"Westworld" finalizou
sua primeira temporada a duas semanas atrás e a segunda foi
anunciada só para o longínquo 2018; um pouco mais próxima está a
estréia da quarta temporada de "Black Mirror", que deve
aparecer pela Netflix no segundo semestre do ano que vem; o que é
menos ruim, mas não chega a ser bom, pois ambas ausências deixaram
um vácuo no coração dos fãs de ficção científica e dos novos
apreciadores, que se espantaram com os conceitos apresentados e com
a qualidade dos roteiros das duas produções. Mas não há motivo
para desespero jovem, porque o cinema, em sua infinita quantidade de
possibilidades, é a salvação para você, que assim como eu ficou
carente de um sci-fi de qualidade que lhe traga aquelas mesmas
sensações em sua vida, e, é justamente sobre um filme, que mais
parece um conto de "Black Mirror" abordando os mesmos
dilemas de "Westworld", que vim indicar no dia de hoje,
trata-se de "Ex-Machina" de 2015, escrito, roteirizado e
dirigido por Alex Garland e estrelado por Domhnall Gleeson , Alicia
Vikander e Oscar Isaac, que vai colocar um sorriso no rosto de quem é
apaixonado pelo estilo e uma pulga atrás da orelha de quem trabalha
com inteligência artificial.
O filme conta a história de
Caleb Smith (Gleeson), um programador que trabalha na empresa de
Nathan Bateman (Isaac), a Bluebook (o maior motor de busca da web) e,
é sorteado para passar uma semana nas montanhas do Alasca na
companhia de seu patrão participando de um projeto secreto, o qual
ele descobre mais tarde se tratar da finalização da construção
de um androide, sendo que a ele ficou reservada a aplicação do
teste de Turing na inteligência artificial. Assim ele conhece Ava, o
androide de aparência feminina e jeito frágil o qual deve testar;
mas, efetuando os testes Caleb acaba se afeiçoando a ela e sendo
instigado a duvidar dos verdadeiros propósitos de Nathan,
questionando seus próprios sentimentos quanto a Ava e caindo em um
jogo de manipulação e traição que poderá lhe ensinar a
derradeira lição de sua vida.
Ex-Machina ganhou o Oscar de
melhores efeitos especiais e o Critic's choise awards nesse ano, além
de ganhar o prêmio de melhor filme inglês independente de 2015 e
ser indicado para o Bafta e o globo de ouro nas categorias referentes
ao elenco e roteiro, fatos que exemplificam a qualidade do filme. Mas
longe de medi-lo pelas premiações, podemos apreciar "Ex-Machina"
por todas suas qualidade facilmente observáveis e que se sustentam na
produção, ao mesmo tempo que conseguem fazer referências a o
universo gigantesco da ficção científica, assim como a aposta do
diretor/roteirista em colocar suas fichas em uma história instigante
e bem contada, que usa os efeitos especiais como coadjuvantes e o
elemento humano como protagonista.
O primeiro grande trunfo do
filme é seu elenco. Domhnall Gleeson realmente convence como o
solitário e inseguro programador Caleb Smith, com seus sorrisos
amarelos e aparente desconforto que faz lembrar o maravilhoso
episódio da segunda temporada de black Mirror, onde o próprio ator
interpreta uma inteligência artificial que é feita para
"substituir" pessoas amadas que morreram, mas que não
consegue ser autentico, sua interação com Ava e a química que
surge entre os dois é plenamente crível e isso também é mérito
da atriz Alicia Vikander, que está extremamente charmosa e
misteriosa na trama, fazendo com que a torcida pela liberdade da
inteligência artificial seja algo natural e nos colocando ao mesmo
tempo contra os propósitos do misterioso Nathan, que surge na pele
de Oscar Isaaac e que nos é mostrado sempre treinando artes marciais
ou bebendo, focando, através do roteiro, na violência e vicio do
personagem e nos manipulando assim sem percebermos.
A trama é muito bem
construída e orquestrada por Alex Garland em seu primeiro trabalho
como diretor. O escritor de "A Praia", livro que se tornou
filme protagonizado por Leonardo Dicaprio e, roteirista que
transformou o livro "Não me abandone Jamais" de Kazuo
Ishiguro em filme, além de escrever sucessos como "Extermínio",
mostra que conhece os seus limites, mas que sabe a que veio focando
em um conto que possui poucos personagens, mas que usa isso como
trunfo para se aprofundar em conceitos e situações instigantes,
como as questões sobre a inteligência artificial, vida, amor,
solidão e traição, tudo isso sem perder a linha para nenhum caso
especifico durante a uma hora e meia de filme.
