Mesmo não sendo um diretor underground , dentro do cenário cinematográfico atual eu classificaria Akira Kurosawa como um diretor de filmes alternativos, suas obras “Roshomon - Nos portões do inferno” e “Donzoko – Ralé” expõem essa minha visão, o primeiro usa o testemunho de três homens para apresentar ao expectador diferentes perspectivas sobre um assassinato, mostrando que o mesmo acontecimento pode ter diversas interpretações; o segundo mostra o cotidiano de um bando de vagabundos, bêbados e prostitutas, que têm na miséria e ignorância seus principais antagonistas,filmado em um estilo teatral, que as vezes chega às portas do teatro Kabuki, esse filme mostra a pobreza como uma prisão sem grades e dá brilho a ela, isso em uma época onde o glamour e a riqueza eram marcas registradas do cinema. Para mim, isso é ser alternativo.
Cito Kirosawa, em especial para falar de um filme, “IKIRU, viver “ que para mim, foi um dos melhores filmes já produzidos, e ele é de 1952!!. O filme conta a história de Kanji Watanabe , burocrata da terceira idade preso à rotina de um serviço público ,o qual é chefe de departamento,e que tem sua vida virada após descobrir que têm câncer de estômago e está em estado terminal, a partir de então o mesmo passa a se questionar e procurar significados para sua existência. O filme é narrado em duas partes, na primeira somos apresentados Watanabe, sua rotina, família, duvidas, frustações e doença; na segunda somos colocados no velório do protagonista, onde seus conhecidos e amigos debatem sobre a vida e os feitos do falecido e principalmente o porquê da mudanças de personalidade pouco antes de o mesmo morrer. Quem já teve o desprazer de conversar comigo sobre cinema, sabe que este é um de meus filmes preferidos. A solidão, compaixão, angústia ,esses "temperos da vida" , estão todos lá. Enquanto os americanos se vangloriam dizendo que “Cidadão Kane” foi o melhor filme já feito eu digo que se derem a oportunidade de as pessoas verem os filmes de Orson Welles e o de Kirosawa , escolheriam IKIRU como sendo muito melhor.
Em Ikiru existem muitas cenas marcantes, uma que eu gosto especialmente é quando a jovem que trabalha no departamento de Watanabe, (por quem ele fica obcecado) é criticada por rir e divertir-se no ambiente de trabalho e após isso o questiona se ele nunca quis nada mais do que aquela vida, Watanabe a ignora e confisca o motivo de sua distração ( suas histórias em quadrinhos) , quando as coloca na gaveta, a câmera mostra um “relatório de melhorias para o departamento” escondido abaixo de alguns papeis, dando a entender que o protagonista deixou suas frustrações e comodismo soterrarem o melhor que ele tinha a oferecer, precisando descobrir mais adiante, que estava morrendo para voltar a viver.
“Ikiru” é livremente inspirado em “A morte de Ivan Illicht” de Tostói, esse livro conta a trajetória de um funcionário público que vai definhando devido à uma doença incurável e que tem como únicos desejos que as pessoas sintam piedade de sua situação e o vejam como uma pessoa doente ao invés de um peso. Watanabe, no filme de Kurosawa, toma um caminho diferente, para dar sentido a sua vida resolve construir um playground em um bairro carente, à tempos assolado por alagamentos e vitima do descaso das autoridades, ao invés de procurar a piedade, ele se apieda dos outros e opta por sacrificar-se por eles e nos últimos instantes encontra a razão para sua existência, não os pálidos sentimentos de piedade de terceiros, mas a satisfação que o sacrifício e a atitude trazem quando batalhamos para beneficiar quem necessita.
IKIRU,Capa do DVD! |