Fiz
uma promessa a mim mesmo pouco antes de me formar, reler todas os
livros bacanas que me marcaram. Foi assim que comecei meu rewill com
“A mulher que escreveu a bíblia” de Moacyr Scliar e como
sequência, hoje trago um livro muito especial, cheio de ironia,
tristeza, loucura e magia; tal qual a vida, mas um pouco mais
sucinta; Falo de “Cantiga de Ninar”, livro do escritor americano
Chuck Palahniuk, publicado em nossas terras tupiniquins em 2004 pela
editora Rocco e que confirmou (pelo menos para mim) o talento do
escritor que chamou minha atenção quando assisti ao filme baseado
em seu livro “Clube da luta”.
Capa da edição da rocco 2004 |
"Cantiga
de Ninar” conta a história de Carl Streator, um jornalista em uma
grande cidade que é incumbido de realizar uma série de reportagens
sobre morte infantil súbita (ou morte no berço). Seguindo pistas de
mortes recentes de crianças, ele descobre que em muitos casos sem
causa de morte aparente, os pais estavam de posse do livro “Poemas
e rimas ao redor do mundo” e sempre marcados na página vinte e
sete, após uma sinistra experiência ele descobre que o poema dessa
página mata quem o ouve e, preso em sua mente como uma música que
se ouve logo pela manhã, o poema (ou cantiga de poda, como passa ser
conhecido logo depois) o transforma em um assassino compulsivo.
Buscando a cura para essa compulsão Streator acaba por encontra
Helen Hover Boyle , a proprietária de uma imobiliária que é
especialista em comprar, vender, recomprar e revender casas mal
assombradas e que perdeu um filho em situação parecida com a
investigada; junto com ela e contando com a ajuda de sua secretária
Mona, uma hippie que se diz aprendiz de bruxaria e o namorado desta
última, Ostra, um extremista ecológico, Streator parte em viagem
pelos Estados Unidos para destruir todas as cópias da cantiga de
poda sem imaginar que esse será apenas um entre todos os problemas
que surgirão a partir do começo dessa viagem e mudarão sua vida
para sempre.
Definitivamente
“Cantiga de Ninar” não é um livro para iniciantes, sua forma de
narrativa é tão veloz e ágil que por vezes nos sentimos tontos
devido a tanta informação. Confesso que tanto da primeira vez como
agora, só consegui me acostumar com a forma que autor decidiu contar
a história a partir do terceiro capítulo. Sua forma de escrita me
lembrou muito a apresentada por Alan More em “Do inferno”,
apresentando todos os fato relevantes das personalidades das
personagens em uma torrente de situações que as vão definindo, no
início isso pode causar um estranhamento, porque ficamos meio
perdidos, mas quando a história engrena tudo fica muito claro,
fluindo naturalmente e essa estranheza inicial não diminui em nada a
sensação de amargo prazer quando se termina de ler a obra.
O
livro é muito divertido, e, para mim, o grande responsável por essa
diversão é o flerte com o sobrenatural que o livro traz. Não se
trata de uma história de terror ou de fantasmas, mas nem por isso
eles deixam de aparecer, mas daquela forma sutil e que serve como
pano de fundo para algo maior, que nesse livro (assim como na maioria
dos livros do autor) são a solidão e a miséria humana. Quem já
leu algo de Palahniuk ou viu uma entrevista do autor, sabe que a
solidão é o cerne das histórias dele e que seus personagens são
sempre pessoas da periferia do mainstream buscando alguém que lhes
compreenda e os aceite e isso não é diferente nesse livro, temos um
repórter solitário, uma corretora durona porém solitária e o
casal de jovens que os acompanham, formando uma família torta com um
objetivo torto, mas uma família (até ali!).
Essa
“família”, sua relação e a busca por alcançar seus objetivos,
que no decorrer do livro vão se mostrando divergentes, é o que
enriquece a história, mas que também causa uma certa frustração
conforme a história avança. Todos os personagens presentes nesse
livro (exceto um talvez) estão naquela área cinza tão comumente
falada nos dias de hoje, onde não se é totalmente mau e nem
totalmente bom; mas eu definiria melhor dizendo que todos mereciam no
mínimo um bom e belo soco no meio da cara. Para começar pelo
narrador, Carl Streator, o cara é um enigma que aos poucos vai se
revelando quando conhecemos o seu passado, perdeu a mulher e a filha
muitos anos atrás, vítimas (sabemos depois) da cantiga de poda e
após o evento, fugiu, mudou de nome e vive na solidão da cidade
grande, escrevendo pequenas matérias para um jornal local. Ele odeia
a barulheira das multidões e carrega consigo muitas frustrações e
traumas, fatores que acabam por turbinar o poder da cantiga de poda
que se instala em seu cérebro como uma música chiclete como que se
houve pela manhã e que ele não tem pudor e nem controle de usar
contra todos que o incomodam, seja um policial que barra sua
passagem, seja um conquistador em um bar, ou seus chefes no trabalho,
quando li o livro a primeira vez, lembro de ter ficado com certa pena
do destino desse personagem, mas relendo agora, vejo que ele procurou
seu destino desde o início e ouso dizer que ainda ficou barato.
