Esse
post é baseado em uma história real.
Os
eventos ocorreram em 2010 em Minnesota.
A
pedido dos sobreviventes os nomes foram alterados.
Por
respeito aos mortos o restante foi retratado exatamente como ocorreu.
Como já disse em posts
anteriores, estou saturado de filmes de Super-heróis. Tanto, que
mesmo o novo filme do Homem-aranha, que estava aguardando para ver se
a Marvel dava um novo frescor à franquia, após os dois meia-bocas
"espetacular Homem-aranha", não consegui disposição para
ir assistir. Porém, nenhuma frase define melhor a série da qual vou
falar hoje, do que a proferida em um filme de Super-herói (ou
anti-herói), no caso "Deadpool" de 2016, onde o
protagonista, entre uma piada e um tiro, fala que: "A
vida é um eterno descarrilhamento intercalada por alguns momentos
felizes."
Parece
brega (e é!) mas é impossível não pensar nessa
frase,
ao
assistir à nova
temporada da
brilhante série "FARGO" adaptada para TV e escrita por
Noah Hawley, baseada no filme homônimo dos irmão Coen e que depois
de mais de um ano e meio de hiato
voltou com tudo em uma terceira temporada que entrega um mundo cheio
de caos brindado com pequenos momentos de alívio em
uma
produção que, longe do subtítulo brasileiro
para o filme original,
onde se lia "uma comédia de erros", se sobre sai com a
qualidade de um drama de acertos.
Emmit & Ray |
Nessa
temporada (que dizem ser a última) voltamos para o gelado extremo
norte americano, onde somos apresentados aos irmãos Emmit
e Ray Stussy (ambos vividos por Ewan Mcgregor), o primeiro um rico
empresário do ramo dos estacionamentos e o segundo, mais novo, um
fracassado agente da condicional. Os irmãos Stussy possuem uma rixa
devido a uma coleção de selos vintage, os
quais
seu pai deixou de herança para ambos, mas que o mais novo abriu mão
em
troca do
carro do
mais velho, que
assim fundamentou sua fortuna em cima de um golpe. Esse
amargor
de ser enganado jamais abandonou a alma de Ray, assim como a ganância
de Emmit
nunca foi totalmente saciada, então, anos
depois e
após
de receber um não, ao pedir o último selo para si, no dia de
aniversário de 25 anos de casamento do primogênito dos Stussy, e
sair da mansão de seu irmão, juntamente com sua namorada Nikki
(Mary Elizabeth Winstead) humilhado, Ray resolve contratar um de seus
clientes para roubar seu proprio irmão e pegar o que é seu por
direito. No mesmo dia, Emmit
recebe a visita do misterioso V.M Varga (David Thewlis),
"representante" da empresa que lhe tinha emprestado
dinheiro um ano antes para expansão, sem pedir nenhuma garantia e
esse se revela um investidor, não tão ortodoxo, por assim dizer.
A partir desse dia, uma onda de violência começará a dar tons de
vermelho à branca neve de minnesota, forçando a chefe de polícia
local, Glória Burgle (Carrie Coon) a sair de sua zona de conforto de policial do interior e encarar todo mal e destruição que a
ganância e o
egoísmo podem causar por onde passam.
Cara!
Que temporada fantástica!! Noah Hawley se superou de novo trazendo
para TV toda acescência dos filmes dos irmãos Coen, com sua violência,
humor, solidão e impotência diante de um mundo abarrotado de
burocracia e decisões idiotas; tudo maravilhosamente bem aprofundado
com o auxilio de personagens carismáticos, uma trama inteligente que
vai ganhando velocidade e força a cada episódio e atuações
perfeitas da parte de um elenco de primeira linha.
Chefe Glória Burgle & Nikki Swango |
No
que toca a trama, a série não foge do espirito do longa lançado em
1996, mostrando a decisão de uma policial do interior, nessa
temporada interpretada por Carrie Coon, em solucionar um assassinato
que serve como ponto de partida para uma série de crimes de
proporções e alcance cada vez maiores do que a visão de mundo onde
ela habita e que revelam agora, muito além da força de um submundo
sempre presente e, nessa temporada extremamente voraz, também os métodos escusos utilizados para o acumulo de riqueza e poder, assim
como toda impotência causada pela burocracia do cotidiano e preguiça
de quem só quer receber seu salário e ir para casa sem se incomodar
com seu dever. Somando-se a isso a série ainda nos mostra o dano que
a necessidade de se impor pode causar em todas as relações, em
especial na protagonizada pelos irmãos Stussy, que é o mote para
tudo de errado que vai acontecendo durante a temporada em uma
sequência de erros de atitudes e comunicação que fazem o
espectador ir da esperança a aflição de uma cena para outra.
