O filme “Gravidade”
, do diretor Alfonso Cuarón, me atraiu desde o primeiro trailer, com o perdão
do trocadilho; O Teaser mostrando astronautas a deriva no espaço, indo
descontrolados e desesperados em direção de uma estação espacial ,me deixou
empolgado por ser ,a primeira vista, um filme de ficção científica com um bom
diretor e um elenco de peso, mas com medo de que viesse a ser um blockbuster no
pior estilo Armagedom. Por sorte, não se tratava de uma coisa nem outra,
“Gravidade” é sobre a vida.
O filme apresenta da
Dra. Ryan Stone ( Sandra Bullock ) uma especialista recrutada pela NASA e seus
colegas de missão, incluindo o experiente Matt Kowalski (George Clooney ) para
auxiliar na atualização do telescópio Hubble . Na véspera do retorno para a terra,
terminando o trabalho, a tripulação é informada de que a Rússia destruiu um
satélite espião desativado com um míssil, o que gerou uma reação em cadeia que
vai destruir tudo que existe em seu caminho, incluindo a nave e a tripulação da
missão. Como toda boa ideia, o roteiro do filme é bem simples, mas a
profundidade de seus conceitos foi o que me ganhou e tenho certeza foram eles o
que levaram o filme a ser um dos campeões de indicações ao Oscar.
Seguindo em frente |
Desde o primeiro
instante que somos apresentados a Dra. Ryan, sabemos que ela está no
automático, ignorando seus problemas pessoais e a situação extraordinária onde
se encontra, ela não é diferente de qualquer outra pessoa que encontramos na
rua, indo trabalhar porque se deve trabalhar , voltando para casa por que se
deve voltar; Ela não sente nada, ou pelo menos não demonstra emoção (mesmo
sendo privilegiada com as mais belas visões) ela apenas segue em frente, Então
para arrancá-la desse estado de letargia a vida interage da única maneira que
sabe, causando problemas. Esses problemas são representados por toneladas de
lixo espacial vindo em direção a tudo que dava segurança a protagonista naquele
momento e quando a nuvem de destroços chega até a nave , chega sem fazer
barulho (até porque no vácuo não há som) e vem destruindo tudo e fazendo
vítimas, assim como os problemas que enfrentamos em nosso cotidiano. Tal como a
personagem ,muitas vezes gostamos de acreditar que temos total controle de
nossos vidas, que não vamos ser surpreendidos facilmente, isso faz com que nos
sitamos mais seguros para caminhar em linha reta por nossas vidas, no entanto
um diagnóstico médico, um acidente de trânsito ou a demissão do emprego, vem
sempre a nos mostrar o quanto frágil e ilusória é essa nossa ideia de controle,
de modo silencioso e sem mandar aviso, os problemas sempre chegam e alguns
acima de 32 mil km/H.
Após ser arrancada da
nave , junto com o braço mecânico que a sustentava, e jogada ao espaço, a
primeira decisão que a protagonista tem de tomar é se soltar desse último elo
com o que lhe dava segurança anteriormente, assim como uma pessoa que sai de
qualquer situação em que está envolvida, seja pessoal ou profissional (como
diria Fausto silva) , tem de largar de
lado as lembranças que a prendem ao passado e ir em frente, é o que acontece a
ela a se desconectar do braço mecânico, mas, assim como qualquer um de nós ao
sofrer uma mudança brusca, a protagonista se sente a deriva, jogada no espaço
e sem chão , mas quem assiste de outra
perspectiva pode dizer que ela está na verdade livre e quando o Tenente
Kowalski surge para resgatá-la é que sua viagem de volta a vida começa.
"você está à deriva, ou está livre?" |
Após prender a Dra. Stone em si, Matt Kowalski
toma rumo ao que sobrou da nave espacial , na esperança de que a mesma ainda
pudesse levá-los para casa, no entanto se depara apenas com destroços e corpos,
de maneira que a única forma de encontrarem salvação é alcançar a estação
espacial internacional e de lá partir até a estação chinesa, que possivelmente
ainda possuí módulos de emergência, isso contando apenas com alguns impulsos do
Jetpak utilizado por Kowalski e com o Oxigênio da DRa Ryan Stone a 8% . É no
percurso até a primeira estação, onde está a cena mais linda do filme, para
acalmar a colega, Matt pergunta de onde
ela veio e se tem alguém especial esperando por ela lá embaixo, a resposta,
falada lentamente pela Dra Stone, deixa claro o porquê de seus gestos
automáticos e indiferença:
“Eu tinha uma filha.”
