Comunicação com alienígenas
tem sido um tema recorrente na minha cabeça já algum tempo. Falei
um pouco disso quando escrevi sobre o filme "Oblivion", mas
a questão já me perturbava muito tempo antes e parece me perseguir
a cada dia mais; não sei se tudo deriva do fato de eu trabalhar em
um ramo onde as pessoas tem muita dificuldade de se comunicar, ou
pelo momento de extremismo no mundo que venho acompanhando, onde
ninguém quer realmente ouvir o que o outro lado tem a dizer; só sei
que a dificuldade sobre como entenderíamos uma língua pertencente
a seres vindos do outro lado da galáxia, com cultura, conceitos e
percepções inimagináveis para nós, já que não conseguimos
entender nem mesmo nossos vizinhos, me fascina.
Foi para saciar essa minha
fascinação sobre como seria nosso primeiro diálogo com alienígenas,
que fui atrás de histórias que buscassem se aprofundar na questão
de, tanto nós entendermos os visitantes, quanto eles nos entenderem;
me deparando assim com livros como "Contato"de Carl Sagan e
"estranho em uma terra estranha" de Robert A. Heinlein e,
mais recentemente com um filme que considero como um dos melhores de
2016 e que me deu ainda mais conceitos e questões para refletir.
Trata-se de "A chegada", filme dirigido por Denis
Villeneuve e estrelado por Amy Adams e Jeremy Renner, que esperei com
ansiedade desde o surgimento de seu primeiro trailer e que superou
minhas expectativa com tudo que me trouxe.
O filme gira em torno da Dra.
Louise Banks (Amy Adams), uma linguista de prestígio que, após a
aparição de doze gigantescos Ovnis espalhados pelo mundo, é
convocada pelo governo americano, assim como o físico Ian Donnely
(Jeremy Renner), para traduzir a língua dos alienígenas e buscar
compreender qual a intenção dos mesmos para com o nosso planeta.
Correndo contra o tempo, Louise e Ian terão de superar o medo que se
espalha na sociedade, a imposição por parte do governo e a desunião
entre os países envolvidos, para assim desvendarem as reais
intenções dos visitantes e com isso, descobrirem muito mais sobre
si mesmos.
Humano |
O filme é muito competente ao
abordar o que o roteiro propõe, se aprofundando na questão da
dificuldade de diálogo entre duas raças que não possuem
absolutamente nada em comum, do mesmo modo que é uma produção
bonita de se ver e que trás uma mensagem muito bacana e atual de
união e tolerância. Os protagonistas são plenamente críveis,
apresentados como cientistas racionais e brilhantes, mas antes de
tudo muito humanos com seus medos, traumas e erros, sem, porém,
perder o foco em suas pesquisas e estudos e, se colocando no outro
extremo de personagens de ficção científica que não os habituais
heróis que resolvem tudo com explosões e gritaria. O destaque entre
as interpretações é Amay Adams, que consegue expressar todo
melancolia e sentimento que circundam a trama principal do filme utilizando muito de breves silêncios e fortes olhares para passar ao
expectador muito de sua personagem sem precisar utilizar uma única
palavra; Jaremy Renner também não deixa nada a desejar, sendo
carismático e natural, entregando um Ian Donnely leve e muito mais
simpático que os personagens que ele vem interpretando ultimamente.
A direção, que ficou nas mãos do diretor canadense Denis
Villeneuve, o mesmo de "Sicário", é extremamente
competente e precisa, dando um ritmo lento e cíclico, mas não chato,
na trama, o que faz total sentido quando por fim compreendemos o que
os alienígenas querem e como história é montada, cravando uma
exclamação em nossa mente ao final do terceiro ato quando temos
várias revelações que são apontadas desde o primeiro minuto por
um roteiro primoroso.
O roteiro do filme é baseado
no conto "A história de sua vida" do escritor Ted Chiang,
outro jovem escritor, que assim como Andy Weir, que escreveu "Perdido
em Marte", foca mais na atuação da ciência em casos
extraordinários, do que em uma solução utilizando a ação como
protagonista. Então, toda a situação sobre a dificuldade de manter
contato se torna a missão central do filme e serve de base para
abordar e criticar temas de nosso dia a dia, como a boa ficção
cientifica sempre fez e, assim o filme traça um paralelo sobre a
dificuldade de compreensão entre as pessoas e sobre a tolerância
com o que (ou quem) é diferente.
O filme me lembrou muito o
livro "estranho em uma terra estranha", onde o
protagonista, criado por alienígenas, não conseguia entender os
conceitos humanos e ficava em grande parte paralisado frente a ironia
e violência, sendo visto como alguém de intelecto baixo ou incapaz,
quando na verdade a realidade de seu pensamento era totalmente
dispare do pensamento humano. Da mesma forma, conforme a trama vai se
desenrolando, enxerguei muito do livro e filme "contato",
de 1997, e do filme "Interstellar" de 2014, dirigido por
Christopher Nolan; com o primeiro, a semelhança é que formas de
vida alienígenas ensinam uma maneira da humanidade se comunicar com
elas, apenas para informar-nos que esse é o primeiro passo e que
temos de nos preparar para aceitar o diferente, com o segundo, a
ideia de que "o amor é a única coisa que transcende o tempo e
espaço" e responsabilidade de nossos atos, coisas que parecem
piegas, mas que ao assistir o filme tornam-se doces e verdadeiras.