Essa
sequência de erros é muito bem orquestrada por Hawley e
interpretada de maneira primorosa por Ewan Mcgregor, que faz os
irmãos em conflito. McGregor está fantástico, dando nuances de
personalidades distintas e completamente equivocadas em suas maneiras
de agir, conseguindo nos convencer tranquilamente de que se tratam de
pessoas totalmente diferentes embora a aparência; fato que se
confirma quando o irmão mais novo se passa pelo outro e imita seus
trejeitos e confiança para aplicar um golpe. Outra atuação que
chama a atenção é a de Carrie Coon, que vive a policial Glória
Burgle e que representa além da justiça em atuação, também a
dificuldade de cumprir seu dever meio a um mundo de pessoas que não
se importam ou buscam o caminho mais curto, sua história é sofrida
e suas cenas tensas, tanto devido a indiferença ou desprezo que ela
sofre no pequeno mundo onde vive, pois perdeu seu marido para um
homem, cria um filho sozinha e está sendo destituída do cargo de
chefe de polícia, como pelo fato de ter que investigar sem nenhum
crédito uma série de crimes que apenas sua dedução dos fatos
mostra como interligados e que vão se revelando maiores que ela
imagina; Glória é tão apequenada frente ao mundo onde vive, que
nem mesmo os equipamentos eletrônico parecem notar sua presença e
suas sequências lutando para ser reconhecida por um aporta
automática ou equipamentos sensíveis a presença dão o alivio
cômico na medida certa a um personagem que tem o mundo em suas
costas. Mas o personagem que rouba a cena, para mim, é o
interpretado por Mary Elizabeth Winstead, que é a namorada de Ray
Stussy, Nikki Swango, uma vigarista fã de carteado e que ao logo da
temporada se revela muito mais do que um rostinho bonito, como uma
estrategista digna de ocupar o trono do grande chefão e que
proporciona cenas de ação fantásticas ao lado de um personagem
resgatado da primeira temporada em três episódios que deixam muitos
filmes desses últimos anos no chinelo.
V.M Varga (ao centro) e seus capangas |
Quanto
a história, de início achei repetitiva, pois ignorei o fato dela se
fundamentar na mitologia da série, que tende a ser ciclica e a
comparei com sua primeira temporada, mas no decorrer dos episódios,
após conhecer melhor os personagens, a trama e ficar embasbacado pelo roteiro, me apaixonei. Hawley, sem querer ser pretensioso,
entrega um retrato sangrento de nosso mundo, com aquele toque de
ironia típica dos filmes dos Coen, onde os alvos, além do
descrédito de algumas pessoas, a arrogância de outras e a estupidez
de muitos, agora são a crença na falácia da liderança e a
burocracia que engessa o movimento natural do mundo. Isso fica claro
com os diálogos que se repetem durante a temporada onde as pessoas
mais dependentes teimam em definir seus chefes ou entes queridos como
líderes naturais, quando falando sobre estes para outras pessoas e
quando vemos esses "líderes naturais" tomando decisões, o
resultado é sempre uma semente para um problema maior; da mesma
maneira a burocracia (a qual já me referi dezenas de vezes acima)
aparece tanto como arma e esconderijo dos vilões, que transitam em
meio a corrupção por brechas do sistema, tão bem estudadas que os
tornam invisíveis, como empecilho para a investigação seguir em
frente e ao final armadilha para resolver o caso e refletindo a
pequenez de todos frente as regras do mundo.
Pois
bem! "FARGO" voltou com tudo ! É uma pena que não passe
em nossas terras tupiniquins, não sei se pelo fato de suas locações
geladas não refletirem o nosso espirito tropical e alguém no FX
ache que não vale a pena a transmissão por aqui, ou se não querem
que todas as coisas de qualidade sejam vistas na parte de baixo do
Equador, o que sei é que essa é uma produção que vale a pena ser
procurada e assistida; uma obra fantástica, de roteiro impecável,
atuações brilhantes e sequências de cair o queixo, a terceira
temporada de "FARGO" consolida a produção como a melhor
série dramática de TV da atualidade. Fica apenas o apelo para que
Noah Hawley descanse um pouco e pense bem antes de dar um fim
definitivo nesse maravilhoso descarrilhamento com espetaculares
momentos felizes, sangue e humor no extremo norte americano.
O trailer não faz justiça, mas é o que tem
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