Desde que lançou
“Homem de Ferro” em 2008, a Marvel vem se tornando cada vez mais presente na
vida de quem é fã de cinema. O universo da editora no áudio visual é um sucesso
com seus filmes repletos de cores e piadas, mas faltava algo que o conectasse a
realidade, algo que aprofundasse seus personagens a um contexto social e
explorasse mais seus medos e motivações.
Então em 2015,
em parceria com a Netflix, estreava “Demolidor” e essa carência de conexão com
o mundo real começava a desaparecer com uma trama que apresentava as ruelas e
becos escuros da periferia por onde transitava o submundo daquele universo,
fato que foi aditivado quando meses depois “Jessica Jones” chegou, trazendo uma
história de abuso e trauma pessoal que colocava em segundo plano o fato da
protagonista possuir super-poderes e expunha suas fraquezas, vícios e erros. Mas
a editora de Stan Lee ainda devia uma produção que abordasse um contexto social
mais complexo, uma produção que falasse da realidade e história não apenas de
um personagem, mas de um grupo de pessoas, o reflexo de uma sociedade que vive
entre a marginalidade e a realização do sonho americano; então esse ano a
Netflix nos brindou com a terceira série em parceria com a Marvel, prendendo
essa última ponta solta que faltava e preenchendo essa lacuna ao nos entregar
“Luke Cage”.
O grande trunfo
dessa produção, é que mais do que uma série de super-heróis baseada em
quadrinhos, ela traz um flerte muito
maior com a sociedade verdadeira e a realidade enfrentada pelos negros americanos.
A própria locação das filmagens (o Harlem), que é um gueto histórico e famoso
símbolo de orgulho para a comunidade que lá vive, é apresentada quase como um
personagem e tem papel essencial na tramar, emanando de si o terror e o poder
desejado por tantos e o acolhimento e refugio sonhado por outros. Nesse
microcosmo, alguns elementos são afirmados como sendo não apenas tradicionais
entre as pessoas que ali vivem, mas também como as poucas esperanças de sucesso
e mudança de vida, como, por exemplo, o basquete e a música, essa última, em
especial, importantíssima e presente fortemente do início ao fim da série.
O momento vivido
pela comunidade negra americana, também se faz presente na série, ao se introduzir
na trama questões sobre excessos e violência policial que se assemelham aos
ocorridos durante os últimos anos naquele país, isso atesta Luke Cage, como a
serie mais pesada que a Marvel já produziu, fato que a qualifica e diferencia dramaticamente
de quase tudo feito pela editora no audiovisual, mas a diminui frente a muitos
fãs de Quadrinhos, que embora apreciem muito quando o imaginativo e fantástico
das HQ’s se aproxima da realidade, ainda parecem ficar receosos quando o tema
aborda drama social.
No entanto, a
questão social é elemento intrinsecamente ligado ao personagem, empobrecendo-o,
caso fosse ignorada. Até seus poderes parecem se conectar a toda essa questão,
ou seja, um negro, que se impõem com força sobre humana aos problemas e dúvidas
em seu caminho e é a prova de balas ou facas, mas prefere buscar o apoio e
atuar como um exemplo no bairro onde mora é uma mensagem poderosa, que não sei
se passava na cabeça de John Romita,sr. , Archie Goodwin e George Tsukas,
quando esses criaram o personagem nos anos setenta, altamente inspirada pelos
movimentos sociais e pelos filmes de blaxploitation.
Falando em
blaxploitation, esse estilo cinematográfico é o elemento que dá o tom da trama
da série, onde, como em todo filme negro dos anos setenta, temos o protagonista
badass, as mulheres fortes, os problemas sociais se agravando, os
aproveitadores de dentro da própria sociedade, o traficante, o político
corrupto e o tira branco traidor, sem falar na sensualidade, que
obrigatoriamente passeia em meio à história.
