O barulho do trânsito, gargalhadas na mesa
do lado, o telefone tocando, as pessoas falando alto, um copo se estilhaçando
no chão, o filho chamando a todo o momento, o cachorro latindo, a música alta
do vizinho. A vida é um turbilhão de sons tão altos e constantes que depois de
certa idade, o silêncio começa a se apresentar como uma das mais belas melodias
que se pode apreciar. Mas, e se a busca por essa ausência de som deixasse de
ser uma fuga opcional e se tornasse a regra básica para sobrevivência?
Pois o
silêncio é o tenso fio condutor da trama de “LUGAR SILENCIOSO”, filme estrelado
por Emilly Blunt, Millicent Simmonds, Noah Jupe e John Krasinski (que também
roteiriza e dirige o longa) que estreou no último dia cinco de Abril aqui no
Brasil e que vem deixando os espectadores sem palavras.
Krasinski e Jupe (não fala!)
O filme, que se passa em 2020, mostra um
mundo devastado por misteriosas criaturas cegas e extremamente brutais, que
atacam qualquer coisa que emita um ruído mais alto que um sussurro. Nesse
mundo, encontramos uma família que, fugindo da cidade, parte para o campo para
tentar sobreviver da melhor forma possível sem emitir um único barulho; mas os
traumas de uma tragédia e a expectativa da chegada de mais um filho podem por
em risco essa frágil segurança e atrair para perto seus maiores medos.
O longa é uma grata surpresa em meio a
mesmice de filmes de super-heróis e blockbusters descerebrados, apresentando
uma trama original, concisa e extremamente tensa, que faz o expectador passar
todo filme preso na cadeira com medo até de fazer barulho ao engolir a saliva. Comer
aquela tradicional pipoca então, nem pensar!
A história é simples, mas bastante profunda
e lembra um conto curto no melhor estilo Stephen King ou H.P Lovecraft! Na verdade,
guardados os estilos e peculiaridades desses autores, a história de “Um lugar
silencioso” me parece uma acertada mistura de temas que esses dois autores
sempre exploraram em suas obras; com toda ambientação e apresentação do
cotidiano e os conflitos da família lembrando o que King mostra em algumas de
suas obras, como em “O nevoeiro” ou “O cemitério”, e, o recorrente contato com
o estranho e desconhecido, sempre presente nos contos de Lovecraft, que
paralisa e enlouquece qualquer um.
A trama lembra em parte, o filme “Sinais” do
diretor Shyamalan, pela locação situada em uma remota fazenda ou pela situação de
abandono em que os protagonistas se encontram e que não tem a origem revelada;
porém seu clima de tensão remete mais ao novo estilo de suspense, que me parece
ter em “Corra!”, de Jordan Peele, o maior expoente, devida à uma atmosfera opressora que não dá pausa, apenas oscila.
Essa semelhança com o sucesso de 2017 do
diretor Jordan Peele, ainda parece mais justificada quando traçamos um paralelo
entre os diretores, ambos conhecidos por suas carreiras em papéis em comédias
(Peele por “ Key & Peele” e Krasinski por “The Office”) e surpreendentes na
entrega de roteiros originais e marcantes, além de uma direção extremamente
competente.
Blunt & Simmonds (quietinha)
Ainda
falando de competência e surpresa, talvez essas sejam as palavras que definam o
elenco, que brilha de acordo com a intensidade que a história permite.
Começando pela a atuação do próprio John Krasinski, por ainda tê-lo na memória
como o debochado Jim Halpert de “The Office” e o vê-lo convincente como um
sério e preocupado pai que, em um mundo sem esperança, se propõe a fazer
qualquer coisa para manter sua família segura. Outra maravilhosa surpresa é a
atriz adolescente Millicent Simmonds, que é realmente surda, e que contando com
suas expressões e muito talento consegue transmitir todo medo e revolta por
viver em um mundo sem futuro e nele carregar uma culpa capaz de dilacerar
qualquer pessoa. Até mesmo jovem Noah
Jupe, que tem o papel menos profundo na trama, consegue passar verdade com o
pavor que mostra nos olhos ao se deparar com os monstros que cercam a fazenda e
fazer com que nos preocupemos com ele. Já Emilly Blunt, por sua vez, só me
surpreendeu, quando descobri que a química que ela apresentava na tela com
Krasinski se devia ao fato deles serem casados na vida real, de resto ela
repete a competência que a destacaram em filmes bacanas como “Sicário” e “No limite do Amanhã”.
