domingo, 21 de agosto de 2016

FARGO - A série (1° temporada)






Esse post é baseado em uma história real. Os eventos ocorreram em 2006 em Minesota.
A pedido dos sobreviventes os nomes foram alterados.
Por respeito aos mortos o restante foi retratado exatamente como ocorreu.

Eu sou muito fã dos irmãos Coen. Existe algo na obra deles que não consigo explicar e que me deixa meio hipnotizado, não sei se a capacidade deles conseguirem ser profundos e divertidos tanto em grandes produções como "Bravura Indômita" de 2010, como em filmes menores tal qual "Na roda da fortuna" de 1994, ou simplesmente pelo humor negro e pelo inexplicável estranhamento que cercam as histórias de filmes, como em " Um homem sério" de 2009 e "O grande Lebowski" de 1998. Mas o certo é que sou fã dos caras.
Talvez por isso, quando em 2014 o canal FX, trouxe para a TV uma obra baseada em um dos melhores filmes dos Irmãos Coen, "FARGO" de 1996, ignorei o projeto idealizado e escrito por Noah Hawley, tanto pelo fato de não ser o maior fã de adaptações de grandes títulos para a TV, como pela simples impossibilidade de assistir a série devido a FX Brasil não transmitir a série aqui em terras tupiniquins, mal sabia eu, que perdi a chance de acompanhar em tempo real o nascimento de um clássico da TV, repleto de personagens marcantes, roteiro primoroso e execução impecável, que me tornou fã aos dez minutos do episódio piloto.




A série trás uma história que lembra a contada no filme pelos conceitos e cenários, mas composta por elementos muito mais profundos e uma trama muito mais complexa do que a obra original. Nessa história somos apresentados a Lester Nygaard (Martin Freeman), um pacato e desprezado vendedor de seguros na pequena cidade de Bemidji em Minesota, que vê sua vida mudar quando, depois de ser humilhado por um valentão ex-colega do tempo de escola, ao se encontrar e confessar suas frustrações a um misterioso homem (Billy Bob Thornton) na fila da emergência de um hospital, expressa a vontade de que seu agressor seja morto, o que é levado a cabo por seu confessor. A partir dessa morte, Lester entra em um espiral de violência e mudança de percepção da vida que ira transformar a vida de todas pessoas que tem contato com ele, incluindo a policial Molly Solverson, que percebe que problemas maiores estão por surgir devido ao assassinato, envolvendo extorsão, morte de policiais, chuva de peixes e assassinos da máfia.

A série é fantástica! Noah Hawley soube trazer para a TV todo espirito das obras dos Coen com o humor negro desconcertante que faz com que não saibamos se devemos rir ou ficar envergonhados, cenas de ação e momentos de tensão que te grudam na cadeira e personagens marcantes, que transitam entre o cara comum, o durão e o indivíduo totalmente sem crédito.
Lester Nygaar
Sobre os personagens, penso que eles sejam o grande trunfo de "Fargo", pois antes de ser uma história policial ou comédia de humor negro, a série é uma história de pessoas e isso cria um vínculo quase imediato com os três personagens centrais da trama, que aliás correspondem aos três Arquétipos (ou seriam esteriótipos?) trabalhados pelos Coen em seus filmes. Dessa maneira temos Lester Nygaard, o pobre vendedor de seguros que é humilhado por ex-colegas, diminuído por seu irmão mais novo, ignorado no trabalho e ridicularizado pela própria esposa, ele é a representação do perdedor que tanto povoa o universo de filmes americanos e que ninguém quer ser, tanto que quando sua vida começa a dar sinais de melhoras, não levando em conta sua gigantesca capacidade de errar, torcemos por ele, mesmo sabendo que o responsável por todos os problemas da série é ele.
Em contraponto ao pobre Lester, temos o misterioso assassino interpretado por Billy Bob Thornton, que mais tarde passa a ser conhecido como Lorne Malvo. Ele é um agente do caos, não muito diferente do Coringa interpretado por Heath Ledger, mas com toda uma questão de princípios tais como o Assassino de "Onde os fracos não tem vez", sua interação com o personagem de Martin Freeman é perfeita, criando uma tensão tanto em Lester Nygaard como no espectador para quem os discursos de Malvo parecem ser direcionados. Lone Malvo não respeita nada e não teme nada, parece entender que a vida é um amontoado de convenções presididas por pessoas que dão mais crédito as aparências do que aos resultados e possibilidades e, usa essa fraqueza das pessoas em seu próprio favor. Lorne Malvo é o meu personagem preferido da série e grande parte disso se deve a interpretação primorosa do Thornton, que consegue se impor através de olhares e silêncios, se tornando ameaçador mesmo possuindo o porte de um corredor de maratonas que não se hidratou corretamente.
Lorne Malvo 