Mas embora Luke
Cage seja uma série repleta de qualidades, ela chamou minha atenção de forma
negativa pela “barriga” que apresenta em seu roteiro, que poderia ser muito
mais enxuto e, pelas escolhas repetidas que a Netflix vem tomando ao desenvolver
a história dos personagens Marvel.
Quanto a essa sobra no roteiro, podemos culpar o fato de o personagem ser o
super-herói mais poderoso apresentado pelo estúdio no universo da TV ( o cara
tem Super-força, invulnerabilidade e fator de cura) e não possuir um opositor
no mesmo nível em sua galeria de vilões, o que força o roteiro a encontrar uma
maior quantidade de problemas para serem solucionados, ao invés de nos entregar
um problema de qualidade, como no caso dos vilões de Jessica Jones e Demolidor,
KillGrave e Rei do Crime respectivamente, ambos tão fortemente reconhecidos a
aplaudidos por quem assistiu essas outras séries; assim temos o que parece ser
duas temporadas de Luke Cage, comprimidas em uma, em que vemos a troca de
bastão dos vilões passar em três mãos diferentes durante treze capítulos, sem
no entanto parecer uma ameaça que preocupe profundamente o protagonista por
mais do que um terço da trama e para apresentar, desenvolver e resolver isso,
não seriam necessários mais do que dez episódios.
A Netflix parece
ter se tornado preguiçosa ou acomodada ao desenvolver a maneira de como
a história é contada e os elementos que devem estar presentes na trama. Notei
com Luke Cage que as três séries Marvel possuem uma luta em um corredor, um
episódio para mostrar a origem do Herói e nos aprofundar em seus motivos e
outro para apresentar a origem do vilão, sendo que nas três séries, todos os
vilões tem a desculpa de que são vítimas do meio onde foram criados (TODOS!!)
nenhum antagonista principal é mau porque simplesmente é, todos tem uma
desculpa e isso depois de um tempo começa a incomodar, principalmente em Luke
Cage, onde existem três vilões principais, todos assombrados com traumas do
passado, embora em níveis diferentes.
Mas fora os
pequenos problemas apresentados que ainda são somados a uma trama que se
desenrola muito lentamente devido, penso, à densidade social que permeia a
história e um protagonista que não tem o mesmo impacto inicial de um Demolidor,
Luke Cage é muito bacana e, embora não tenha me empolgado para que eu fizesse
uma maratona, me prendeu durante dias na cadeira, me fazendo voltar um pouco
atrás para pegar pequenos detalhes, homenagens e referências, degustando cada
momento e imaginando onde uma possível segunda temporada pode levar o
personagem, principalmente após o que as cenas finais mostram.
Luke Cage fecha
um ciclo nas produções Marvel, conectando uma das últimas pontas soltas não
abordadas pela editora anteriormente no audio-visual, a questão social. Com uma
trama que fala sobre origem, orgulho, recomeço e destino, Luke Cage sai do mais
do mesmo das séries de Super-heróis da TV e cinema com uma história que aborda
problemas reais, como preconceito, violência policial e criminalidade, se
destacando como uma produção única. Uma série forte (sem trocadilho) que merece
ser mais do que vista, ser degustada, no
ritmo que os diretores e roteiristas deram a ela, apreciando suas referências e
estilo sem a menor pressa.
Ficamos agora na
expectativa de “Punho de ferro”, a quarta série da parceria Netflix / Marvel e
de “Defensores” onde os quatro heróis se reunirão em um grupo para realizar uma
missão em comum, ambas as produções previstas para o ano que vem. Vamos esperar
como será a recepção de ambas as séries e torcer que uma segunda temporada de
Luke Cage seja confirmada e , quem sabe, uma dos “heróis de aluguel” juntando
os inseparáveis amigos de HQ “Punho de Ferro e Luke” em uma história onde mais do que heroísmo, os
Business entram em jogo. Fico no aguardo do sinal verde da Netflix para gritar “Sweet
Christmas”, enquanto isso, digo e repito, assista “Luke Cage”.
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