O
cinema brasileiro sempre foi visto com desconfiança pelos próprios
brasileiros. Talvez pela pouca qualidade técnica, herança do tempo
onde a maioria dos filmes que o Brasil produzia vinha da boca do
lixo, com suas pornochanchadas e produções de baixo orçamento, ou
pelo fato de grande parte das histórias levadas ao público tratarem
sempre de tramas pouco diversificadas, vividas no período de
ditadura ou retratando problemas sociais vividos em favelas. Mas esse
quadro vem mudando bastante e hoje, com melhor acesso a equipamentos
de qualidade e a visibilidade dada pela internet, o que favorece o
patrocínio a quem pensa fora da caixa, o cinema tupiniquim vem
crescendo gradualmente no que tem a oferecer a seu espectador,
deixando pouco, ou nada a desejar a produções estrangeiras.
Uma
produção que ilustra essa mudança em nosso cinema, mesmo ainda
tendo laços com os temas miséria e ditadura militar, é o ótimo
filme, dirigido por Caíto Ortiz e roteirizado pelo mesmo junto com
Lusa Silvestre, "O roubo da Taça", que conta de maneira
divertida e inteligente o episódio do roubo da taça Jules Rimet,
ocorrido em Dezembro de 1983 e que, assim como o Curta "Ninjas",
de Dennison Ramalho, me deu novas esperanças sobre o futuro da
sétima arte brasileira.
"O
roubo da Taça" conta a história de Sérgio Peralta, um
malandro carioca, corretor de seguros, viciado em jogo e apaixonado
por futebol, que após ser ameaçado de morte por um credor, resolve,
junto com seu amigo "Borracha", roubar a cópia da taça
Jules Rimet, que havia se tornado propriedade da CBF após a seleção
de futebol brasileira vencer três copas do mundo. O que Peralta
desconhece é que na terra da malandragem, camarão que dorme a onda
leva e, por engano, a CBF deixou a taça verdadeira exposta e colocou
a cópia em um cofre, entregando um abacaxi na mão dos ladrões e
deixando o expectador boquiaberto ao saber que essa história maluca
é baseada em fatos reais.
O
filme é uma grata surpresa em todos os aspectos. Seja com o modo
como conta e desenvolve a trama, ou no que se refere a montagem, ou
mesmo na fotografia, "O roubo da taça" mostra que é
possível fazer cinema de qualidade no Brasil. O roteiro do filme é
bem redondinho e divertido, não deixando grandes pontas soltas na
trama (a não ser, onde foi parar o Bispo?) e consegue desenvolver
bem os personagens envolvidos e até justificar e tornar bacana a
narração feita de forma didática pela personagem de Taís Araujo.
A palheta de cores que o filme tem, onde se vê grande predominância
amarelo e marrom, cores da moda no início dos anos oitenta, me
pareceram remeter a cor da camisa da seleção brasileira e a um
sinal de que vai dar "M"; fato que ainda se sustenta pela
investigação feita pelo personagem de Milhem Cortaz, que fica em
segundo plano no filme, mas aumenta a tenção da história e, pela
montagem que lembra a forma dos filmes americanos de roubo e
suspense.
Comparando
com produções estrangeiras, é impossível de não lembrar de
"Fargo" dos irmãos Coen, ao assistir "O roubo da
taça". Os dois filmes contam histórias de erros absurdos
envolvendo crimes, ambos possuem uma dupla de marginais nada ortodoxa
e terminam com uma mulher se dando bem, se tornando opostos apenas no
que se refere ao clima das locações, pois enquanto "Fargo"
se passa na gélida Minesota, ao Norte dos E.U.A, "O roubo da
Taça" tem o tropical Rio de Janeiro como cenário e, embora o
filme dos irmãos Coen se destaque mais pela violência, o filme
brasileiro tem a vantagem de realmente ser baseado em uma história
real.
Vai dar "m" |
Sobre
a verdadeira história do roubo da taça Julles Rimet, fiquei tão impressionado com o que vi no filme, que fui obrigado a procurar mais
sobre o que aconteceu naquela noite de 19 de Dezembro de 1983 no
prédio da CBF no Rio de Janeiro, e, me deparei com um capítulo de
um programa que fazia muito sucesso nos anos 90, na rede Globo, o
"Linha direta", um programa semanal jornalístico, que
misturava documentário com investigação e, toda semana, trazia
casos que variavam entre crimes famosos, denuncias de fugitivos da
lei e casos fantásticos. Nesse capítulo do "linha direta",
pessoas do nível de Pelé e Carlos Alberto Torres falam como
receberam a notícia do roubo da taça e especialistas, como o
responsável pelas investigações na época, contam como as
investigações procederam e o que supostamente ocorreu com o troféu
do tri, que nunca mais foi encontrado; o programa é muito bom e está
todo no youtube. (link abaixo)
O
elenco é fantástico. Protagonizado pelo não tão famoso Paulo
Tiefenthaler, que mesmo assim chama pra si e se apresenta como uma
grande opção na comédia, o filme tem ainda Taís Araujo,
esbanjando beleza e malícia, no papel de Dolores, a companheira de
Sérgio Peralta e narradora da história; Milhem Cortaz, como o
investigador durão da polícia civil que busca resolver o caso do
crime, Mister Catra, como um comprador de ouro fanático pela copa de
70 e Stepan Nercesian, como o presidente da CBF; o que mais se
precisa dizer?
Pois
bem, sabendo que o filme foi baseado em um episódio real ocorrido em
nosso querido Brasil-sil-sil e deixando claro que o filme me agradou
de mais e me deu esperanças para um cinema Brasileiro que abocanhará
muitos prêmios internacionais e faturará muita grana, não posso estragar a experiência de quem quer ver "O roubo da Taça"
dando mais detalhes, só dizer uma coisa: Assista!, pois com certeza
o filme de Caíto Ortiz irá mudar sua percepção de cinema
brasileiro daqui para a frente, pois "O roubo da taça" é um filme original e inteligente,
repleto de humor, que conta com agilidade um dos episódios mais
tragi-cômicos ocorridos no país do futebol e da malandragem, deixando claro que, muito antes dos fatídicos 7x1, nosso país já tinha muito para explicar ao mundo de como funciona nossas organizações e sociedade.
TRAILER:
LINHA DIRETA: O ROUBO DA TAÇA
Muito bacana, gostei muito desse filme. Já tá na netflix
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