A rede Plim-plim vem fuzilando
seus telespectadores com todo tipo de produção para tentar voltar a
ser a primeira e principal opção de entretenimento do país. De
tanto em tanto tempo somos apresentados a novos programas de "humor"
(com muitas aspas), dia-a-dia das celebridades, remakes de novelas
que marcaram época, Realitys e mini-séries. Quase todos esses
projetos são esquecíveis, quando não ignorados durante a própria
apresentação, no entanto, por vezes a emissora acerta no ponto
oferecendo diversão, qualidade e originalidade, surpreendendo muita
gente e deixando quem assiste com um gostinho de quero mais. Um
desses casos foi a mini-série "O canto da Sereia", exibida
em 2013 sob a direção de José Luiz Villamarim, estrelada por Ísis
Valverde e Marcos Palmeira e baseada no livro homônimo de Nelson
Motta, que me senti obrigado a ler após assistir a série e que me
fez mergulhar novamente naquele universo.
O que acontece?
Carnaval, Salvador. A estrela
do momento, Sereia, sacode as ruas da capital baiana do alto de seu
trio-elétrico, disfarçado como convidado junto à banda que a
acompanha, Augustão Matoso chefe de segurança do Trio a acompanha
de perto, uma forte chuva cai e refresca os foliões que se encontram
em êxtase, no auge da festa, em meio a raios e trovões, uma bala
corta o ar e acerta o coração da cantora, transformando o dia da
maior festa popular do Brasil em uma data de luto e ecoando por toda
Bahia com a pergunta: Quem matou sereia?
O mote da história é bem
simples e remete as histórias de detetives. Ocorre o assassinato e o
chefe da segurança da cantora, Agostinho Matoso, vulgo Augustão
(interpretado por Marcos Palmeira na série), contratado pela
empresária da Cantora (Mara Moreira, vivida por Camila Morgado)
começa a investigar o caso em buscas de respostas e atrás de uma
misteriosa agenda que suspeitam conter uma série de segredos capazes
de comprometer figuras relevantes da sociedade baiana. Durante as
investigações Augustão vai formando um perfil de quem realmente é
a cantora através do testemunho de quem a cercava e da descoberta de
segredos que vão se revelando dos lugares menos imaginados,
apresentando não só a verdade por trás do assassinato ou da
personalidade da vítima, mas também os segredos e maquinações da
industria música responsáveis pela criação de uma pop star.
O que tem de bom?
A série me pegou desde o
início pelo tema e originalidade na TV aberta. Sou uma dessas
pessoas que se cansou do "cine favela" que o cinema
brasileiro se transformou depois do sucesso de "cidade de Deus"
e que não suporta mais releituras de fatos históricos, então
qualquer coisa que fuja desses dois temas já ganha pontos comigo e
uma história de detetive, que busque ser realista sem ser chocante
demais e não abraça com força os clichês, me pareceu tão
original que me prendeu na cadeira aguardando que cada segredo fosse
desvendado.
capa do livro |
Como eu disse, a trama é
simples, mas a construção de como ela é desenvolvida é o ponto
alto. No melhor estilo Alan More somos apresentados a vítima que faz
a ação correr através de flashbacks narrados por quem fazia parte
de sua vida e assim temos uma ideia de sua sensualidade através do
depoimento de seu ex-namorado Paulinho de Jesus, do poder de sua
sensualidade e carisma pela boca de seu maior fã conhecido como "Só
love", de sua frieza e temperamento pela boca de Mara Moreira,
de sua ambição através de seu marqueteiro Tuta Tavares e de suas
tristezas e dores pela boca de sua mãe de santo Marina de Oxum.
Esses depoimentos pontos de vista são entrecortados pelas
investigações e o cotidiano de Augustão, onde somos apresentados a
vielas e mercados da Bahia, pontos turísticos e ruas simples que vão
desenhando tanto as características da cidade de Salvador, como o
ambiente que proporciona aos personagens serem o que são.