Gostaria de falar muito mais do filme, mas sou
consciente que FALAR demais sobre essa obra, pode estragar a experiência. Só
posso dizer que “Um lugar silencioso” se tornou para mim um novo clássico de
maneira quase instantânea. Apresentando uma história que não debocha da
inteligência do espectador, mas que nem por isso é rasa ou pouco relevante.
Aposta na tensão constante, mas reserva momentos de pura emoção e sentimento,
agradando tanto pela química que mostra entre seus personagens, quanto pela
inovação com que a história é contada. Um conto de terror com traços dos
grandes mestres, mas que fala por si mesmo até quando ninguém em cena profere
um único som e que, de maneira sútil, nos faz sermos gratos pelos sons de vida
em nosso redor.
Tenho imensa dificuldade de escrever sobre
o que, a mim, se encontra muito acima da média. Por esse motivo, dentro dos
estilos que me atraem mais, nunca escrevi sobre o livro “1984” e os filmes
“Batman: Cavaleiro das trevas” e “Capitão América: Soldado invernal”. No
entanto, existe casos tão extraordinários que mesmo sabendo da minha
inabilidade em abordar os porquês de sua real relevância, é impossível não
registrar minha rasa opinião.
Uma dessas exceções é o filme de maior
sucesso do ano, que, além de levantar a autoestima de um público que se via
apenas como coadjuvante, vem colecionando recorde atrás de recorde e mostrando
que o tido como “exótico” ou fora do padrão, quando trabalhado com talento e
honestidade podem ser a receita do sucesso. Trata-se de “PANTERA NEGRA”, o
décimo sétimo filme da Marvel, Dirigido por Ryan Coogler e estrelado por
Chadwick Boseman, Lupita Nyong’o, Michael B. Jordan e grande elenco, que chegou
de forma sorrateira e mostrou suas garras ao mundo.
O filme dá sequência a história do príncipe
T’challa (Boseman), o Pantera negra, apresentado em “Capitão América: Guerra
Civil”, com o herói retornando à seu reino, a misteriosa e desenvolvida, embora
dissimulada como país de terceiro mundo, Wakanda; para enterrar seu pai, morto
durante a trama do terceiro filme do líder dos vingadores,dar inicio aos rituais de sua coroação etratar de assuntos de interesse do estado como a captura do inimigo número um do país, Ulysses
Klaue (Andy Serkis). É durante essas suas obrigações que T’challa se vê diante de um antagonista à sua altura e
uma verdade capaz de o fazer questionar os valores que fazem um rei.
O Filme consegue dar sequência aos já
habituais sucessos da Marvel, ao mesmo tempo em que inova ao apostar em uma
trama mais séria mirando em assuntos como a questão da crise dos refugiados,
racismo e representatividade, mas sem com isso perder nada em diversão e ainda,
de quebra, apresentando uma mitologia jamais antes mostrada com o valor
merecido, e que disse a quem quis ouvir, com o sucesso do filme, que deve
continuar sendo explorada.
Essa mitologia, que dá protagonismo as cores e ritmos da África, é em
grande parte o segredo do sucesso do filme. A cultura africana, que sempre foi,
de forma preconceituoso, tida como algo de segunda linha e de menor valor para
uma sociedade que sempre foi norteada por padrões europeus e que vem sendo
descoberta como rica e digna de orgulho pelas novas gerações, se une a ficção
científica e uma trama de espionagem para colocar na tela um filme onde o negro
é protagonista de sua própria história e capaz de a resolver sem o intermédio
de nenhum salvador externo seus problemas e os de quem os cerca.
Mas para uma trama que fuja tanto do padrão
habitual fazer o sucesso que o filme vem fazendo, ainda mais dentro do universo
dos super-heróis onde a representatividade ainda é mínima, é necessário um
elenco capaz de fazer com quem assista ao filme acreditar no que está vendo. E
isso é uma das maiores certezas do filme e o segundo motivo que levaram “Pantera
negra” a se tornar uma das dez maiores bilheterias de todos os tempos. Com
atores do nível de Chadwick Boseman , Lupita Nyong’o,Michael B. Jordan, Danai Gurira, Daniel
Kaluuya,Forest Whitaker entre outros,
representando personagens imponentes e orgulhosos, sem dizer que
tridimensionais e sem a mínima carga de submissão a uma sociedade que os
subestima, fica ainda muito mais fácil ao filme divertir, ao mesmo tempo que
passa uma mensagem sutil de amorpróprio
e orgulho das raízes, sem precisar diminuir caricaturar ninguém que é diferente.
Sabendo do segredo do sucesso do filme, que, como
já disse, a meu ver, são resultado da química entre a mitologia apresentada e o
elenco de talento, não posso deixar de falar também de outras três peças chaves
em “Pantera Negra”, que são o protagonista que se impõem sem precisar sabotar
os demais personagens, O vilão que consegue passar uma mensagem a ponto de ser
compreendido e a força das personagens femininas que sustentam a trama.