Fechando o trio de protagonistas, temos a policial Molly Solverson, que se enquadra no personagem desacreditado citado acima. Molly (interpretada por Allison Tolman) é uma obstinada assistente do xerife, que enxerga nos acontecimentos ocorridos em Bemidji muito mais do que crimes isolados, o que faz com que ela não desista de buscar a verdade a todo custo para descobrir os verdadeiros culpados, no entanto, cercada por pessoas que apreciam muito mais a aparência do que o talento e que preferem saborear uma bela xícara de café com rosquinhas a resolver problemas reais, assim, quase todos seus esforços ficam relegados a fé de que outras pessoas fora de sua delegacia acreditem em seu ponto de vista, como seu Pai , Lou Solverson, um ex-policial dono de uma lanchonete e Gus Grimli ( Colin Hanks), um policial da cidade vizinha, que após um contato com Lorne Malvo passa a ajudar Molly. O Humor e persistência do personagem de Allison Tolman são tão marcantes, que penso que não fique devendo em nada para o interpretado por Frances MacDormand no filme homônimo à série, assim como a sua interpretação não fica devendo nada a ganhadora do Oscar de 1996.

Para complementar a ótima exploração dos personagens, a série ainda tem ótimas cenas de ação que surgem com força para que lembremos que, mais do que uma série sobre pessoas e escolhas, trata-se de uma história policial. Estas cenas não surgem de forma gratuita, todos são lentamente construídas de forma lenta e sutil, onde o telespectador pode saborear toda a tensão que vem surgindo a partir do momento onde a ação torna-se inevitável. Não quero estragar a experiência de ninguém com a série, então cito apenas a cena do capítulo seis, onde Lone Malvo, após chantagear o dono do supermercado ligado a organização que contrata seus serviços e colocar a culpa no personal treiner da ex-mulher desse empresário, o deixando amarrado a uma arma enquanto a Swat resolve invadir sua casa, parte para a cidade vizinha durante uma tempestade de neve e é emboscado por uma dupla de assassinos da máfia de Fargo, com quem Sam Hess tinha conexão, começa aí uma cena extremamente tensa, onde os policiais Molly e Grimly se unem no tiroteio e em que Malvo perde sua arma e conta apenas com sua frieza e calma para se ver livre da situação. O capítulo é fantástico e daria um media metragem de ação de alta qualidade, a ação é empolgante e a fotografia perfeita, sem falar do desfecho do problema que vai do espetacular ao absurdo de forma brilhante (se é que isso é possível).

Molly Solverson
Para finalizar, a série ainda tem uma história fechada em cada temporada. Ou seja, não é necessário esperar um anos para saber o que vai acontecer com os personagens, tal qual um livro bom, a história tem início, meio e fim e isso eu considero uma vantagem, é como se assistíssemos um filme de quase dez horas. A segunda temporada foi exibida em 2015 e conta a história, que se passa em 1979, conta a história de Lou Solverson, pai de Molly, em seus tempos de policial e a história é tão boa ou melhor que a da primeira temporada, mas falaremos disso em uma outra postagem, do mesmo modo que espero falar da terceira, que estreará em 2017 e já tem confirmado o ator Ewan McGregor no elenco.


"Fargo" a série, é mais que uma adaptação para a TV de um grande filme, é uma obra que se sustenta por sua história inteligente, tensa e cheia de grandes diálogos, com personagens ricos e complexos que falam diretamente com o espectador. Um clássico que surge da cabeça de Noah Hawley com o espirito e o humor dos irmãos Coen e que me surpreendeu demais por sua qualidade de roteiro, direção e atuações. Agradeço a dica do meu amigo Caleb Garcia, que me indicou a série e a insistência de meu irmão Leandro Guerreiro para que eu assistisse . Assim que possível vou resenhar a segunda temporada, com a história de Lou Solverson e a saga trágica da família Gerhardt e a máfia de Kansas,  aguardando com ansiedade a estréia da terceira história em 2017, mas sabendo que regras não existem e é preciso mostrar ao mundo que viemos os gorilas e por vezes precisamos mostrar ao mundo que ainda temos um pouco deles em nós.



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