"O bater de asas de uma
borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e criar um
tufão do outro lado do mundo." Essa frase, que tenta definir o
"efeito borboleta", parte integrante da teoria do Caos, foi
utilizada de maneira conceitual inúmeras vezes na cultura pop para
dar movimento à histórias onde um acontecimento pequeno estimula
uma série de eventos que culminam, geralmente, em uma grande
catástrofe. No entanto, jamais uma produção havia sido resultado
desse efeito até Março desse ano, quando, com a influência de um
curta que dava ares sombrios a uma franquia televisiva voltada para
crianças, a Lions Gate trazia para o cinema "POWER RAGERS",
o reeboot cinematográfico da aclamada série dos anos noventa que
apresentou para uma geração a cara americanizada do universo dos
super sentais japoneses.
"Power Rangers"
reconta o início da história de cinco adolescentes (Jason, Billy,
Zack, Trini e Kimberly) que encontram as moedas do poder e com a
orientação do extraterrestre Zordon, se tornam os defensores da
terra contra os malignos planos de dominação de Rita Repulsa.
OK, eu sei que a primeira
coisa que passou pela sua cabeça é: "Por que esse tiozão está
falando de Power Rangers?" E essa é uma pergunta muito justa,
ao se imaginar que o público alvo da produção, não diferente da
antiga série, são as crianças e pré adolescentes. No entanto, a
curiosidade para saber como esse filme, que brotou da ideia de um
curta feito para a internet e que incluía mortes e traições ao
colorido cotidiano da molecada residente da Alameda dos Anjos, seria
executado foi o que me fez gastar duas hora da minha vida e que me
fez escrever esse texto.
Para começar, vamos falar das
coisas boas que o filme referencia, iniciando pelo clássico do
diretor John Hughes, o "Club dos Cinco". Assistindo os
primeiros vinte minutos não podemos ignorar a influência do filme
de 1985, que mostra a amizade de cinco jovens problemáticos (também
três rapazes e duas moças) que surge após o encontro na detenção
da escola e esse artifício é bem utilizado para explicar como
pessoas tão diferentes acabam mais do que se conhecendo, como dando
oportunidade de quem anteriormente ignoravam entrarem em suas vidas,
com destaque para o companheirismo que surge entre Jason e Billy. O
personagem do Power Ranger vermelho mesmo, vive uma cena que é
praticamente um control C Control V do filme de Hughes, quando tem um
diálogo com o pai no estacionamento da escola onde fica claro seu
conflito pessoal; Soma-se a isso, que ele , tal qual o personagem de
Emilio Steves em "Club dos cinco" também é um esportista
frustrado e que se sente oprimido pela expectativa da família.
Outra referência que o filme
me trouxe foi o filme "Poder sem limites" do diretor Josh
Trank, onde amigos entram em contato com uma descoberta misteriosa e
desenvolvem poderes telecinéticos em uma trama que acaba revelando
quem realmente é quem, o que me parece claro ao mostrar que a vilã
do filme foi uma ex-integrante dos Power Rangers corrompida pelo
poder que vislumbrou. Isso ainda se soma ao já mencionado curta, que
é referenciado no prólogo da história, que se passa na era dos
dinossauros e onde vemos as consequências da batalha da antiga
equipe comandada por Zordon e a destruição causada por Rita.
Uma turminha do barulho |
No entanto, todas essas coisas
boas e referências estão reunidas na primeira meia hora de filme e
quase desaparecem da mente do espectador a partir do momento em que o
grupo se encontra na pedreira, onde descobre as "moedas do
poder" e começam sua jornada para transformarem-se nos
defensores da vida na terra. Depois desse evento, o filme muda de tom
e começa a se aproximar da ideia da série original, proporcionando
cenas e diálogos capazes de constranger até mesmo o público alvo
da produção televisiva clássica. Começando pela grande barriga do
filme, que é a dificuldade dos protagonistas "morfarem" e
que se estende por mais de vinte minutos da trama em um lenga lenga
que não agrega nada a história; essa dificuldade se revela ainda o
ponto mais decepcionante de todo o filme, pois só vemos os
personagens vestidos de power rangers quando faltam apenas vinte e
seis minutos para a história se encerrar, ou seja, em setenta e
cinco por cento de filme não temos a presença dos personagens que
dão nome ao filme.
A decisão de apresentar a
trama com a mínima presença dos super-heróis, remete a uma história
de origem que foca mais na pessoa do que em seu alter ego, seguindo a
fórmula de sucesso do primeiro filme do Homem-Aranha, de 2002; mas
nem mesmo isso é aprofundado, pois temos apenas menções aos
problemas dos protagonistas, que se apresentam na forma das
constantes brigas de Jason com o pai, que não são explicadas, pois
apenas somos informados que ele era o capitão do time de futebol
americano da escola e que machucou a perna em algum acidente (que não
é mencionado) e se transformou em um frustrado rebelde mimado, ou o
fato de Billy estar no espectro autista e ter perdido o pai
recentemente, também ao fato de Zack ser um ferrado que mora em um
acampamento de trailers e cuidar da mãe doente, ou de Trini não
conversar com os pais porque (aparentemente pelo diálogo que "os
cinco malandros tem em volta do fogueira") ela é lésbica. No
entanto, nenhum arco fez menos sentido para a história do que o de
Kimberly, a ranger rosa.