O mundo fica de cabeça para baixo quando a vida nos derruba |
Se aproximando da
estação internacional , Kowalski informa
que possui apenas um ou dois impulsos
no Jetpak e que Ryan deve se concentrar em agarrar-se em algo, ambos colidem
contra a estação e se separam, Ryan acaba presa nos cabos do para quedas do
módulo de emergência que havia sido acionado por falha , segurando Kowalski pelo cinto de segurança; Naquele
momento Matt representa a segurança, mesmo na pior hora ele está ouvido música
e com um sorriso calmo nos lábios, é companheiro e bem humorado, além de
experiente, sem ele, Ryan tem de tomar as decisões, tem de ter a iniciativa e
confiar em si mesma; tal como sair da casa dos pais ou deixar o filho seguir
sua vida, abandonar a ideia de segurança de uma presença é um fato que se deve
encarar pois essa mesma presença não depende de nós. E assim, para salvar a Dra
Stone, Kowalski se solta do cinto de
segurança e parte pelo espaço , só
restando a Ryan Stone aceitação de deixar partir.
não se pode prever nada, não se pode se agarrar a ninguém |
Matt vai aos poucos
se afastando (em um erro físico do filme que se justifica pela alegoria)
enquanto a Dra Stone balbucia que o estava segurando e, enquanto , quase sem
ar, fica dizendo que não vai desistir de buscá-lo, Matt liga novamente a música e vai
desaparecendo no infinito, mas não sem antes deixar sua última mensagem:
“Uau !...Ei
Ryan... Você tem que ver o pôr-do-sol no Gânges... é maravilhoso!”
Aproveite o passeio,
pois é o que a vida é! Não podemos prever nada, temos a ilusão de principio e
fim em tudo que fazemos, tal como uma corrida, somos tão condicionados a pensar
dessa maneira, que na maioria das vezes não estamos conscientes das maravilhas que
acontecem ao nosso redor, nos desprender e aproveitar a paisagem e a sorte de
estar presente dá sempre sentido a tudo, basta apenas aproveitar o “passeio de
Domingo”.
Após conseguir entrar
na E.E.I , já sem oxigênio e desesperada, Ryan Stone se livra do traje espacial
e fica flutuando silenciosa em posição fetal, ali nasce uma nova pessoa, livre
da ataraxia que a escravizava anteriormente, renascida da dificuldade que
enfrentou. Essas dificuldades superadas são o que lhe dão força para seguir na
ideia sugerida por Matt para voltar para casa, e, após enfrentar um incêndio,
desacoplar o módulo e sobreviver mais uma vez a passagem dos destroços (que dão
uma volta na órbita terrestre a cada noventa minutos) a Dra Stone percebe que
não tem combustível para os propulsores de decolagem, um balde de água fria
nessa nova pessoa que vem surgindo. Tentando contato com Houston, ela acaba na
frequência de um rádio amador Chinês, o
homem , que não fala Inglês e que acha que o nome dela é “May Day” , tem cães
latindo ao seu redor e canta para um bebê, reconfortada por essa lembrança de
um lar e pelo testemunho do carinho de um pai por um filho, A Dr Ryan decide
desligar o oxigênio e morrer. Nesse instante o inusitado ocorre, do lado de
fora, na escotilha podemos ver Matt
Kowalski batendo e após girando a trava para a entrada. Kowalski volta sorrindo, pois bateu o recorde
de caminhada espacial, reclama que o clima está meio triste ali e pergunta se
Ryan já encontrou a vodca, logo em seguida diz que a estação Chinesa fica a 160
km do lugar onde eles estão, Ryan tenta dissuadi-lo dizendo que não há
combustível, mas Matt questiona se ela tentou os propulsores de pouso, pois
pousar e lançar é a mesma coisa, Ryan diz que sempre falhou nos treinamentos,
então Matt pergunta se ela quer ou não sair de lá, ela não responde; Ryan já
havia desistido, se acomodado e aceitado a situação, assim como quem se prende
a rotina e se acostuma com uma vida mais ou menos, ela encontra uma nova
segurança naquele módulo espacial, justifica sua comodidade com a falta de
sucesso do passado,como Matt lhe diz, é calmo lá em cima, é tranquilo e
silencioso, ali ninguém pode machucá-la, ela pode fechar os olhos e esquecer
tudo, não é preciso seguir em frente, não é preciso viver, sua filha morreu e
não há nada pior do que isso, mas a questão é: “O que vai fazer agora?” ...se
decidir voltar, vá em frente, coloque os pés no chão e siga em frente.... Então
Matt desaparece, ele era a projeção de seu subconsciente procurando
alternativas para sobreviver, projetando para Ryan a pessoa que mais lhe
inspirava confiança e motivação. Ryan então religa o Oxigênio e decide viver,
está na hora de voltar para casa.
