No
ano de 2015 a Netflix se consolidou como produtora, além de
distribuidora, de material de qualidade. Entre suas produções
originais se destacaram as séries “Demolidor” e “Jessica
Jones”, em parceria com a Marvel e integrada a seu universo nos
cinemas; “Narcos” com a história do cartel de Medelin sendo
estrelada por Wagner Moura, e, “Better Call Saul” o spin-off da
cultuada série “Breaking Bad” da AMC. O sucesso das produções
da Netflix foi tanto, que boas séries apresentadas por canais
convencionais ou produtoras menores foram ofuscadas, entre elas uma
que me conquistou pelo humor negro, efeitos visuais que me causaram
nostalgia devido à violência crua e irresponsável de saudosas
épocas, trata-se de “Ash vs Evil Dead” da Starz, que consegui em
fim assistir e que vamos falar um pouco hoje.
ele voltou |
"Ash
vs Evil dead” dá sequência a trajetória de Ash (não diga) ,
interpretado por Bruce Campbell, personagem que nos foi apresentado
no filme independente “Evil Dead” de 1981 escrito e dirigido pelo
grande Sam Raimi. No filme original, Ash vai com sua noiva, um casal
de amigos e mais uma colega (segura vela) para uma cabana na
floresta, lá eles encontram um livro, o necronomicon (o livro dos
mortos) e recitando algumas palavras escritas nesse livro, acabam
invocando espíritos malignos que vão possuindo e matando os
integrantes desse grupo, sobrando apenas o protagonista, que acaba
tendo, além de matar sua noiva e amigos, decepar a mão direita para
evitar ser possuído.
A
série se passa exatamente 30 anos depois dos acontecimentos do
filme. Ash é um sínico e irresponsável vendedor em uma loja de
eletrônicos e sua vida parece ter se tornado mais do mesmo, até que
em uma noite, no auge de uma cena de sexo no banheiro de um bar, ele
tem uma visão de que o mal está voltando e lembra que, em um
momento de relaxamento, disperso pelo uso de um cigarro menos
ortodoxo e tentando impressionar outra garota que gostava de poesias,
ele lera trechos do necronomicon, que tinha guardado em seu trailer,
assim o mal desperta e não resta nada a nosso “Herói” do que
combatê-lo com a ajuda de dois colegas de trabalho tão
problemáticos quanto ele e munido de sua calibre doze, sua mão de
motosserra, sua língua ferina e sua total falta de noção.
Ash , Pablo e Kelly |
A
série é muito divertida. Em primeiro lugar por saciar a nostalgia
de uma época menos responsável, onde os heróis eram heróis do
acaso e da oportunidade, como um Madmax (o original, não esse que
nem sabe falar) ou um John Mclane ( antes do Bruce Willis pirar), as
piadas e tiradas de cada episódio flertam com o preconceito, burrice
e genialidade (no sense total). Esse espírito nostálgico ainda é
reiterado através dos efeitos especiais compostos por efeitos
práticos e maquiagem de primeira, além de litros e litros de sangue
cenográfico (Além de sangue digital e até real se duvidar), marca
registrada das produções independentes de terror (em especial do
filme original) e para o nosso prazer, respeitada pela série.
Outro
ponto importante é o carisma dos personagens centrais. Começando
pelo protagonista vivido por Bruce Campbell, que consegue dar
sequência a seu primeiro papel no cinema com muita vitalidade e
senso de humor e até (às vezes) charme, suas caretas e respostas
rápidas não podem ser ignoradas e suas frases de efeitos não
deixam ninguém, com alma, sério por muito tempo; seu colega Pablo,
um jovem latino que se vê envolto a acontecimentos que lhe remetem a
um passado do qual foge, é o alívio cômico da série, sendo vítima
de todo preconceito não intencional do protagonista, mas sendo
também o motivador deste último, é ele quem toma para si o papel
de cutucar Ash no primeiro capítulo dando início a jornada do herói
(ou anti-herói), ele também representa o telespectador sendo quem
mais se assusta e se choca com o que acontece durante a jornada;
Fechando o time, temos Kelly, outra vendedora que se junta ao grupo
depois que sua mãe volta dos mortos possuída por demônios e após
um traumático jantar em família, assim ela resolve seguir os dois
colegas para dar fim a crescente ameaça que se aproxima, ela é a
bad gril, sempre sarcástica, violenta e direta, e, seu “clima”
com Pablo acaba por dar um ar quase romântico a dupla (muito mais
por parte dele do que do dela). Como grupo, os personagens conseguem
alcançar aquela química que faz com que nos preocupemos com seus
destinos e a cada episódio, a cada possessão cruzamos os dedos
torcendo para que o fatídico destino que persegue quem se aproxima
de Ash, não encontre seus dois “pupilos”, foda é que desde o
primeiro episódio eles ficam sempre em ameaça, o que dá qualidade
ao fator tensão e cagaço em quem se apega aos personagens.
A
série ainda me ganhou por dois motivos, a ação e o tempo de cada
episódio. Referente à ação, desde o episódio piloto a série
mostra a que veio, com muito sangue e momentos de completa catarse,
onde vemos o personagem principal decapitando demônios (quem nunca?)
onde a direção (que do primeiro episódio é do próprio Sam Raimi)
se mostra muito competente com suas câmeras lentas, demônios
subindo paredes e porradaria sobrando, o que se soma com suas
pequenas, mas não ausentes, doses de tensão e sustos eventuais.
Quanto ao tempo, a série consegue ser reduzida sem ser curta em
excesso, pode-se dizer que ela é enxuta com seus 25 minutos de
episódio, o que a deixa sempre com um gostinho de quero mais.
As vezes é necessário o uso das cuecas marrom |
Embora
eu tenha achado “Ash vs Evil Dead” uma divertida e bem produzida
série, algumas coisas me incomodaram na mesma, a principal foi o
furo de roteiro envolvendo a Policial Amanda Fisher. Desde o primeiro
episódio a personagem parece ter uma grande importância e ligação
com a parte espiritual da trama, pois o primeiro demônio que aparece
diz que sabe quem ela é e a cara que a personagem faz é de que há
algo escondido, assim como sua caçada à Ash para mostrar que não é
louca e solucionar a morte do parceiro e que dá impulso aos
primeiros episódios coloca peso na personagem, no entanto ela é
descartada nos últimos três episódios de um jeito besta que apaga
tudo que aparece no início e deixa quem assiste sem respostas.
Apesar
de “Ash vs Evil Dead” ter seus probleminhas, achei ela a melhor
série das que vem surgindo baseadas em filmes. Conseguiu manter,
além do ator que protagonizava a série de filmes originais dos anos
80, todo o clima da época e o respeito à mitologia
meta-lovecraftiana (se é que isso existe) de flerte com o
sobrenatural, além do humor no sense e violência sangrenta, típicos
dos anos oitenta e de filmes independentes. Suas piadas e tiradas são
daquelas de fazer rir sozinho quando nos lembramos no serviço ou na
fila do pão e a ação e química dos personagens fazem com que se
torça por mais temporadas ( O que é bem possível devido ao final
da temporada) . Uma grande dica para quem tiver vinte e cinco
minutinhos sobrando e quiser um pouco de diversão sem cabeça no
melhor estilo anos oitenta. Go El Jefe !!