No
tocante a ser o que se é, Augustão, personagem de Marcos Palmeira
se apresenta como um protagonista para se guardar na memória. É um
herói moderno e portanto está longe da perfeição, muito pelo
contrário sua tendencia a pequenas falhas dão a ele um
ar verossímil,
se acredita que seu modo de ação seja a tentativa e erro, muito
mais como um repórter xereta (como ele é no livro) do que como um
investigador particular no pior estilo dos filmes ingleses; tanto que
gostei mais do personagem da série, que era menos forçado e mais
simpático do que o do livro, que apesar de estar no meio de tudo e
conhecer a todos não convence cem por cento. O mesmo ocorre com a
própria sereia, que na série é interpretada por Isis Valverde e
que dá um show de sensualidade e carisma. Enquanto no livro a
personagem parece uma boneca moldada pelo marketing e publicidade,
que tem seus mistérios revelados até um limite, mas que por vezes
lembra só alguém desequilibrado, na série ela me pareceu mais dona
de si e focada em seus objetivos e por vezes tendendo à
autodestruição como uma estrela do rock das antigas, personalidade
que nos faz acreditar no carinho de seu fã clube e impacto que sua
morte causa no país.
O que difere o livro da
série?
Falando em diferenças entre o
livro e a série, existem algumas que no livro são melhores e outras
que na série são superiores. O fato de Algustão ser solteiro e sem
filhos na série torna a trama mais ágil para ele, no livro ele tem
um casamento fracassado e é pai de duas filhas, só que tanto sua
mulher como suas filhas passam o livro todo no Rio de Janeiro, sendo
apenas mencionadas (e o livro se passa no carnaval...meio caro ir
para o Rio e depois voltar para Salvador) qual a utilidade delas
então? Por outro lado, o livro trás um Augustão que além de tudo
é repórter e escreve pequenos artigos com um pseudônimo se dizendo
correspondente nordestino, que na verdade são engraçadas ou
violentas Fanfics baseadas nos casos que ele desvenda como bico e
essa veia jornalística explica muito mais da personalidade do
personagem do que um desejo obsessivo de procurar a verdade, mas não
a revelar, assim como esclarece seus contatos na busca de informações
sigilosas da polícia e envolvidos.
Augustão |
Outra diferença é a
relevância de mãe Marina de Oxun. Entre o livro e a série existe
muita diferença nesse personagem, para começar pela etnia, pois
enquanto na série a personagem é branca (representada por Fabiula
Nascimento), no Livro ela é descrita como uma negra da cor da noite,
o que faz muito mais sentido por se tratar de uma mãe de santo
baiana. Outra diferença é sua personalidade, que no livro é muito
mais sublime e decidida, ignorando mesmo a traição de Sereia com
seu Marido e se colocando acima de muitas questões mundanas, embora
se revele uma mulher normal e comum fadada a paixões e ao amor nos
capítulos finais, o que na série fica muito aquém com seu amargor
transbordando através de olhares lacrimejosos, dúvidas confessadas
a suas ajudantes e o medo que o romance com Paulinho de Jesus trás
no final.
Spoiler
A maior diferença que existe
entre a série e o Livro é o assassino. O que é notados por quem
conhece as duas mídias da obra, pois o assassino do livro não está
na série e vice-versa e tenho que dizer que o assassino da série é
bem mais crível que o do livro. Na série o assassino é o fã
numero um de Sereia, conhecido como "Só love" e seu motivo
é justamente esse amor que ele tanto ostenta, sabe-se depois pela
boca do próprio personagem e se confirma através e laudos médicos,
que Sereia estava em fase terminal de câncer no cérebro e pediu
para que "Só Love" dar fim a seu sofrimento de forma
inesperada e secreta, para que não visse ela morrer sofrendo em uma
cama de hospital e vítima da piedade e boa vontade dos outros. Já
no livro, que aperta o gatilho que da fim a seu sofrimento é um
amigo de Paulinho de Jesus e que, fugindo da cadeia, se abriga no
terreiro de mãe Marina, mudando de nome e de vida, passando a ser
uma especie de faz tudo e filho de santo da mesma e, que ao ajudar a
personagem tema acaba por contar seu passado e se compromete a
ajuda-la para não a ver sofrer, o que não faz muito sentido pelo
caminho que o mesmo resolve tomar quando se abriga no terreiro e como
o autor o descreve, sendo alguém que realmente resolveu mudar.
No entanto, nenhuma das
diferenças entre a Série e o livro diminuem um ao outro, apenas dão
visões diferentes da mesma história e mais possibilidades de
diversão e finais alternativos. Ambas as obras existem e são
competentes no que se propõem sem precisar se apoiar uma na outra e
esse é o grane mérito das duas, tanto a série quanto livro são
duas grandes obras, divertidas e originais que valem a pena ser
visitadas, uma viagem as ruelas antigas de salvador e ao mundo da
industria musical brasileira, com aquele charme de caso de detetives
noir, matéria jornalística e tempero Baiano.
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