A decisão de tentar
novamente, mesmo tendo de enfrentar um problema que nunca conseguiu solucionar,
no caso o pouso do módulo Soiuz, e viver, colocam um sorriso pela primeira vez
no rosto da Dra. Stone depois de mais de uma hora de filme, acionando os
propulsores de pouso do módulo ela ainda pede a Matt uma última coisa que cuide
de sua filha, deixando claro que ela está disposta a sobreviver. Retomando seu
foco, Ryan consegue desacoplar o módulo e lançá-lo, de forma que passe próximo a estação espacial chinesa
, que já apresenta queda de altitude, assim como em nossas vidas, onde devemos
arriscar caso queiramos mais e usar sempre a criatividade para encontrar a
melhor forma de se conseguir o desejado,A Dr Ryan salta do módulo e alcança a
estação com o uso de um extintor, proporcionando uma das últimas cenas de
tensão do filme, quando só consegue se prender a estação no último minuto
(malditos clichês Hollywoodianos!) . Já dentro da Estação chinesa, a Dra. Stone
ainda tem de tentar a a sorte em decifrar um painel de controle em mandarim,
proporcionando um momento engraçado ao apertar o botão errado e soltar a máxima
“No hablo chino”.
Após a estação
adentrar a atmosfera, ela começa a se desfazer , soltando o módulo de segurança
Chen-zu , onde se encontra a Dra Stone, Essa , de ânimo renovado , transmite
agora a segurança e calma que Matt passava no inicio da crise onde os dois
acabaram envolvidos. Com o módulo em queda livre, Ryan tenta mais um contato
com Houston e , sorrindo, diz que tem um mal pressentimento sobre a missão, diz
que existem apenas dois resultados possíveis, ou vai se salvar e terá uma
grande história para contar, ou morrerá queimada em dez minutos, mas que não
importa, de qualquer maneira será uma experiência incrível; Já não é fim, mas a
viagem que a Dr Stone entende como meta, agora ela entende que tudo que ela
viveu e sofreu, a definem e a enriquecem , ela aceita o que vem com bom grado ,
pois o importante é estar presente e ter vivido tudo o que viveu. O módulo cai
na terra em meio a um pântano , em uma última provação, Ryan tem de se livrar
do traje espacial para não morrer afogada e nadar até a margem de um lago, mais
uma vez ela deve deixar tudo o que passou para trás e seguir em frente apesar
das dificuldades; ela sai da água se arrastando e se ergue lentamente,
representa a evolução, tanto da espécie como da maturidade, sai da água e vai
para a terra, começa deitada e sem força, tal qual um bebê, engatinha, caminha
vacilante e depois se ergue imponente, quando a câmera a fima nesse instante,
ela é uma gigante; a Dra. Stone agora realmente dá razão ao seu nome ( pedra em
Inglês) sai endurecida e forte da situação, mas nem por isso menos grata pela
sorte que teve e vai em frente sem olhar para trás.
A cada tropeço , um novo nascimento |
Na minha opinião,
“Gravidade” é o filme do ano! Certamente
Alfonso Cuarón levará o Oscar de melhor diretor, assim como o filme levará a fotografia , a parte técnica
e , se bobear, de melhor atriz para Sandra Bullock . Sobre os efeitos visuais
,poucas vezes vi os efeitos especiais serem tão bem utilizados,servindo com
ferramento de auxilio e pano de fundo para a história e não a atração principal
como se costuma ver tão frequentemente, o som também é algo que chama a
atenção, como o filme se passa no espaço, ele é utilizado além de ferramenta de
tenção, também para transmitir o barulho dos objetos no vácuo, por exemplo,
quando a personagem da Sandra Bullock usa uma furadeira, é o som de dentro do
uniforme que ouvimos, muito bacana! Os ícones de esperança , também são
detalhes delicados que aparecem durante o filme, o Alienígena dos “Looney
toones” representando O lar, saindo lentamente pela janela da nave destruída ;
São Cristóvão, padroeiro católico dos viajantes, na estação internacional,
passando a ideia de fé no retorno; e, buda, quando Ryan já se encontra voltando
para a terra decidida e em paz, representando a iluminação . Por essas e por outras
é que digo que gravidade é um filme como a tempos não se fazia e que escolhi
sendo como o melhor do ano e talvez o melhor em anos, se estiveres a deriva,
deixe-se atrair por esse filmaço e aproveite a viagem , mas por favor,
verifique se no tanque de oxigênio há mais do que 10% de O² , pois tu vais
precisar !
sim, ver esse filme foi uma experiência Incrível |