Eu sou negro. E
como negro, sempre
senti falta de filmes que me representassem de forma descente. Quando
digo isso, não estou falando de filmes que façam um estudo
cinematográfico, mostrando as dificuldades do negro, sua cultura e
contribuição social; quando falo sobre
representatividade, digo que quero ver filmes onde o negro, assim
como o branco, a mulher, o gay e
todo mundo, seja
retratado e aprofundado como pessoa, tendo suas características
inatas presentes para explorar melhor suas atitudes e escolhas, mas
como um plano de fundo que influencia na vida dos personagens sem os
paralisar, não os definindo como um todo, mas pelo contrário
enriquecendo sua individualidade. Passei vendo todo tipo de filme e
nunca tinha encontrado um onde eu pudesse dizer que me via presente
ali naquele tempo em que a história se desenrolava, até que assisti
a "DOPE", filme de 2015 escrito e dirigido por Rick
Famuyiwa
e
pude dizer com um sorriso no
rosto :
Agora
sim!
Dope
é um filme de formação. Conta a história de Malcolm, um geek,
filho de mãe solteira que vive em um bairro da periferia apelidado de "buraco". Malcolm e seus dois amigos, Jib e Dig são fãs
de rap dos anos noventa e consomem essa cultura de todas as formas
possíveis chegando a utilizar suas gírias, roupas e cortes de
cabelo, eles possuem uma banda que definem como punk e como bons
geeks do ensino médio, pertencem ao grupo de estudantes que são
ignorados por todos e sofrem com a perseguição dos valentões e
membros de gangues. Suas vidas seguem uma rotina relativamente comum
para o caminho que opiaram por seguir, até o dia em que um
traficante local pede que Malcolm leve um recado a uma garota do
bairro a convidando para uma festa que ele dará em um club, e , a
garota aceita com a condição de que ele também vá. A partir dessa
noite, Malcolm e seus amigos irão descobrir mais sobre o mundo das
drogas e quem está por trás das gangues de rua, abrirão uma loja
virtual, se questionarão sobre o limite da virgindade, farão
sucesso no youtube, participarão da feira de ciência do google,
aprenderão qual a diferença entre uma bolsa verdadeira e outra
falsa e entenderão como funciona a transação financeira através
de Bitcoins.
Dope
é um filmaço! Se eu pudesse defini-lo com uma única palavra seria
desconstrução. Desde o início o filme desconstrói todo esteriótipo que Hollywood se esforçou tanto para impor às pessoas que não
seguem o padrão por ela ditado, e, isso fica claro já pela forma
que os protagonistas se apresentam, Um negro, uma lésbica e um
Indiano (ou latino,ou 14% negro), geeks da periferia que gostam de
"coisas de branco", como skate, pensar em ir para faculdade
e rock, que se vestem e falam como se fossem rapers dos anos noventa,
mostrando que estão desde seu estilo fora do ambiente que os cerca;
ambiente este que aos poucos também é desconstruindo ao nos
apresentar personagens periféricos que, embora estejam absorvidos
pelo que a sociedade esperou deles, não se mostram como esteriótipos
totais, nos proporcionando diálogo engraçadíssimos repletos de
referências pop e inteligência, ou seja, um filme que trata as
pessoas como pessoas, independente de onde nasceram e o que em um
primeiro olhar se espera delas e isso é maravilhoso.
Jib, Dig e Malcolm |
O
roteiro é bem redondo, não deixando barrigas ou elementos que sejam
desnecessários. Situações como a conversa que o protagonista tem
com sua mãe vai fazer sentido lá no final quando o seu plano é
revelado ao antagonista que se apresenta; assim como a bronca que o
diretor da escola dá em Malcolm por ele escrever uma redação, em
sua concepção, arrogante e pouco pessoal, é destruída quando o
protagonista resolve seguir esse conselho escrevendo algo mais íntimo
e te dá um tapa na cara. A estética do filme é bem bacana,
misturando temas meio retrô como a cultura Rap dos anos 90 a Gangues
no estilo GTA San Andreas e cultura pop moderna como videos do
Youtube, citações a Steve Jobs ,rastreamento de i-phones e hakers
anarquistas; temos ainda, complementando a trama, pequenas homenagens
a "vivendo a vida adoidado", pelo fato de o protagonista,
no final, quebrar a quarta parede e pelo filme se tratar de uma
aventura de três amigos adolescentes que acaba mudando suas vidas,
mas com muito mais alcance social e realismo. Para fechar ainda tem a
trilha sonora que é de mais! Com música escolhidas a dedo pelo
Rapper Pharrell Williams, com temas que vão do rap do anos 90 ao
Rock progressivo da banda punk "Awreeoh" do protagonista e
seus amigos, passando por hip hop indie e clássico. Sonzeira de
primeira que é pontual nas situações e te faz ficar cantarolando
por dias!
Malcolm e sua banda |
Como
eu já disse, Dope é um filmaço ! Deve ser assistido por todos,
independente de etnia ou cultura. É um filme engraçado,
inteligente e com uma pegada social que não transforma ninguém em
coitadinho e não tenta chocar com a violência, muito pelo contrário
coloca as pessoas no contexto individual, mostrando origens e cultura
em segundo plano e focando nas opções e escolhas que cada um toma.
Me
fez lembrar que quando os indicados ao Oscar
2016 foram divulgados, surgiu o fato de não existirem negros entre
as indicações, fato que levantou a polêmica sobre a
representatividade e fez com que alguma das pessoas envolvidas com a
industria de cinema americano boicotassem o prêmio, vi muito absurdo
criticando o fato de alguns falarem sobre possíveis cotas para
filmes com representatividade, mas também vi o vídeo do talkshow
"Last Week Tonigth" com John Oliver na HBO que deixa claro que antes de cotas o que se precisa é de espaço verdadeiro e que a
industria pare de enxergar filmes como DOPE como produtos de nicho,
feitos para um único segmento e com isso eu concordo plenamente, pois
esse filme merecia estar entre os indicados (quem sabe no lugar de
"perdido em marte" aquela coisa chata?!). Por isso eu digo,
assista a DOPE e abra sua mente para as diferenças, ria e entenda
que cada pessoa é única, por mais que cor, religião e cultura
pareçam as agrupar e , assim como eu, sinta-se representado no
cinema.