O autor |
Seguindo
a hierarquia dessa “família” temos Helen Rover Boylle, que
divide com Streator a tristeza da perda de seus entes queridos, no
entanto conforme os capítulos vão passando, vamos descobrindo que,
ao contrário do protagonista, ela não se manteve inocente por muito
tempo e entendeu o potencial da arma que tinha em mãos (ou no
cérebro) muito antes dele. Helen utiliza a muito tempo a cantiga de
poda para retirar pedras de seu caminho, além de ganhar dinheiro
como assassina de aluguel, é assim que ela controla seu vício de
matar, matando uma pessoa por dia, por dinheiro e nem o drama que
sofre nas últimas páginas a redime e faz pensar que seu destino
seja menos merecido, embora não seja agradável.
Fechando
essa força tarefa de busca de livros assassinos, temos Mona e Ostra.
Mona é uma jovem hippie metida a bruxa, que trabalha como secretária
de Helen em sua imobiliária e a ajuda a identificar casas mal
assombradas que lhe tragam um grande retorno financeiro, crente nas
forças ocultas e conhecedora de lendas e histórias das bruxas,
serve como guia dentro da viagem que o grupo se propõem fazer; tem
uma personalidade dependente e é manipulada por seu namorado Ostra
o tempo todo, mas a guinada que tem no final do livro faz pensar quem
manipula quem dentro dessa família. Já Ostra é um fanático
ecológico que busca uma maneira de retirar a maior praga da natureza
de ação, o homem. Trambiqueiro, sobrevive através de golpes onde
promove ações judiciais que cobram indenizações de todo tipo de
empresas, sua personalidade é arrogante e seus interesses claros
desde a primeira linha onde o citam, deixando como única resposta
pelo fato de o grupo resolver levá-lo para a viagem, a dependência
que o mesmo causa a Mona, mas essa resposta não me satisfaz até
hoje ao me questionar por que ninguém matou esse chato quanto tinham
tempo? Talvez porque assim como na vida real, as vezes damos chances
demais a quem não é merecedor… talvez.
Outra
coisa legal no livro, são os coadjuvantes que aparecem em pequenas
participações quando o grupo está na estrada e que servem para dar
a visão aterradora do poder e dilema que os protagonistas estão
lidando. Existem dois desses coadjuvantes no livro que me marcaram
demais, o primeiro é uma mulher, que serve para que os segredos de
Helen acabem por ser revelados; A mulher mora em um trailer e recebe
o grupo achando que se tratam de consultores de beleza (tipo avon),
quando na verdade eles estão procurando o livro que ela locara na
biblioteca para contar histórias ao filho e acaba por matá-lo. A
tristeza e solidão daquela mulher, que é apontada como culpada da
morte do filho por omissão é apresentada de uma forma tão sutil e
esmagadora que quando eu li me deu um nó na garganta, assim como a
homem que é acusado de matar o filho e recebe o grupo acreditando
que se tratam de religiosos, explodindo em um monologo sobre a
existência e desejo de Deus que, eu como pai, me senti conectado ao
personagem e agradecido pelo fim que o protagonista resolve dar a sua
dor.
Minha
dica é “LEIA CANTIGA DE NINAR”. Seja porque você gosta de
histórias de terror, seja porque gosta de contos de detetives, seja
porque gosta do autor ou porque ficou sabendo que o filme baseado
nessa obra já está em pré-produção (foi o que ouvi), não
importa, apenas leia. É um livrão desses que fica na cabeça da
gente como uma música chiclete que se repete sem controle; sua
ironia, dureza e tristeza, estão no mesmo nível do divertimento e
emoção que o livro tem, seus personagens são riquíssimos e
complexos, sua narrativa é ágil e estonteante, um legítimo Chuck
Palahniuk (em caixa alta, negrito e sublinhado), um livro que te
enfeitiça e embora eu não acredite em bruxas, que las hay, las hay.
Nenhum comentário:
Postar um comentário