Resolvi dar uma
freada nos filmes, séries e livros de Ficção científica e fugir para o outro
extremo, me atirando nas produções sobre o submundo e criminalidade. Não! Eu
não dei as costas para as distopias e viagens espaciais para fazer maratona de “Cidade
dos homens” ou ver de novo “Cidade de Deus”, fui atrás de algo mais real, mas
não tão real assim e acabei encontrando um filme de 2004, muito pouco comentado,
mas com um elenco de respeito, um diretor que eu gosto muito e uma história
fantástica. Estou falando de “Nem tudo é o que parece”, dirigido por Matthew
Vaughn e estrelado por Daniel Craig, que me entregou uma trama tensa que me
deixou preso no sofá até que o último ponto nos créditos finais fosse apagado
da tela.
O filme conta a
história do senhor X (Daniel Graig) um traficante Londrino, que seguindo seu
plano de negócios, resolve se aposentar antes que seja tarde e fique muito
envolvido com o submundo. Às vésperas de largar a criminalidade, ele recebe uma
missão de seu principal fornecedor: encontrar a filha desaparecida de um grande amigo; ao mesmo tempo que seus
associado lhe convocam para avaliar e procurar compradores para poderosas
pílulas de esctasy vindas do leste Europeu trazidas por um conhecido nada
confiável. O que o senhor X não sabe é que está entrando em uma trama de
traição, ganância e violência muito além dos aceitos dentro de sua ideia de
negócios, que pode ser uma viagem sem volta dentro do buraco negro mafioso do
submundo de Londres.
O Nome do filme
em Inglês é “Layer Cake” (Bolo em camadas), traduzir esse título ao pé da letra
para o português ficaria estranho, mas dentro do próprio filme esse título é
explicado e acaba por fazer sentido, já a opção de colocar o nome da produção
de “Nem tudo é o que parece”, não ajudou em nada como chamariz, acabando por
dar pouca credibilidade a história por parecer que se trata de uma comédia para
“toda família” protagonizada pelo Leandro Hassum e isso foi o pior desserviço
que uma tradução poderia fazer com um filme, pois apesar de (sem trocadilho com
o bolo) seguir uma receita conhecida e, por muitas vezes, deixar o expectador
tonto devido ao número de personagens e as conexões que eles tem entre si, “Nem
tudo é o que parece” é um filme bem inteligente e divertido que não merece ser
esquecido.
Falei que o
filme segue uma receita, porque ele vem na onda dos primeiros sucessos do
diretor Guy Ritchie, “Snatch-porcos e diamantes” e “Jogos trapaças e dois canos
fumegantes”, abordando o universo do submundo de Londres, utilizando diversos
personagens, com mortes bizarras, tramas que se dividem em dezenas de pequenas
sub-tramas e um final surpreendente, sendo a direção tendo ficado, não por
acaso, nas mãos de Matthew Vaughn, que já havia produzido “Snatch” em 2000 e
emula a direção de Rirchie nesse filme, mas já mostrando muito do diretor que
viria a se tornar mais a diante, com suas sequências rápidas, as trocas de
cenário para explicar as consequências dos fatos, as cores fortes e a
iluminação bem clara sempre presente.
A história tem
pelo menos vinte personagens com relevância. Isso pode acabar deixando quem
assiste bastante confuso, pois no filme, que possui apenas uma hora e meia,
muitos desses personagens são, muitas vezes, apenas citados pelos que estão em
cena e, se lembrar dos nomes e apelidos de quatro ou cinco pessoas que
conhecemos em um dia não é fácil, imagina o de duas dezenas de personagens de
um filme curto? Mas isso acaba por dar mais tensão ao filme, pois somos
obrigados a assisti-lo com toda atenção do mundo, ou acabamos por perder o fio
que conduz a trama, já que ali nem tudo é o que parece (Pá-bum- Tss).
O roteiro do
filme é muito bem escrito por J.J Connolly, sendo baseado em uma novela do
próprio roteirista e a história prende porque, penso eu, os filmes sobre o submundo são fascinantes
para a grande maioria das pessoas. Talvez por apresentar um universo secreto,
um lugar marginal ao cotidiano e a rotina, que nos faz lembrar que somos
animais, refreados muitas vezes, apenas pelas correntes da opinião da sociedade
que nos cerca, ou talvez, simplesmente, por exaltar a força e a liberdade que
possui quem não segue todas as regras. Seja pelo motivo que for histórias sobre
o mundo do crime são quase certeza de sucesso, principalmente se a mesma
possuir uma trama complexa, que além de bandido, mostrar o protagonista como um
homem de negócios e classe, se aprofundar em suas relações profissionais e nos
entregar cenas pontuais de violência e diálogos inteligentes e, justamente
isso, é o que a trama apresentada por Connolly nos mostra durante o tempo de
tela.
Além do roteiro
e direção competente, o filme ainda traz personagens fortes, como Gene,
interpretado por Colm Meaney, o segundo no comando da quadrilha para quem o
senhor x trabalha e que se impõe como cara durão mesmo não tendo o perfil
físico para isso; do mesmo modo temos o
responsável pela segurança do protagonista, Morty (George Harris), sempre sério
e impassível e que explode em uma cena que faz quem está assistindo perguntar o
que está acontecendo. Também é legal ver alguns atores que hoje são estrelas,
começando suas carreiras, como o mirrado Daniel Craig, que estava longe de ser
o James Bond dos últimos filmes da franquia 007, ou um Jovem Tom Hardy, grande
nome depois de Mad Max, que ali se apresenta como um inexpressivo coadjuvante
aliado do senhor X que pouco influencia a trama.
Seja pelo motivo
que for, “Nem tudo é o que parece” é um filme muito bacana e merece ser
assistido, principalmente para quem, assim como eu, gosta daquele estilo
característico inglês fundado por Guy Ritchie. Para se ter uma ideia o filme,
mesmo parecendo imitar o estilo do ex-marido da Madona, me parece ter
influenciado o mesmo no último filme do diretor nesse estilo, “Rock n Rolla”, de 2008 e isso
por si só mostra a qualidade da produção. Mas o grande trunfo de “Nem tudo é o
que parece” é se sustentar sozinho, mesmo fazendo referência a outras produções
e nos dias de hoje, onde tudo parece uma repetição de uma repetição de
roteiros, um filme que tenta lembrar outros e mesmo assim consegue surpreender
é uma joia rara, então não perca tempo, assista, “Nem tudo é o que parece” e
preste bem a atenção na trama, pois embora a história se apresente em diversos
níveis, como um bolo em camadas, nem tudo é o que parece e o final vai te deixar com um amargo na boca por um
bom tempo.