O filme tem referências bem
claras e muitas são gritantes aos olhos, como a influência da série
inglesa "Black Mirror" e as ideias compartilhadas com as
obras de Phillip K. Dick. Com a série "Black Mirror", o
fato de focar em uma situação de problema humano, mas derivada da
tecnologia já mostra bem a ligação que o filme possui com a
criação de Charlie Brooker, fora isso, como mencionado
anteriormente a produção conta com a participação de Domhnall
Gleeson, que além da série inglesa, também teve uma papel de
destaque no filme "Star Wars VII", assim como Oscar Isaac,
que interpreta Nathan nesse filme e o piloto de Ti-figther Poe
Dameron no filme do universo dos Jedi. A própria firma pertencente
ao personagem de Isaac é, de certa forma, uma referência a ficção
cientítica; A "BlueBook" é um buscador no estilo google,
que o misterioso CEO usa para capturar informações e "ensinar"
sua inteligência artificial a compreender os humanos, criando assim
uma espécie de singularidade bem parecida com a que ocorre no
clássico da animação japonesa "Gohst in the Shell" e
dando vida e consciência a uma mente construída. Por último temos
então as ideias de Phillip K. Dick, que tratou em suas obras sobre a
ética de considerar algo criado em laboratório, mas com consciência
de si e do mundo, um ser vivo e merecedor de respeito e direitos,
fato que o roteiro nos faz apoiar desde o primeiro minuto quando
somos apresentado a Ava e que, mesmo com a grande virada do final,
não consegue fazer com que pensemos diferente.
Além das referências na
literatura e cinema de ficção científica, o filme ainda traz
certas referencias bíblicas que guiam o caminho de seus personagens,
sendo as principais os nomes dos mesmos. O protagonista se chama
Caleb, que vem do hebraico e significa Cão, tendo como significado
do nome a ideia de lealdade e proteção, ambos atributos procurados
(e abusados) pelos outros personagens; no antigo testamento, Caleb é
um dos dois únicos espiões a voltarem com vida de Canaã e um dos
poucos judeus a fugir do Egito a chegar na terra prometida, tal qual
o personagem do filme que é o único, junto com seu patrão, a sair
da Bluebook e partir para as montanhas do Alasca para participar do
projeto secreto. Nathan segue essa referência bíblica sendo o
significado de seu nome algo como dádiva ou dom, algo que é dado
por uma inteligência superior, o conceitos que representam a
criação, é o que é fornecido por ele a Ava, sendo que seu nome
também aponta para sua percepção distorcida de que ele próprio é
quase um deus. Por fim, temos Ava, que faz uma referência a avatar,
que seria a humanização de uma entidade superior, na religião
Hindu, assim como também remete a Eva, a primeira mulher e portadora
do pecado origina, sendo a criação do conflito que surge entre seu
criador e seu "interesse romântico" ( com muitas aspas) o
caminho que Ava aponta e que resulta no que vemos ao final do filme.
Fato que também chama a
atenção são os sobrenomes do personagens. Caleb tem o sobrenome de
Smith, que é muito comum na língua inglesa, sendo comparado a Silva
na portuguesa, esse fato parece buscar simplificar o personagem,
torna-lo só mais um na multidão, um peão e assim justificar o uso
que é feito dele por parte dos outros personagens. Já Nathan,
atende pelo sobrenome de Batemam, tal qual o personagem de Christian
Bale no filme Psicopata americano, que só pensa em seus objetivos e
que busca saciar seus desejos e aspirações independente de quem se
mostre contra; curiosidades que enriquecem mais ainda o roteiro.
"Ex-Machina" é um
filmaço, consegue instigar e fascinar quem assiste com suas ótimas
atuações e roteiro brilhante, mostrando que se pode fazer cinema de
qualidade com pouco dinheiro, basta ter uma boa história e talento
para saber conta-la. Um show de referências que não são entregues
de forma gratuita e conceitos que nos fazem parar e pensar com o que
o futuro nos espera. "Ex-machina" é exemplo de qualidade
de ficção científica e história bem contada que com certeza vai
matar a saudade de "Black Mirror" e "Westworld",
trazendo de novo a cabeça do expectador todos os conceitos e dúvidas
que a tecnologia e o futuro nos reservam em nossos sonhos ou
pesadelos.
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