de casamento, a noiva descobre que seu marido a traia com uma colega
de serviço e que a convidou para o evento, despertando na noiva o
mais intenso e destrutivo desejo de vingança e demonstração de
dúvida quanto a seus caminhos, o que , somado a traição, põe em
risco a história do casal, ou não.
No
entanto, dentre todas as seis histórias que o filme trás, a que
mais gostei foi a intitulada "O mais forte". Nessa
história vemos um cidadão transitando por uma estrada deserta com
um carro novinho e de repente se vê barrado por um velho carro que
segue lentamente a sua frente em zig-zag, incomodado o motorista do
carrão ultrapassa o outro pela direita, mas não sem antes, abrir a
janela e gritar uns desaforos e dar o dedo do meio ao que ficava para
trás. Mas o mundo dá voltas e alguns quilômetros depois do
ocorrido, chegando
em uma ponte no meio do nada,
um dos pneus do
carrão fura e ele é alcançado pelo carro velho do motorista
desrespeitado, que vai tirar satisfação da maneira mais extrema
possível, trincando o para-brisa do carro do inimigo, arrancando o
limpador de para-brisa e o retrovisor, e, depois de tudo defecando e
urinando em seu capô; mas após
completar sua vingança, a vítima se enfurece e quando o agressor
entra em seu carro este acelera e atira o carro velho com seu
motorista da ponte e foge enquanto seu inimigo sai do meio dos
destroços e parte para cima dele. Passam-se poucos metros e o dono
do carrão, sabe que mesmo fugindo ele pode ser encontrado, resolve
voltar e terminar o serviço matando seu rival, no entanto, nessa
tentativa ele acaba caindo no rio também e ficando preso no carro
destruído de seu inimigo, é quando esse adentra
o carro pelo porta malas com um pé de cabra em mãos, enquanto lá
dentro
o outro se prepara segurando um extintor e aí a porrada come solta e
depois
de muita pancada, o
rustico dono do carro velho consegue amarrar o pescoço do adversário
com o cinto
de segurança e forçando a porta o deixa pendurado pelo pescoço
para morrer enforcado e na fuga coloca uma bucha com fogo na boca do
tanque de combustível, mas o dono do carrão, mesmo enforcado não se
entrega e puxa seu desafeto para dentro do carro e de repente BUMMM!!
o carro explode. A cena corta e vemos a perícia no local perplexa
com a situação, então um dos responsáveis questiona "Será
que foi um crime passional?" então vemos, o
corpo dos dois homens abraçados e carbonizados. Ambos
preferem perder a vida juntos do que baixar a cabeça e esquecer seu
inimigo eventual, acabam mortos muito mais pelo seu próprio orgulho
do que pelas mão de seu antagonista.
O Mai forte |
Além
de um roteiro primoroso e atuações e direção brilhante, o filme
ainda conta com uma trilha sonora muito pontual, que vai desde música
clássica até
o trance (seja lá o que for isso) e que oscila conforme a tensão cresce na trama. O filme também trás uma
fotografia maravilhosa e uma palheta de cores que acompanha o clima
de cada história, assim como cenários
fantásticos e escolhas de narrativa que cabem perfeito para cada
história, como o
plano sequência na
história inicial, ou as cenas picotadas e em câmera lenta no conto
do engenheiro bombinha. O que dizer mais? O filme é uma obra prima!
"Relatos
selvagens" é um filmaço que merece e deve ser assistido. Uma
aula de cinema repleto de tensão, ira e beleza; um resumo de tudo que o áudio-visual pode proporcionar no que se refere a
sentimentos ao espectador, um filme
que vai além do idioma, da sociedade e situação política de seu
país de origem e que deveria servir de exemplo para nossos cineastas
que depois de tanto tempo ainda batem nas mesmas teclas com seus
filmes sobre favela, ditadura militar e comédias sem graça, temas
regionais e curtos que
a indústria
do maior país da América do Sul já
deveria ter transcendido a muito tempo.
O
que me faz perguntar: "Por
que o cinema brasileiro não consegue se desvincular da situação
politico-social do país e entregar produções que conversem com
qualquer ser humano?"
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