Imagina que você está em uma
festa e de repente seus olhos cruzam com uma pessoa linda. Ela te
encara com interesse e te dá um sorriso, pouco tempo depois vocês
estão saindo dali aos beijos e indo para o motel onde passam uma
noite maravilhosa, mas ao acordar algo não está certo, você está
amarrado em uma cadeira e a pessoa te explica que te passou algo,
alguma coisa que nem ela mesmo entende, só sabe que tem que passar
para outro para se livrar e lhe aconselha a fazer o mesmo, uma coisa
que só quem tem pode ver (e que agora você vê!) e que vai te
perseguir até que você repasse para outro, em uma maldição que
vai retornando aos demais amaldiçoados assim que o portador atual
morrer... Não parece terrível? Pois esse é o plot de "It
Folows", ou como ficou nomeado aqui na parte de língua lusitana
abaixo do equador "Corrente do Mal", filme de 2014,
escrito e dirigido por David Robert Mitchell, que depois de anos de
enrolação e cagaço finalmente assisti para minha grata satisfação.
O filme conta a história de
Jay, uma garota que após se entregar ao rapaz com quem estava
saindo (leia transar), recebe a notícia de que recebeu uma maldição
transmitida pelo sexo e tal qual a história descrita acima, vai
persegui-la até que ela passe para outra pessoa. Após se ver
seguida por bizarros andarilhos que ninguém mais vê, Jay pede a
ajuda de sua irmã e seus amigos e parte na busca de respostas,
levando consigo uma força maligna em seu encalço e a dúvida de que
se deve passar o mal a diante ou quebrar a corrente de alguma outra
maneira.
Esse deve ser o filme que mais
tempo posterguei para ver em toda minha vida, mas depois de mais de dois
anos de cagaço e desculpa esfarrapada, posso dizer que valeu muito a
pena ter reservado uma hora e meia da minha vida para assistir o que
a trama de David Robert Mitchell tinha de bom a ponto de ser levada
para Cannes e ser tão elogiado por tanta gente que o viu.
Para começar, o filme tem
toda uma aura de nostalgia, lembrando em muito as produções de
terror dos anos oitenta de diretores como Wes Craven, onde um
"monstro" persegue um grupo de jovens com o único objetivo
de aniquilar seus alvos, o que se soma a questão da maldição ter
relação com sexo, remetendo às vítimas de Jason Vorhees de
"sexta-feira 13", outro clássico oitentista. Esse clima de
filme do passado ainda agrega estranheza ao ambiente por onde a
história se desenvolve, pois observando a trama, não conseguimos
definir com clareza, por mais que tentemos, em que época que a
história se passa. Percebemos TV's de cubo e cinemas com pianistas
ao vivo, filmes em preto e branco, mas aparelhos modernos, como
celulares e Kindles, o que mais que estranhamento, acaba tornando a
história atemporal. No entanto, se excluindo as homenagens e
referências ao terror americano, toda a estrutura da história
parece ter muito mais influência do cinema oriental com seu estilo
investigativo e de tensão crescente, que prioriza mais o suspense e
o susto do que as mortes e o gore, tal qual o primeiro filme da série
"O chamado" e esse toque de terror oriental tão bem
conduzido por Mitchell, foi o que mais gostei na trama.
De vagar e sempre |
Assim como nossos amigos do
outro lado do mundo, o diretor nos entrega uma história que te
prende pelo ar investigativo, onde a protagonista busca entender o
que está ocorrendo, e com o estranhamento que a trama vai passando
ao nos apresentar o conceito dessa maldição, terminando com a
compreensão, também comum nos filmes orientais, de que o mal é algo maior que o indivíduo e que é impossível escapar, sendo o
máximo que se pode fazer é seguir suas regras para poder
sobreviver. E Sabendo que não há escapatória além de seguir o
jogo que a maldição impõem, o filme ganha uma nova camada ao se
pensar nos acontecimentos que a trama deixa subintendido, como quando
a protagonista foge para a praia ou quando ela resolve assumir um
relacionamento firme.
Sobre a Fuga de Jay (a segunda
ou terceira) que ocorre no segundo ato da história, ela sofre um
acidente e, para deixa-la mais tranquila, seu vizinho pegador resolve
fazer o sacrifício de fazer sexo com ela para que a maldição (que
ele não acreditava ser real) passasse para ele e assim resolver o
problema, o que dá muito errado (leia-se: se ferrou!), então em
desespero, por ter presenciado algo tão chocante, Jay foge para a
praia, onde a vemos se despindo e entrando na água após avistar
bem a sua frente, três homens sozinhos em uma lancha; o que acontece
não é mostrado, mas ela volta para casa com os cabelos molhados e
passa dias trancada em depressão sem se sentir segura, até ser
convencida pelos amigos a tentar "Matar" seu perseguidor e
acaba se deparando com a criatura literalmente em cima de sua casa,
ficando claro naquele momento que três elos da corrente foram
quebrados, ficando a curiosidade de como tudo ocorreu com os azarados
amigos da praia que pensaram ter tirado a sorte grande.
Outra situação parecida com
a citada acima é quando Jay, já no final do filme, assume um namoro
com um de seus amigos de infância (que faz parte do grupo que a
ajuda) e este, já sabendo dos problemas que se envolver com a moça
pode trazer, tem uma ideia terrível, mas engenhosa, que embora
não comentada aparece em execução, que é Transar com prostitutas
depois de levar a namorada para cama e assim empurrar a maldição
para a maior distância possível, o que parece dar certo. No
entanto, como uma boa história com influência do terror oriental,
as pessoas que viram o outro lado não são mais as mesmas e a
sensação de estranhamento não se dissipa mais, terminando o filme
com o clima perpétuo de perseguição por parte de uma maldição,
lenta mas focada e que a qualquer hora vai alcançar suas vítimas.
Gostei muito do filme. Ele não
tem nada de especial além de boas referências, uma boa história
para contar e um bom roteiro e direção ( o que já é mais que 90%
dos filmes tem). Não há grandes efeitos especiais ou cenas de
mortes arrepiantes, mas trabalha com qualidade na tensão e clima de
suspense, te prendendo na cadeira na procura de respostas junto com
os personagens e as situações que ficam subintendidas (que vão
além das duas citadas acima) fazem com que a história fique viva na
sua cabeça e imaginando o que mais pode ter acontecido e o
acontecerá quando a criatura retornar até a protagonista e isso dá
ainda mais credito ao roteiro de David Robert Mitchell.
Então se quiser curtir uma
história tensa, cheia de mistério, bons sustos e com forte
influência do cinema dos anos oitenta e oriental, assista "Corrente
do Mal", mas acima de tudo lembre-se que, se em uma noite de
festa, ou em um passeio qualquer, seu olhar cruzar com alguém
desconhecido, que te oferecer um sorriso interessado e te arrastar
pela mão até um lugar tranquilo, procure antes saber mais sobre a
história dessa pessoa, pois nunca se sabe o que pode vir atrás de você depois.
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