Kimberly, foi mandada para a
detenção por um fato terrível e que se revela como o principal
motivo dela não conseguir morfar (sempre isso!), ela roubou um nude
de uma amiga, que havia ficado com seu ex-namorado e enviou ao mesmo
questionando se era aquele tipo de garota que ele queria apresentar
para seus pais! A foto se espalhou pela escola (pelo menos parece ter
sido isso) e ela acabou na detenção, sem contar que antes disso ela
ainda bateu no EX... Esse problema poderia ser melhor resolvido, se a
personagem, durante a história e pelo seu passado, se sentisse tentada a
se debandar para o lado da vilã e assim conseguisse se redimir se
sacrificando ao final ou dando um exemplo de redenção, mas não,
quem a vilã tenta persuadir é a ranger amarela (porque é gay!),
enquanto isso, ainda vemos o líder da equipe (Jason) dizer a nefasta
postadora de nudes alheios que muita coisa circula pela internet e
para ela não ficar preocupada, COMO ASSIM?? ISSO É CRIME CARA!! o
arco ainda se encerra de maneira ridícula, quando a ranger rosa, de
posse de seu Zord voador, derruba uma estátua sobre o carro da ex
amiga e solta a frase "você mereceu!", essa é a mente dos
defensores da vida na terra! Nesse momento do filme eu quis que o Alfa mandasse outro meteoro!
Não consigo sentir repulsa por essa vilã |
E o que falar da vilã e suas
motivações? A introdução da personagem, mostrando que ela era a
antiga ranger verde e que se corrompeu é muito bacana, mas nada
explica suas motivações e durante o filme só sabemos que ela quer
conquistar o universo com o poder do cristal Zeo, mas e onde veio o
poder para que ela matasse seus antigos companheiros? Quem deu aquele
cetro pra ela? e por que diabos ela como ouro? Disso não somos
informados. Eu mesmo queria saber quem foi o esperto que deu um
amoeda do poder para alguém chamada Rita Repulsa, tenho minha
desconfiança que foram os guardiões de OA, os mesmos que criaram os
lanternas verdes (por isso a cor da personagem) , pois se eles deram
um anel para um cara chamado Sinestro, porque não para uma Rita
Repulsa?! Se bobear o próximo vilão talvez se chame Filho da Póta,
para facilitar a identificação do possível traidor! Mas pior que
essa brincadeira com os nomes é a atuação de Elizabeth Banks como a
vilã, é um show de gritaria e caretas que somadas as fracas
motivações do personagem não parecem causar uma ameaça real aos
protagonistas, nem mesmo quando ela "mata" um deles, fatos
que se equiparam em desastre apenas ao design e efeitos especiais
dos Zords e Megazord, que não justificam o orçamento de cem milhões
de Doletas para a produção desse filme.
Aproveitando a citação do
Megazord, a cena de batalha do robô gigante, que é um clássico
dentre as séries super sentai, serve para comprovar a inversão de
valores que o filme vem trazendo durante suas duas horas. Depois de a
Ranger Rosa mandar o nude da colega, do amigo de Jason drogar um
touro, de Billy fazer bulling reverso com o valentão da escola e
Trini deixar sua mãe falando sozinha; nossos heróis saem da
pedreira, que estava sendo invadida por uma legião de monstros de massa
e vão para o meio da cidade na procura da vilã, causando destruição
por todo lado, no pior estilo "homem de Aço"! (não seria
mais correto levar os monstros justamente para pedreira?) onde as
consequências da batalha não são mostradas (eram dois robôs
gigantes lutando no centro da cidade, lógico que morreu gente) e ao
final, ficamos apenas com o ponto de vista dos protagonistas, olhando
de cima a população que os aplaude, mesmo depois que sua pequena
cidade foi reduzida a escombros.
Bryan Cranston feito de cristais azuis. Ironia? |
Pois bem, sei que fui muito
duro com um filme baseado em uma série para criança de até dez
anos, mas quem se propõem a dar ares sombrios e problemas pessoais
mais sérios a uma trama, tem que conseguir que essa ideia se
mantenha linear durante o filme todo e não vá deixando de ser
importante como decorrer da história, assim como o farol moral que
deveria partir dos protagonistas fique claro e não escondido em meio
a desculpas de que "todo mundo posta fotos nua na internet".
Espero que a possível sequência, que fica em aberto com o gancho
que temos na cena pós-créditos, onde mais uma vez homenageando John
Hughes, dessa vez com uma sequência que lembra "Vivendo a vida
adoidado", temos um professor entediado fazendo a chamada e
perguntando por Tommy Oliver ( O ranger verde da série clássica).
Então é isso! Baseado na
aclamada série dos anos noventa, "Power Rangers" deu seu
passo inicial, mesmo que tropego, para a crianção de uma franquia
cinematográfica, se revelando ao final como um tufão com grandes
problemas de design, motivação e coerência de duas horas, iniciado
pelo pequeno bater de asas de um curta de 14 min e que para mim, pelo
menos, foi um desastre.
Alpha, pode mandar o meteoro!!