Quem já perdeu alguns minutos
de sua vida lendo o que eu escrevo, deve ter percebido como eu dou
destaque às obras de ficção científica e fujo de produções que
foquem no terror. Eu poderia dizer que é culpa da minha criação e
das coisas que me acostumei a ver e ler na minha infância, ou
afirmar que simplesmente não gosto do gênero, mas a grande verdade
é que sou um cagão!
Cresci em um tempo em que toda
semana um filme slasher estrelados por Freddy Krueger ou Jason
Voorhees passava na Globo e onde se podia assistir “Colheita
Maldita” e “Um lobisomem americano em Londres” as duas da
tarde, no falecido cinema em casa do SBT e a possibilidade de
assistir a esses filmes de adulto era muito bacana para mim, na época
com sete ou oito anos, ainda mais quando acompanhado de amigos e
primos, mas uma experiência vivida no meio do dia, não tinha um
reflexo tão prazeroso quando era hora de dormir e tive tantos
pesadelos, que resolvi deixar o cinema de terror meio que de lado por
muito, muito tempo.
Só me reaproximei daquele
estilo de filmes novamente, quando virou moda as produções
orientais terem uma versão americana. Foi nessa época que me
deparei com o filme “O Chamado” (2002), uma obra que me
impressionou e que inaugurou (pelo menos no ocidente e de forma
popular) um terror que focava muito mais na tensão, medo e susto, do
que na contagem de corpos e cenas gore. Pois parece que, quinze anos
depois, a influência daquele jeito oriental de fazer terror está
dando frutos, através de filmes realizados por jovens diretores e
roteiristas, com forte ligação com o cinema independente, que
colocam as mortes em segundo plano e apostam no medo mais primitivo e
no tom investigativo ou de estranheza para construir um suspense que
prende o espectador na cadeira sem conseguir desviar os olhos.
Um filme que assisti
recentemente e que exemplifica bem esse novo estilo de filme de
terror, é a sinistra obra do diretor norueguês André Ovredal, “A
Autópsia de Jane Doe”, de 2016, estrelado por Emile Hirsch e Brian
Cox, que conhecendo a mim mesmo, resolvi assistir em uma tarde de
sol, com toda casa aberta e usando cueca marrom, o que não evitou
algumas noites de pesadelo.
O filme conta a história dos
Tilden, pai (cox) e filho (Hirsch) que trabalham como legistas em
Granthan, na Virgínia. Os dois seguem suas vidas , efetuando
autópsias para a polícia e mantendo uma relação normal de pai e
filho, até que em uma noite, o xerife da cidade (Michael
McElhatton), traz para perícia, o corpo de uma mulher desconhecida
(Jane doe, Nos E.U.A, significa mulher desconhecida) encontrado
semienterrado no porão de uma casa sem sinal de arrombamento e onde
as três outras pessoas encontradas mortas, aparentemente, estavam
tentando sair. Sendo o caso um mistério, o Xerife pede urgência na
descoberta da causa da morte, o que leva os legistas a decidirem
passar a noite buscando respostas sobre o que pode ter acontecido com
aquela mulher, sem imaginar que a presença daquele corpo vai colocar
em xeque todas suas noções de razão, ciência e realidade.
O que mais me agradou nesse
filme, foi sua estrutura de conto. Como falei, quando tratava do
filme “Siren”, gosto dos contos porque eles se prendem em uma
situação sem precisar aprofundar demais os personagens ou universo
onde eles se encontram, explorando de forma pontual a situação que
o personagem, ou grupo de personagens, está enfrentando e isso é
exatamente o que acontece em “A autópsia de Jane Doe”. Embora
tenhamos um vislumbre da história dos personagens, com uma pequena
mostra do relacionamento do filho e com o monologo do pai sobre a
perda da mulher, ou até mesmo com a apresentação do ambiente, onde
o diretor, de forma inteligentíssima, mostra uma sequência de fotos
que explicam que a família já trabalha naquele ramo a gerações,
nada é maior do que a situação onde ambos são mergulhados, o que
dá mais peso ao momento e tensão as ações.
Os Tilden |
Um filme de terror deve manter
uma tensão calculada, oscilando entre suspense e medo, até o susto;
e nesse requisito, “A autópsia de Jane Doe” merece os parabéns
graças a seu diretor. André Ovredal, consegue instigar o expectador
apresentando os dois legistas quase como detetives, que vão
resolvendo um enigma que foge totalmente as suas realidades e,
conforme as revelações vão sendo feitas e a ideia de impossível
desfeita, vamos nos tornando tão apreensivos quanto eles, acabando,
também, por nos sentirmos presos naquele porão cheio de corpos. E o
bacana, é que o diretor faz isso sem pressa, nos apresentando seus
elementos de forma lenta e gradual, construindo toda uma ambientação
que favorece o susto e o medo, e quando esses chegam, vem de forma
instintiva, sem quase nunca mostrar nada, deixando que apenas nossa
imaginação trabalhe, como nos contos de Lovecraft e isso é
assustador e fantástico.
Outro fato que vem a somar ao
filme, é a qualidade da atuação dos protagonistas. Emile Hirsch
fazendo o papel do filho que sonha em interromper a linhagem de
médicos legistas de sua família e ir embora com a namorada, ao
mesmo tempo que não quer decepcionar o pai, parece despretensioso no
filme, mas nem por isso menos crível no papel, já Brian Cox, rouba
a cena como um médico cético, focado em seu trabalho para fugir do
trauma de ter perdido a esposa e com dificuldades de aproximação
com o filho. A iteração de ambos é muito bem orquestrada e
conseguimos sentir o elo de pai e filho entre os dois, assim como
seus problemas de relacionamento, que por muito só são expressos em
olhares. As boas atuações, são outro fator, que em filmes todos os
filmes, mas em especial os de terror, fazem toda a diferença para
que nos preocupemos com os personagens e essa preocupação agregue
tensão a trama e, Emile Hirsch e Brian Cox, possuem as qualidades
necessárias para tal.
Outra coisa que me agradou
bastante no filme, foi o respeito com o corpo da mulher. Como se
trata da autópsia de uma mulher, fiquei com medo que em determinado
momento, aquele corpo nu em cima de uma mesa, poderia ser alvo de
fetichização, mas isso não ocorre em nenhum momento do filme, o
corpo é tratado apenas como um corpo, ou seja, como restos mortais;
em nenhum momento existe um olhar malicioso ou mesmo um gesto ou
piada que sexualize a situação e essa atitude não apelativa,
mostra a qualidade do roteiro e diretor.
Pois bem, não posso e nem vou
falar mais desse filme, porque o achei muito bom, mas como história
de terror, qualquer coisa que eu venha a revelar, só estragaria a
experiência de assisti-lo. O que posso reafirmar é que ele é um
exemplo dessa nova safra de filmes que apostam no susto e tom
investigativo para prender o expectador e faz isso com extrema
competência, com boas atuações, direção cuidadosa e trama
redondinha e divertida (melhor dizer assustadora), falo para que
ninguém espere um filme perfeito, mas garanto alguns sustos e mãos
suadas por uma hora e meia.
Então se tiver oportunidade,
assista “A autópsia de Jane Doe” e se for um cagão como eu,
coloque uma cueca marrom, espere um dia de sol forte, abra toda a
casa e aguarde os sustos, porque eles virão com certeza, então
aproveite.
Fica a indicação.
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