Muitas pessoas adoram um
easter egg, aquelas mensagens escondidas dentro de filmes que fazem
referências a outras obras do mesmo universo ou que remetem a outra
produção memorável. Tem gente mesmo que se dedica a procurar essas
mensagens secretas e nos premiam com surpresas como a do cartaz de
"Batman vs Superman" no filme "Eu sou a lenda" de
2007, ou as diversas referências que evidenciam a união dos filmes
de um grande diretor, como no caso que inspirou o curta "Código
Tarantino", protagonizado por Selton Melo e Seu Jorge. Já eu,
que sou metido a diferentão, me sinto maravilhado quando percebo um
filme que usa metalinguagem para questionar a si mesmo e se
aprofundar nos dilemas do autor ou no tema que se propõem a abordar.
E foi esse maravilhamento, com algo tão sutil, que me prendeu no
filme "Sleigth" do diretor Justin Dillard, que estreou em
Abril na Gringa e chegou até mim por pura mágica.
O filme está longe de ser a
melhor coisa que o cinema nos proporcionou esse ano, não indo muito
além de um drama social com pitadas de ficção cinetífica e um
toque de filme de super-herói; seu ritmo é lento e os personagens
periféricos são pouco desenvolvidos a ponto de acreditarmos que a
única razão da personagem da gatissíma Seychelle Gabriel se
apaixonar pelo protagonista seja realmente mágica. Mas, como eu
disse acima, o filme me prendeu pela metalinguagem que utiliza para
falar de si mesmo desde seus trailers até sua conclusão e isso me
entregou satisfação com a produção a ponto de ser relevante para
ser resenhada.
O filme todo é uma espiral de
metalinguagem, começando por seus trailes. Seus primeiros vídeos
promocionais são um embuste, fazendo com que acreditemos que a
trama aborda a história de um rapaz que, de alguma maneira, possui
super-poderes; o que não é de todo mentira, mas que não ocupa nem
quinze minutos da trama e após assistirmos a produção, percebemos
que a intenção dos responsáveis era utilizar um truque ("sleigth"
em inglês) para que olhassemos para outro lado enquanto tinham a
pretenção para falar muito mais das dificuldades de um jovem
talentoso em criar a irmã sozinho em meio a um ambiente de violência
e descaso social, do que do nascimento de um super-herói.
Já no filme em si, o
constante close nas ferramentas do protagonista, onde vemos tanto
equipamento para manutenção de eletrônicos como um enorme poster
de Houdini, o mítico mágico rei das fugas, fazem referência ao
próprio protagonista, ele mesmo procurando uma maneira expetacular
de se livrar das correntes que o prendem na situação que se
colocou, sendo sua inteligência e talento a chave para isso. Outro
fato é que temos alguns diálogos que abordam os talentos especiais
do protagonista e sua moral, o que no decorrer da história vão ser
mostrados (ou não), como quando conversando com sua namorada, Bo
conta que se apaixonou por mágica ao conhecer um ilusionista de rua
que atravessava a própria mão com uma faca e que lhe disse que só
revelava seus truques a companheiros de profissão, o que ocorreu
anos depois quando ele voltou a encontrar o mágico e este lhe disse
como fazia, o que é , também, um espelho de como o próprio Bo,
consegue fazer; esse diálogo vai fazer ainda mais sentido ao final
da história, quando após dizer para , agora sua companheira, que
estava trabalhando em um truque novo, vemos apenas a surpresa no
olhar dela, ao espiar a oficina do protagonista por uma fresta na
porta, como se o segredo não pudesse ser revelado para nós, mero
público.
Mas como já comentado, nem
todos os truques que dão movimento ao filme funcionam. Se somando ao
pouco desenvolvimento dos coadjuvantes e ao ritmo da história que
por vezes cai abruptamente, a trama possui alguns arcos que não se
concluem e isso interfere direto com o fechamento do próprio
protagonista, como no caso de seu relacionamento de fornecedor de
drogas e cliente com a personagem de Cameron Esposito, que é a
gerente de uma boate. Em determinado momento, Bo sem saber mais o que
fazer para conseguir o dinheiro do resgate da irmã, furta uma
determinada quantia do cofre da cliente e foge, quebrando um elo de
confiança que havia entre os dois personagens desde o início do
filme, mas as consequências dessa quebra não são mostradas e
ficamos sem saber o que houve com a moça e tão pouco vemos
arrependimento ou questionamento por parte do protagonista ao final.
Outra situação semelhante é a ocorrida com o antagonista da
história, que passa quase toda trama falando em respeito e
utilizando de métodos agressivos contra quem ousa desafia-lo
(chegando a mandar amputar a mão de um rival) , mas que após o
embate final se mostra um covarde e assustadiço bandido de faz de
conta, quase não colocando empecilhos na atitude do protagonista
para salvar a irmã, fatos que somados ao final da história, onde
vemos Bo continuando a fazer mágicas na rua, demonstram que o
personagem não teve o crescimento que deveria após tudo que viveu,
o que torna toda a jornada vazia.
Entretanto, em meio a muitos
furos de roteiro e altos e baixos na trama, me diverti com o truque
que o filme faz consigo mesmo buscando nos enganar como se a própria
história contada fosse um mágico. Seu tom é bacana, lembrando a
estrutura de um pequeno conto, sem pretensão de se estender além
do que quer mostrar, o que em épocas de franquias gigantescas e
universos que não terminam de se expandir nunca por vezes cai bem.
Então se assim como eu, roteiros que se aprofundam dentro de si
mesmos te agradam e não ser enganado pelo trailer não te ofende,
ALACAZAM, esse é um filme que talvez você goste de assistir.
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