Sempre fico feliz quando a trama não mima o
protagonista, precisando diminuir os que o rodeiam para eleva-lo e, em “Pantera
Negra”, isso acontece abertamente. A história protagonizada por T’challa se
mantém forte, mesmo quando ele não se encontra em destaque, mas quando o mesmo
está em cena, consegue impor sua força a ponto de se tornar marcante, tanto
através dos conceitos e valores que formam o personagem, quanto pela imagem do
herói e daatuação bem a vontade que
Chadwick Boseman consegue transmitir.
Quanto ao vilão Erick Killmonger ,
interpretado por Michael B. Jordan (que mesmo com tudo que faz, o vejo mais
como antagonista), O fato de começar em um papel secundário dentro dos próprios
opositores do protagonista na tramae ir
crescendo a ponto de se tornar um oponente à altura do herói e com motivos
críveis, como a vingança pelo pai e a revolta por ver seus iguais abandonados
por Wakanda, quase fazem que esqueçamos seu extremismo e violência, só
relembrando nas cenas finais do filme, mas que são abafados, ao término da história,
por uma das frases que o filme deixou marcada, colocando Killmonger como um dos
antagonistas memoráveis do cinema atual.
"Jogue-me no oceano com meus antepassados que pularam dos navios, porque sabiam que a morte era melhor do que a escravidão." Killmonger
Em terceiro, mas não menos importante, temos
a força feminina presente na trama. E que força! Não é preciso muita atenção
para ver que as mulheres dão o movimento ao filme. Seja com a inteligência de
Shuri, a irmã caçula do agora Rei T’challa, que cria diversos dispositivos de
espionagem ao herói, além de ser o personagem responsável pelo bom humor e uma
pitada de inocência na trama, colocando alguns sorrisos e nósna garganta de quem assiste ao filme. Do
mesmo modo temos Nakia (Lupita Nyong’o) que embora interesse romântico do
herói, não se limita ao papel de donzela apaixonada e além de colocar a mão na
massa, trabalhando como espiã e guerreira, ainda trás para o herói,
questionamentos quanto ao posicionamento do país frente aos problemas do mundo
e tomando para si a responsabilidade de defender o reino, quando Killmonger
surge e T’challa some. Também não podemos deixar de falar das Dora Milage, A
guarda pessoal do rei de Wakanda, composta só por mulheres, que tem na general Okoye
(Danai Gurira) seu principal nome; é ela que tem grandes cenas de ação, como no
Cassino clandestino e na perseguição de carros pelas ruas de Seul, mas que
também empresta força dramática ao demonstrar, após metade do filme, o peso da
dedicação total ao estado que o cargo exige e que simboliza o sacrifício de
algumas escolhas exigem, situação quefala ainda mais alto observando sua condição feminina e os desafios e
obstáculos que nosso mundo impõem às mulheres fortes.
Nakia & Shuri
“Pantera Negra” é um sucesso de público e
critica. Surpreendeu o mundo ultrapassando a marca de um bilhão de dólares
arrecadados ao redor do globo e reafirmou o orgulho de um publico acostumado a
se ver no cinema como elenco de apoio ou vilão, quase sempre marginalizado ou
precisando de ajuda. Tornou-se uma marca no cinema e símbolo de orgulho ao
mostrar para sociedade que filmes de pessoas negras, onde a eterna luta para se
destacar contra o preconceito não é o assunto principal, mas sim uma trama onde
o negro, visto como pessoa, seja dono de sua história com altivez e orgulho, dá
destaque ao estúdio e muito lucro, sem contar que gera a empatia em quem, antes
não acostumado a assistir um grande filme ambientado na África (mesmo um África
imaginária) agora enxerga com mais facilidade o negro em todas as facetas, seja
de vilão, herói, piadista, cientista, rei ou soldado mas principalmente longe
do estereótipo.
Por essas e outras acredito que “Pantera
Negra” já é o destaque do ano, mesmo que tenha estreado em Março e se causou
certo desconforto em algumas mentes mais reacionárias que não conseguem admitir
o empoderamento do negro devido a uma África fictícia, mas que vibram com sete
reinos mágicos e Asgards encantadas, a mim só trouxe felicidade por tudo que
expus no texto acima, me ajudando a desbloquear minha capacidade de escrever
sobre algo que, a mim, está acima da média dentre seus iguais e afirmando a
certeza de querer assisti a mais histórias de Wakanda e seu protetor nos
cinemas em breve.