No entanto, para entender a
sutileza e a magia desse filme, é preciso revelar algumas partes da
trama, ou não será possível uma análise digna de um filme tão
bom quanto esse. Então lá vai:
Zona de Spoiler
Esse filme foi vendido
errado!! Não é um filme de invasão alienígena, como os trailers
tentavam mostrar, é um filme de visita alienígena e mudança de
paradigma e, o diretor, roteirista e o montador, souberam tratar
disso tudo de forma brilhante usando uma meta linguagem que faz tudo
parecer voltar sempre. Para começar, o início do filme é o final,
não o final da trama, mas o final das consequências que a trama
causou na vida dos personagens, dando a ideia de ciclo, ou história
não linear. Isso é apresentado incessantemente na produção, seja
pela linguagem dos alienígenas, que é apresentada formando
círculos, em frases soltas dos personagens, como quando Ian (Renner)
fala consigo mesmo dizendo "tudo morre um dia", com o fato
de existirem doze naves, tais quais as horas em um relógio e nos
informando que aquela parte da invasão é parte de um todo maior,
dando uma visão holística da situação, que os próprios
personagens não compreendem a principio e só vão enxergar, quando
o presente, ou arma, trazida pelos visitantes é desvendada.
O grande conflito do filme
acontece quando a Dra. Banks traduz a proposta dos extraterrestres
justamente como "Oferta de arma", que desencadeia uma crise
entre os países alvos das visitas e quase cria uma guerra, sendo que
mais tarde a protagonista descobre que o conceito de "arma"
e "ferramenta" para os visitantes é o mesmo e essa
ferramente (ou presente) é a própria linguagem alienígena, que ,
mais do que uma linguagem unificada entre as raças, carrega em si o
poder de consultar e perceber o tempo como aquela raça, que não
vive o tempo de forma linear, mas sobreposta, ou seja, para eles não
há um futuro, passado e presente separados, mas simultâneo e pode
ser acessado por nós (humanos) como lembranças e os aliens vieram
nos passar essa linguagem, porque sabem que precisarão da ajuda dos
humanos daqui a três mil anos, mas que a falta de união e
entendimento, quase certamente, irá colocar em risco nossa
existência até lá.
Com isso, o filme ainda toca
em questões filosóficas e teóricas. Como , se sabemos o que
acontecerá, pois temos lembranças do nosso futuro, será que temos
realmente livre arbítrio? E, utilizando essas lembranças do futuro,
para proceder no passado não criamos um paradoxo temporal e apagamos
uma linha de tempo possível? Mas isso é algo para ser pensado em
outra ocasião, porque não ferem a trama central ou mitologia do
filme, pois o mesmo parece utilizar a máxima do filosofo romano
Boécio em um parentese na "consolação da filosofia", ao
falar sobre previsões: "As coisas são
previstas porque acontecem e não acontecem porque são previstas",
sendo assim, o filme
só possui uma linha temporal e as visões do futuro já estariam
prevista, pois o tempo é influenciado e medido pela ótica dos
aliens e não no jeito humano.
O filme
ainda tem um toque de humor, quando nos questionamos se o nome da
filha da protagonista é Hannah, por causa que a nave estava em
Montana, sendo que o nome também é um palíndromo sendo falado do
mesmo jeito de trás para a frente ou de frente para trás, outro
exemplo de linguagem cíclica como a escrita alienígena.
A única
parte caída do filme é que mesmo tendo
uma mensagem otimista, o diretor se
apega a questões onde países não alinhados com o pensamento
americano, são representados
como instáveis e extremistas em suas atitudes (china , Rússia, Paquistão e sudão), uma situação já apresentada anteriormente
por Villeneuve
em "Sicário", onde
temos um EUA racional em um lado e um México selvagem do outro,
assim como seus agentes da CIA, que tanto no filme de 2015, quanto
nesse, são dois babacas.
Por tudo que o filme me
apresentou, considero a grande surpresa boa de 2016. Conseguiu tratar
de temas que são extremamente importantes e atuais com competência
e inteligencia e, de quebra, nos contou uma história que envolve
amor, responsabilidade e união. Jogo minhas fichas que Amy Adams
terá seu nome indicado ao Oscar pelo papel na obra, assim como o
roteiro estará presente como melhor roteiro adaptado. A produção
me trouxe orgulho, por tratar a ficção científica com respeito e
me fez sentir muito mais tranquilo ao pensar que a sequência de
"Blade Runner" está nas mão do diretor Denis Villeneuve,
que vem se mostrando um grande nome
dessa nova geração.
"A
chegada" é um filmaço, que vai muito além dos filmes clichê
de invasão alienígena, Então faça como os visitantes e não perca
tempo, porque "A chegada" ainda está no cinema esperando
para ser prestigiada, pois
se conseguiu me compreender e entendeu esse texto como uma ferramenta
ou presente, compre seu ingresso e parta para o cinema o quanto antes
para surpreender-se.